Alemão, licenciado em Física e especializado em Estatística, anda pelo mundo desde o início dos anos 90 a visitar escolas e a conhecer os mais diversos modelos educativos. Aos 54 anos, já ganhou uma série de prémios, incluindo o Theodor Heuss, concedido em nome do primeiro Presidente da República Federal de Alemanha, pelo seu “compromisso exemplar com a democracia”.
Em Portugal, o nome de Andreas Schleicher tornou-se conhecido quando, a propósito dos últimos resultados do PISA (Programme for International Student Assessment), classificou o nosso país como o maior êxito educativo da Europa. Recentemente, passou por cá para apadrinhar o lançamento de um estudo sobre competências sociais e emocionais, que incidirá sobre a comunidade escolar de cidades tão díspares como Otava, no Canadá, Bogotá, na Colômbia, e Suzhou, na China, e Sintra. A conclusão do estudo, cofinanciado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Câmara Municipal de Sintra, está prevista para dezembro de 2020. No entender de Schleicher, e tendo em vista o futuro da população que está hoje nas escolas, as médias contam, mas não são tudo: crianças e jovens com mais competências sociais e emocionais têm tendência para alcançar melhores notas, melhores empregos e salários mais elevados, além de uma maior longevidade e menos comportamentos violentos ou criminosos. E, sim, confessa que é um otimista – e que continua a surpreender-se e a aprender todos os dias.
Diz-se que era um aluno brilhante…
No início da escolaridade, nem por isso. Foi só quando estava a acabar os estudos…
O que aconteceu?
Penso que foi a música. Tocava numa orquestra alemã, tinha um professor extraordinário que dirigia 100 alunos, e éramos obrigados a praticar todos os dias. Disciplina, esforço, aprendizagem, tudo isso mudou a minha vida. Fizemos concertos um pouco por todo o mundo. Foi assim que aprendi a esforçar-me e a concentrar-me.
Todas essas competências que agora começamos a valorizar…
Sim, percebi que, se tentar muito, tenho mais hipóteses de ser bem-sucedido.
E foi isso que o levou a interessar-se pela Educação?
Não, propriamente. Estudei Física e muitas outras coisas, envolvi-me no processo académico e isso também pode ter ajudado. Mas julgo que o decisivo aconteceu depois. Nessa altura, na Alemanha, ainda era obrigatório fazer o serviço militar ou trabalho comunitário. Escolhi trabalhar dois anos numa escola para crianças com necessidades especiais, o que me deu noção do poder da Educação.
Desde os anos 90 que avalia sistemas educativos. O que mudou durante este tempo?
Nessa altura, toda a gente achava que tinha o melhor sistema. Não havia qualquer diálogo sobre o que corria bem e mal nem se olhava para o que os outros estavam a fazer. Foi o que me motivou a começar o PISA: era preciso encontrar um espelho para compreender o que se estava a fazer.
Podemos aprender muito com os outros… mas não podemos copiar, certo?
Claro. Não pode fazer-se “corta e cola”. Porém, podemos questionar o que faz com que os outros sistemas tenham melhores resultados. Por exemplo, a China é muito diferente de Portugal. Poderemos ter a tentação de considerar que não há nada a aprender com a experiência dos chineses. Nada mais errado! Eles tinham um sistema com baixos resultados e deram a volta. É esse o nosso papel: não posso dizer a um país o que deve fazer, mas posso mostrar-lhe a experiência dos outros e quais os resultados.
Na sua conferência TED, em 2012, diz que há este conceito enganador de que a aprendizagem é um lugar e não uma prática. Quer explicar melhor?
Percebemos, há algum tempo, que aquilo que é fácil ensinar e aprender será fácil de ser automatizado. Neste tempo da Inteligência Artificial, temos de pensar melhor sobre o que vai distinguir-nos das máquinas. A escola tem de conseguir produzir humanos de primeira, não pode continuar a originar robôs de segunda.
Concorda que, se alguém do século XVIII entrasse hoje numa sala de aula, não ia estranhar?
É verdade em algumas coisas, noutras não. Mas há um risco de as escolas de hoje continuarem a ensinar para o passado em vez de para o futuro, a pensar no que aí vem. O mais extraordinário é que somos nós, os pais, o grande problema. Achamos sempre que, como não se ensina como nós aprendemos, eles não estão a aprender nada…
As suas últimas palavras sobre o percurso e o desempenho de Portugal foram muito elogiosas. Continham, porém, esse aviso sobre o risco de os nossos alunos saberem reproduzir mas não aplicar o que aprenderam em situações reais…
Exatamente: as aprendizagens só servem para alguma coisa se soubermos utilizá-las.
Isso explica, então, esta aposta num programa que quer avaliar competências sociais e emocionais. É preciso mudar este paradigma?
Não se trata de escolher entre uma coisa e a outra. Deve haver uma combinação, a capacidade de mobilizar ambas as valências para um objetivo. Numa entrevista de emprego, o empregador vai querer saber dos seus resultados académicos, mas também quem é, do que gosta, se trabalha bem em equipa… E isso hoje faz toda a diferença porque é o que nos distingue das máquinas.
Como se ensina isso na escola?
Essa é a grande questão. Algumas destas coisas “apanham-se”, não se ensinam. Como a empatia, a resiliência. Mas é possível treiná-las. Por exemplo, em 2015, no PISA, avaliámos essas competências sociais e emocionais. A nível individual, tanto japoneses como chineses são muito bons a resolver problemas. Mas, em grupo, os chineses já não tinham tão bons resultados. Fui então visitar as escolas japonesas e foi quando vi que havia várias tarefas que eram do grupo e que obrigavam a treinar essa colaboração. Por exemplo, ajudavam a fazer a comida para todos. Ou limpavam a sala com o professor. Em muitas coisas, havia essa colaboração. Em determinados momentos, corrigiam até os trabalhos de casa uns dos outros. Isso já não acontecia nas escolas chinesas. Eram muito competitivas, demasiado focadas nos resultados de cada um. De repente, compreendemos que a cultura que envolve a aprendizagem, e não só o que ensinamos, também faz a diferença, também tem os seus benefícios.
Portanto, são competências que se aprendem fazendo…
Resiliência, por exemplo. Se perguntarmos a um aluno português o que o faz bom aluno a matemática, ele vai dizer que é uma questão de talento – e que se não se nascer um génio, nunca se será bom aluno a matemática. Então, dizem a si próprios que não há nada a fazer. Ou são bons ou é para esquecer. Isto é uma questão cultural. Se fizermos a mesma pergunta a um aluno em Singapura, ele responde: se estudar muito, e o professor me ajudar, estou certo de que poderei ser bem-sucedido. Acreditam que o esforço pode fazer a diferença. Uma das possíveis explicações para isso é que aqui, quando não corre bem, o aluno é obrigado a repetir o ano. O próprio sistema lhe diz que não há nada a fazer se não repetir. Em Singapura, se o aluno não se sair bem, o professor vai passar mais tempo com ele, incentivando-o a um esforço extra. É assim que se desenvolve a resiliência. E isso vai ser muito importante na vida. Se acreditar nas suas potencialidades, pode até mudar o mundo.
Estamos também a falar de escolas em que os professores não fazem greve, em que o orçamento não é demasiado reduzido para as necessidades…
Sim, mas isso muitas vezes também são desculpas para não se fazer nada. Não há sistemas perfeitos. Concordo que as escolas portuguesas enfrentam imensas dificuldades. Mas então porque é que há umas que conseguem tão bons resultados e outras não, no mesmo contexto cultural? As escolas podem sempre fazer qualquer coisa. Há algumas com poucos recursos que estão a fazer progressos incríveis.
As escolas também se queixam muito de que lhes é tudo pedido, muitas coisas que deviam ser competências dos pais…
É um desafio. As escolas têm de fazer mais para se ligarem à sua comunidade. Funcionam, tradicionalmente, de uma forma muito isolada. Os pais deixam as crianças à porta e não podem entrar. Mal sabem o que se passa lá dentro. Uma vez, numa zona rural da China, com imensos problemas, perguntei a um professor que ligação ele tinha com os pais. Respondeu-me que ligava duas vezes por semana a cada um. Para saber mais sobre cada criança e como era a sua vida fora da escola. Comentei que isso deveria ocupar-lhe muito tempo. Sabe o que me respondeu? Que nunca tinha pensado naquilo dessa maneira. Para ele, era mais uma forma de fazer melhor o seu trabalho. Os pais eram uma ajuda, não um encargo.
E não um fardo?
Exato. Os pais são uma fonte, um recurso importante. Quando me dizem que as escolas não podem resolver os problemas da sociedade, penso: “Então para que servem?”
Crescemos com essa ideia de que a Educação é a chave para mudar o mundo – e isso confirma-se, portanto…
Sim. [Risos.]
E isso também explica a importância das tais soft skills.
Bom, anda muita gente a falar de soft skills, mas eu nem gosto dessa expressão. Parece que é algo que não é muito importante. Digo sempre competências sociais e emocionais, até porque acredito que podem ser aprendidas, treinadas. Alguém pode ser muito bom a matemática e a ciências, mas se não tiver curiosidade para aprender, energia para ir à procura de mais, então nunca será bem-sucedido. Porque o que se ensina na escola em breve vai estar desatualizado.
E podemos sempre ir ao Google.
Pois. E o mundo vai continuar a mudar e nós temos de ter a capacidade de nos adaptarmos. Se não formos capazes de andar com os outros, vamos ficar para trás.
Isso quer também dizer que vamos ter de continuar a aprender ao longo da vida?
Claro. Os que não forem capazes de continuar a aprender não serão capazes de acompanhar os outros. É que os computadores “aprendem” depressa. Num instante, estarão a fazer todo o trabalho que fazemos de forma automática. Para mim, esse é o lado bom da Inteligência Artificial. Vai obrigar-nos a focarmo-nos no que nos torna diferentes e relevantes num mundo robotizado.
Bom, o que me ocorre agora é que não vou voltar a dizer soft skills…
É que não são, de todo, valências soft. São as que vão ajudar-nos a fazer a diferença. Se for um professor de desporto, pode sempre treinar a resiliência, a coragem, a responsabilidade pelo seu desempenho e pelo desempenho da equipa. Quando toquei na orquestra, percebi isso. Cada um tem de fazer o seu papel num todo, é preciso muita disciplina, muito esforço, muito treino.
Há quem defenda que a nossa cultura escolar não muda porque vivemos para os rankings e para as notas de acesso à faculdade. Se isso mudasse, mudaria tudo, não concorda?
Concordo. As universidades são muito preguiçosas. Qualquer empregador quererá saber o máximo sobre quem está a empregar – e as universidades deviam fazer o mesmo. Bem, nós também devíamos exigir mais das universidades. Por exemplo, para estudar Medicina, é preciso ter muito boas notas. Mas isso não nos diz se aquela pessoa vai ser um bom médico. A empatia com o doente e a capacidade de ajudar também vão fazer a diferença. É muito preguiçoso escolher estudantes só pela sua “média”.
Fonte: Visão
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