Mudaram-se recentemente para uma nova casa onde cada um dos filhos tem um quarto próprio. Susana e André Araújo e Sá, ambos com 44 anos, têm três filhos e uma logística exigente dividida entre trabalho, aulas e atividades extracurriculares dos miúdos. “Mudar de casa foi bom. Tenho um quarto só para mim, o que é muito melhor para estudar, pois consigo estar mais concentrada”, diz Constança, de 11 anos, aluna do 6.º ano na Escola Secundária de Carcavelos, Cascais. É faladora, explica-se bem e tem uma vivacidade muito própria. Adora Matemática e não tem muitos trabalhos de casa. E, quando são marcados, “não são difíceis”. Aproveita para realizar a maioria no ATL que a ocupa durante as tardes. E, três vezes por semana, pratica voleibol. Não tem dúvidas quanto à utilidade dos TPC (trabalhos para casa). “São importantes porque tornam-nos pessoas mais empenhadas”, atira, sem rodeios.
A irmã Margarida, 16 anos e a estudar no 11.º ano na Escola Sebastião e Silva, em Oeiras, na área de Ciências e Tecnologias, tem uma opinião semelhante. “Os TPC são importantes porque ajudam-nos a estudar.” Comparativamente aos TPC que fazia em anos anteriores, considera que a idade lhe traz a mais-valia de os professores darem um maior voto de confiança aos alunos. “Continuo a ter TPC, mas temos mais autonomia.” Reclama apenas do facto de, por vezes, os professores marcarem muitos trabalhos “e não se lembrarem que existem outras disciplinas”, mas discorda da mãe, que se preocupa com a carga horária da filha. Com formação e experiência profissional de duas décadas em educação de infância, a mãe não tem dúvidas quanto aos benefícios das tarefas, mas é contra “o excesso”.
Henrique, o mais novo, com sete anos, teve o azar de passar parte do 1.º ano com aulas à distância devido à pandemia. “Sinto que tem mais dificuldades na leitura, mas só tem os fins de semana para ajudar a treinar esta competência”, explica a mãe. Os pais ajudam os filhos mais novos, sobretudo o mais pequeno. Com três filhos a estudar no ensino público, Susana sente que a realidade é muito distinta para Henrique e Constança (que frequentam o mesmo agrupamento) e Margarida (que está noutra instituição).
Margarida é aplicada e focada. Prefere estudar quando percebe a matéria e gosta particularmente de Físico-Química. Gostava de seguir Medicina ou Biologia, tudo dependerá da média com que terminar o 12.º ano. “Ela não pára de estudar”, observa a mãe. “Se quero atingir os meus objetivos e ser alguém na vida, preciso de me aplicar e de me esforçar”, responde a filha. A discussão é animada e frequente. Por um lado, a mãe preocupa-se com o facto de Margarida não ter tempo para mais nada além de estudar. Por outro, a filha sorri quando fala da escola e dos estudos. É determinada e sabe o quer.
E tempo para brincar?
Qual é então a utilidade dos TPC? Para Maria José Araújo, professora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (ESE-IPP), o “problema tem que ver com o facto de os alunos nem sempre compreenderem o objetivo das tarefas que lhes são encomendadas. E, ainda, com o facto de os inibir de brincar”. É assim que a docente, que tem investigado ao longo dos anos a área do brincar e do tempo livre, resume este tema tão polémico. “Fazer os TPC é diferente de estudar e é fundamental ensinar a estudar.” Nem todas as escolas seguem a mesma metodologia, existem exceções, mas, quando são marcados trabalhos pelos professores, todos os alunos estão em igualdade. “É uma rotina. É preciso refletir sobre a mesma e o seu significado para as crianças”, acrescenta.
A docente considera que, “depois de um dia de trabalho, tem de haver descanso” e isto é válido tanto para crianças como para os adultos. “As crianças entre os seis e os 12 anos de idade trabalham hoje, na e para a escola, cerca de oito a nove diárias – ou seja, cerca de 40 a 45 horas semanais, se considerarmos que não o fazem de todo ao fim de semana, o que nem sempre é verdade. Trabalham durante mais tempo do que aquele que é definido no horário de trabalho que achamos razoável para um adulto”, constata.
Se pensarmos que ainda passam grande parte do seu tempo livre a realizar atividades organizadas ou sugeridas pelos pais/tutores, como, por exemplo, aulas de música, de inglês, atividades desportivas, entre outras, é natural que as crianças se sintam exaustas. “Na maior parte das vezes, não têm uma palavra a dizer e ficam sem tempo para brincar.” Maria José Araújo já abordava esta questão, em 2009, no livro “Crianças ocupadas. Como algumas opções erradas estão a prejudicar os nossos filhos”, editado pela Prime Books.
