No dia 30 de julho foi celebrado o Dia Internacional da Amizade, na mesma altura em que se estreou a 4.ª temporada da série Atypical, na Netflix. A série retrata a vida de Sam, um jovem com perturbação do espectro do autismo (PEA), que navega pelo mundo social e os seus desafios, através das suas relações familiares, amorosas e de amizade. Mas, afinal, como é vivida a amizade pelas pessoas com PEA?
Muitas vezes as pessoas com PEA são percebidas como alienadas, antipáticas, antissociais e até rudes. É frequentemente posta em causa a sua motivação para estabelecer relações de amizade e o significado que lhes atribuem. Até hoje, ainda se ouve o mito de que as pessoas com PEA não têm interesse em ter amigos.
De facto, a PEA é caracterizada por défices persistentes na comunicação e na interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento. Estas características podem ter um impacto negativo em áreas essenciais para estabelecer relações de amizade. Vejamos:
– Papel de amigo: numa relação de amizade é esperado apoio mútuo. Um amigo é alguém que está presente nos momentos difíceis. No entanto, pessoas com PEA podem ter dificuldades em compreender as pistas não verbais que indicam o que é esperado numa interação social. Por vezes é necessário explicar claramente quais são os comportamentos desejados, prejudicando a fluidez da relação;
– Empatia: para poder prestar apoio a um amigo, é importante a capacidade de se pôr no seu lugar, compreender o que estará a sentir e qual a sua experiência. As pessoas com PEA têm défices na compreensão das expressões faciais e outras pistas não verbais, dificultando a sua compreensão das emoções nos outros;
– Flexibilidade: na amizade, muitas vezes é necessário ser flexível e compreender diferentes perspetivas. As pessoas com PEA têm uma maior dificuldade em procurar soluções alternativas e adaptar-se a situações novas que estão presentes em vários contextos nas relações de amizade, como conhecer pessoas novas, visitar sítios novos;
– Valorização do outro: numa relação de amizade significativa, os amigos devem ser vistos como um fim em si mesmo e não apenas como acessórios ou companhia. Para as pessoas com PEA, por vezes é difícil expressar pistas sociais não verbais que demonstrem que estão realmente interessados na outra pessoa;
– Proximidade física: durante a pandemia de covid-19, muitas pessoas sentiram a falta do contacto físico com familiares e amigos. Este contacto é parte integrante das relações, e para as pessoas com PEA é difícil compreender qual a quantidade de contacto adequado. Algumas pessoas com PEA mantêm-se afastadas fisicamente, enquanto outras podem ficar demasiado perto.
Apesar destas dificuldades, as relações de amizade são preditoras de uma maior sensação de bem-estar subjetivo, bem como protetoras da saúde mental. As pessoas com PEA não são a exceção à regra. Muitas vezes procuram ter relações de amizade, que podem estar associadas a experiências frustrantes e alguns fracassos.
Cabe a cada um de nós ser agente facilitador destas relações: ser claro e direto relativamente ao que é esperado da pessoa na relação, expressar verbalmente sentimentos e emoções, pedir apoio diretamente, avisar com antecedência possíveis alterações de planos ou novidades.
E, acima de tudo, estar disponível para uma nova amizade!
Beatriz Carvalho
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário