Squid Game, o grande sucesso global da Netflix, inclui jogos que se fazem no recreio, mas a série sul-coreana não é para crianças. Trata-se de uma história ultraviolenta, que segue 456 adultos endividados, que lutam entre si até a morte por uma oportunidade de ganhar milhões de dólares. O enredo é horrível mesmo para os adultos, quanto mais para as crianças.
Mas alguns jovens fãs do realizador Hwang Dong-hyuk parecem ignorar que a série de nove episódios não é para eles e viram-na ou estão a vê-la, acabando por reproduzir os jogos no recreio. Afinal, tratam-se de jogos como “1, 2, 3, macaquinho do chinês”, só que neste perde-se a vida. Esta mimetização que sai do ecrã para a vida real está a angustiar pais, educadores e especialistas em desenvolvimento infantil, muitos dos quais se perguntam como é que os mais novos ouviram sequer falar da série.
Se, na vida real, as crianças e adolescentes não invocam a pena de morte, como acontece na série, os relatos que chegam dos recreios sugerem que a violência é posta em prática, ou seja, as balas são substituídas por socos ou outras formas de agressão física. Portanto, talvez haja motivo para preocupação por parte dos adultos.
Na Austrália, as escolas pediram aos pais que garantirem que os seus filhos não vêem Squid Game — certificando-se assim, e sem querer, que os miúdos vão mesmo ver a série. Em Belfast, na Irlanda, está a ser pedido aos pais para se certificarem que o botão de controlo parental está activado. Por cá, a GNR declarou, neste domingo, estar “muito atenta ao fenómeno” e aos efeitos que a série está a ter nos mais novos, sublinhando que vai continuar a reforçar os conselhos junto da comunidade escolar.
Como é que as crianças começaram a ver a série? Trata-se de um fenómeno que se espalhou rapidamente e que, “adultos e crianças, querem ser incluídos”, responde Hina Talib, directora do Programa de Pós-Doutorado em Medicina do Adolescente do Hospital Infantil de Montefiore, Nova Iorque. “Essa é a natureza humana, mas claro que as crianças podem ser mais susceptíveis.”
“Squid Game não deve ser visto por jovens menores de 16 anos”, começa por dizer Damon Korb, pediatra comportamental e de desenvolvimento e director clínico do Center for Developing Minds em Los Gatos, Califórnia. “É de uma violência gratuita e essas imagens têm o potencial de dessensibilizar as pessoas à violência. As crianças são particularmente vulneráveis”, alerta.
Segundo a Netflix, a série alcançou a lista das dez primeiras mais vistas em 94 países. Para muitas crianças, a forma de pertencerem ao grupo é vendo a série ou apenas ouvir falar dela, de maneira a conseguirem replicá-la no recreio. “As crianças têm uma imaginação activa, que usam de forma criativa para brincar e aprender”, continua Damon Korb. “Indicando-lhes um caminho, elas podem desenvolver um mundo de fantasia activo, tornando-se mais fácil para elas vivenciarem um fenómeno da cultura pop, mesmo não o vendo em primeira mão. Tive vários doentes que tiveram pesadelos com [o jogo de vídeo] ‘Five Nights at Freddy's’, apesar de terem visto apenas uma imagem na Internet ou nunca o terem jogado.”
Papel dos pais
Mesmo que os pais não tenham visto nem queiram ver Squid Game, o conselho é que o façam, de maneira a que possam falar com os filhos sobre o tema. No meu caso, o meu filho de 15 anos insistiu para que víssemos a série e eu fi-lo não só por ele, mas também para escrever este artigo. Fi-lo por ele para perceber que tipo de linguagem, violência, cenas de sexo, nudez ou de suicídio estava ele a ver.
E, depois de vista, é algo com que, enquanto pais, nos devamos preocupar? Afinal, nós também fizemos algumas brincadeiras mais perigosas no recreio. Por exemplo, quando jogávamos ao “Aqui vai alho”, não poderíamos magoar os outros, deslocar um ombro ou partir a cabeça? E o jogo da “Apanhada”? Ou os desportos de equipa?
Agora que somos pais, esses jogos parecem-nos todos perigosos, principalmente se quisermos que a traqueia dos nossos filhos permaneça intacta. Mas e quando éramos crianças? Foi glorioso. Jogávamos tão violentamente quanto as auxiliares do recreio deixavam. Portanto, ainda que as brincadeiras que fazíamos não fossem inspiradas numa série de grande sucesso, o nosso sentido de sobrevivência era real.
Assim sendo, antes de dramatizarmos ainda mais sobre o que se passa no recreio, é importante ver o que acontece realmente, ajudar os nossos filhos a contextualizar as brincadeiras, alertá-los para os perigos e sugerir-lhes versões não violentas dos jogos que surgem em Squid Game.
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