terça-feira, 26 de outubro de 2021

Falando de inclusão: Direito Humano; equidade; humanismo

“Ici je veux souligner qu’une des grandes leçons de ma vie est de cesser de croire en la perenité du present, en la continuité de l’avenir, en la prévisibilité du futur.”

Edgar Morin, “Leçons d’un siècle de vie”, Denoël, 2021

Com que facilidade entrou a palavra “inclusão” no nosso vocabulário! Hoje fala-se de inclusão nos mais extravagantes contextos: existe “bagagem inclusiva” (a que leva tudo o que se precisa…), existem menus inclusivos (aqueles que compreendem todos os itens), existem transportes inclusivos (os que têm acesso por exemplo a cadeiras de rodas), etc. Falar em algo que seja mais do que era a expectativa inicial do seu âmbito logo suscita a palavra inclusivo. Inclusivo aparece até com a conotação de mistura, de coisas diferentes que são sobrepostas e sem critério. Mas afinal, e sem explorar as generalizações que a palavra tem, “de que falamos quando falamos de Inclusão?”. Num registo necessariamente sintético falaremos de três aspetos principais:

Em primeiro lugar falamos de um Direito Humano. As Nações Unidas consideraram em 2019 que a Inclusão é um direito e, mais do que isso, é um direito multiplicador. É um direito multiplicador na medida em que quando se assegura um ambiente inclusivo nele vão florescer outros direitos humanos. A Inclusão é, à semelhança do Direito à Educação (art.º 26.º da DUDH), uma alavanca que permite o cumprimento e o aprofundamento de outros direitos.

A Inclusão é também um instrumento fundamental para promover a equidade. A equidade consiste em fazer com que as condições de cada um (p. ex. a etnia, o género, a origem socioeconómica e cultural, etc.) não originem desigualdade. A equidade olha as diferenças que os humanos têm como características que, se forem adequadamente encaradas, se podem tornar úteis e positivas para todos. A Inclusão, neste aspeto, é um instrumento que conduz ao aprofundamento da equidade dado que proporciona a oportunidade de vivermos juntos, aproveitar das nossas diferenças e assim combater a desigualdade.

Em terceiro lugar, quando falamos de Inclusão estamos a falar de humanismo. As crivagens sociais e as faltas de coesão social são em grande parte originadas pelo facto de impormos a toda a sociedade tempos, espaços e metas que são apregoadas como universais, mas que, na verdade, só alguns podem alcançar. Muitas vezes as estruturas sociais (por exemplo a escola) serviram mesmo para legitimar as desigualdades sociais. Pelo contrário, a Inclusão promove cada um a partir de onde está através de uma visão alargada da capacidade de resolver problemas, de trabalhar cooperativamente, de encontrar e desenvolver soluções criativas, de delinear e concretizar projetos. Este respeito pela diversidade e pela dignidade de cada pessoa é um valor profundamente inclusivo.

Abrimos este texto com uma citação do filósofo francês Edgar Morin em que ele nos previne para a falta de perenidade, continuidade e previsibilidade do nosso mundo. Talvez seja esta uma das missões fundamentais dos ambientes inclusivos: responder a sociedades complexas e imprevisíveis em que só um sentido de comunidade e de humanismo nos poderá ajudar a enfrentar a magnitude dos desafios que se nos colocam. Muitas vezes se diz que a Inclusão é muito difícil, mas o que é mesmo incomportável e injusto são os custos sociais da exclusão e da desigualdade.

David Rodrigues
Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Editorial da Revista Latitude, n.º 28, setembro de 2021

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