Marisa Barreto concorda. É diretora pedagógica do Colégio da Fonte, em Porto Salvo, e instituiu, há cinco anos, que os alunos só têm trabalhos aos fins de semana. “Considero que as crianças trabalham todos os dias quase oito horas e o tempo de estar com os pais e em atividades extracurriculares cada vez é mais diminuto. Por isso, a escola não deve acumular mais trabalhos durante a semana”, defende. Quando lecionava noutra instituição, Marisa Barreto não marcava TPC durante a semana e foi essa experiência que a inspirou a trazer a mesma metodologia para o colégio. Foi preciso sensibilizar os docentes e os pais que acabam por ser “parceiros na supervisão dos trabalhos”. Há uns anos, o colégio tinha uma sala de estudo ao final do dia – das 17.30 às 18.30 horas – onde as crianças faziam os trabalhos. “Apercebemo-nos que as crianças estavam saturadas, a concentração já não era a mesma e os TPC tornavam-se num momento maçador, não traziam valor acrescentado nem desempenhavam o papel de apoio à consolidação de conhecimentos.”
Nuno Mantas é diretor do Agrupamento de Escolas da Boa Água (AEBA), na Quinta do Conde, Sesimbra, e entende que “os TPC fazem pouco sentido, seja em que situação for, porque o tempo previsto de escola deveria ser suficiente para a realização de tarefas e aprendizagens dos alunos”. Muitas vezes, isso não acontece porque as metodologias usadas não o permitem. “Os nossos alunos passam entre 25 horas [no 1.º Ciclo] e 31 horas [no 3.º Ciclo] na escola e alguns ainda têm atividades extracurriculares… Se, depois disto, ainda vão para casa fazer mais TPC, quando é que brincam, descansam, estão com a família ou fazem outras coisas?”
Novas metodologias
Miguel e António Lopes são gémeos, têm oito anos e estudam no Colégio da Fonte. Estão no 3.º ano. A mãe, Paula Magalhães, acha adequada a forma como a instituição gere os trabalhos. “Não tive outra experiência anterior, mas julgo que seria mais difícil conciliar as nossas rotinas de trabalho, escola e atividades extracurriculares [Miguel joga futebol e António pratica jiu jitsu, ambos, duas vezes por semana] se tivessem TPC regularmente.” Tanto Paula como o marido, Paulo Lopes, ajudam os filhos nas tarefas e instituíram uma rotina. “Aos sábados, fazemos panquecas, e os TPC são feitos logo a seguir para que os nossos filhos possam ficar com o resto do fim de semana livre”, partilha a mãe. “Parece-me uma carga bastante razoável.” E se no confinamento foi muito exigente conciliar o teletrabalho com as aulas à distância, se houve coisa que a pandemia de covid-19 trouxe a esta família foi uma maior união. “Saímos com uma relação mais fortalecida e aproximou-nos das atividades escolares dos nossos filhos. Sentimo-nos mais envolvidos.”
António é mais adepto das Tecnologias de Informação e de Comunicação e Miguel entusiasma-se com a Matemática. Na primeira fase de confinamento, quando a professora lhe pediu para escrever uma carta a um menino do futuro para lhe explicar o que estava a sentir, Miguel deu uma resposta surpreendente. “Referiu que se sentia bem por estar com o irmão, os pais em casa e conseguir falar com os colegas, ainda que à distância. Mas reforçou que também se sentia mal porque sentia falta de abraçar os amigos.”
O AEBA integra quatro escolas e 1 400 alunos, do Pré-escolar ao 9.º ano. Nuno Mantas conta à NM que os TPC deixaram de ser uma norma e passaram a ser excecionais sempre que exista uma tarefa que os justifique, em particular, no 1.º Ciclo. No ano letivo de 2013/2014, teve início o projeto EDULABS. “Na altura, o projeto implicava a utilização de um tablet por aluno, sendo que este equipamento acompanhava-o durante todo o tempo de escola e era utilizado também em casa. Os alunos não usavam outros suportes físicos, como livros ou cadernos.” A ideia começou com uma turma do 7.º ano durante três anos e, “em comparação com os de outras turmas que usavam materiais de suporte em papel, os resultados foram considerados muito bons”. É importante sublinhar que “nunca houve qualquer decisão de não utilização dos TPC pelos docentes. Esse decréscimo surgiu das mudanças metodológicas resultantes dos processos inovadores usados na escola, em que os TPC clássicos deixaram de fazer sentido”, acrescenta Nuno Mantas.
Ao final do ano, no AEBA, o diretor nota que “os alunos se sentem mais felizes na escola porque gostam de trabalhar com esta metodologia”. Na prática, refletiu-se ainda “numa descida acentuada da indisciplina como consequência das mudanças metodológicas, o que teve impacto no aproveitamento dos alunos”.
Aliar a inovação à escola é uma mais-valia. Marisa Barreto sente-se motivada a fazê-lo. Mas, para que tal aconteça, “é preciso que os programas curriculares acompanhem essa evolução e não se prendam ao passado”. Cada criança é uma criança e tem o seu ritmo. Com mais ou menos TPC.
Fonte: Notícias Magazine
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