“Isso vai passar”, “Estás apenas triste”, “Estás a exagerar tudo”, “Eu consegui passar por isso sem precisar de ajuda como tu”. Quantas vezes ouvimos frases destas de pessoas próximas de nós aquando de conversas sobre a depressão? Afirmações que têm um efeito de cólera em qualquer sujeito sensível a estes temas, quanto mais junto de quem os protagoniza.
Estas palavras, que muitas vezes ecoam, na prática, indiferença e indolência no tratamento deste assunto, constituem-se, a meu ver, em alguns eixos cruciais para a intensificação da dor de alguém que se encontra numa depressão. Em primeiro lugar, destacaria a imposição da efemeridade do sofrimento – basicamente, um incómodo leve, um pequeno momento de desânimo que é atribuído como diagnóstico societal para um problema que se afigura, obviamente, mais complexo e mais grave. Em segundo, com essa atitude de menorização da questão, a ideia de que tal aflição, tal desgaste quotidiano, não impedem a/o doente de realizar algumas tarefas (domésticas, académicas, laborais…), pelo que a desviância dos comportamentos e dos discursos acerca da angústia que é viver não parece ser assim tão preocupante. E, em terceiro, uma dimensão de comparação: mães ou pais, amigas/os e outros significativos que utilizam as suas experiências, alegadamente mais desafiantes, para afirmar que o fenómeno depressivo é de somenos, quase um luxo para uma pessoa que, novamente de forma alegada, não passou por tantos dissabores da existência.
Sabemos hoje que estas perspectivas e condutas estão incorrectas, mas continuamos, na mesma, a reproduzi-las. A fazer delas uma espécie de kit de ferramentas universal que nos desembaraça de qualquer situação onde temos, enfim, de nos dedicar ao outro e gastar o nosso tempo na sua maior felicidade (ou menor infelicidade).
Mas esta não é apenas a única jogada. Há uma segunda que talvez cause a uma pessoa com depressão tão ou maior penar: a fuga, imediata ou progressiva. A “fantasmarização” que se abate sobre a rede social de apoio do ser humano em dificuldade e necessidade. Do lado dos membros dessa rede, o tomar a mal que um/a amigo/a não responda a uma mensagem cuja essência da acção está rodeada de ansiedade, pânico e desconfiança, porque a depressão leva-nos a isso mesmo (no fundo, e paradoxalmente, uma falta de reciprocidade e de empatia que a/o impaciente demonstra e com a qual vem reforçar ainda mais esta não confiança). Em resumo: a saída da vida daquela pessoa que a deixa desamparada e sem forma de ter força para reagir, levantar a cabeça, descobrir o mundo, curar-se.
A depressão é tão forte quanto Sísifo e a sua rocha para quaisquer metáforas em que o esforço para melhorar é inglório. Quem é fatigado todos os dias por este mal sabe que, por detrás de inúmeros sorrisos pouco genuínos, um deles sai verdadeiro e parece uma subida numa montanha de descidas. Mas isso é apenas um outlier estatístico no abatimento e na irresolução que se vive a cada segundo. E quem sabe no que se pode transformar uma depressão? Num definhar por meses e anos? Num acorrentar-se face à inevitabilidade da morte? Ou seja, em possíveis perturbações mentais acumuladas e em ideações suicidas, tentativas de suicídio e suicídios consumados.
Trago estas reflexões para, principalmente, defender que a depressão, assim como qualquer obstáculo mais ou menos profundo das nossas vidas, não se combate ignorando-a ou mascarando-a de episódios pontuais e tidos por qualquer um/a. É por isso que a depressão e o suicídio se combatem com ajuda profissional e ajuda social, com especialistas e conhecimentos e com familiares e amigas/os que nos sejam presença constante.
O Dia Mundial da Saúde Mental assinala-se hoje, 10 de Outubro. Que seja um momento de consideração vigorosa destes fenómenos. Contudo, antes e depois destas datas há uma vida por viver e um trabalho constante por realizar.
Leonardo Ferreira
Fonte: Público
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