Devagar, devagarinho, estava tudo a melhorar desde 2016 – a inclusão escolar em todos os níveis de ensino, a taxa de emprego, o risco de pobreza das pessoas com deficiência. De repente, vem uma pandemia de covid-19. Em seis meses, a taxa de desemprego registada voltou aos níveis de 2016.
A fragilidade dos avanços dos últimos anos sobressai no relatório Pessoas com deficiência em Portugal – indicadores de direitos humanos 2020, divulgado esta sexta-feira pelo Observatório Deficiência e Direitos Humanos, uma plataforma que articula investigadores, organizações da deficiência e decisores políticos em torno da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O desemprego registado, monitorizado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), estava a diminuir de forma consistente (13.183 em 2016, 12.911 em 2017, 12.135 em 2018, 12.027 em 2019). Muito por efeito da redução do desemprego em geral, sublinha Paula Campos Pinto, coordenadora do observatório, para deixar claro que o fosso entre trabalhadores com e sem deficiência se mantinha quase inalterado. Num instante, a crise de saúde pública atirou aquele valor para os 13.270 (Junho de 2020). Subiu o número de pessoas em busca de um novo emprego e o de desempregadas há mais de 12 meses.
Mais de mil estágios
A pandemia está a destruir emprego, sobretudo, entre quem tem pouca escolaridade e contratos a termo. Na população com deficiência a tendência não é diferente. “Grande parte deve-se a contratações de curto prazo, que pontualmente resolve situações de desemprego”, comenta aquela especialista numa conversa telefónica.
Nos últimos anos, nenhuma medida cresceu tanto como os estágios de inserção: saltou 5973,7% entre 2016 (19) e 2019 (1154). Paula Campos Pinto reconhece que estes “têm sido importantes para dotar as pessoas de experiência de trabalho”. “O problema é que não se convertem necessariamente em emprego”.
O Emprego Apoiado em Mercado Aberto foi a outra grande aposta dos últimos anos: teve um crescimento de 820,0% (de 175 para 1 610). “São apoios dados à pessoa, de acordo com as suas necessidades”, esclarece. Pode prolongar-se no tempo este acompanhamento por um ou mais técnicos do IEFP.
Ao mesmo tempo, as Empresas de Inserção quase quadruplicaram o número de pessoas abrangidas (101 para 395). E o emprego protegido baixou ligeiramente (373 para 347). Uma tendência celebrada por Paula Campos Pinto, já que as primeiras acolhem os mais diversos grupos vulneráveis e o segundo diz respeito a unidades criadas pelo sector social para empregar apenas pessoas com deficiência. “As pessoas devem estar na comunidade a todos os níveis, no trabalho também”, frisa.
A especialista não esconde as suas reservas sobre a criação de uma agência de emprego para pessoas com deficiência anunciada pela secretária de Estado para a Inclusão, Ana Sofia Antunes. Em vez de um serviço específico, melhor seria capacitar os técnicos do IEFP para trabalhar com estes desempregados. “Existe a OED – Operação de Emprego para Pessoas com Deficiência Residentes na Cidade de Lisboa, mas foi criada no princípio dos anos 90, antes da convenção, antes de estarmos tão conscientes do que deve ser feito.”
O Trabalho Socialmente Necessário, destinado a desempregados subsidiados, passou de 1055 para 1163 entre 2016 e 2019. “Estes CEI e CEI+ são problemáticos”, adverte aquela investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. “A própria designação – Contratos de Emprego Inserção – é enganosa: leva as pessoas a pensar que têm em contrato de trabalho e um salário, mas não têm. Têm uma bolsa.” E um trabalho que pode ir até um máximo de 12 meses. Entidades públicas e privadas, não raras vezes, servem-se destas medidas temporárias para satisfazer necessidades permanentes.
Alavanca para “desvantagem estrutural"
O relatório não dispõe de dados que permitam perceber o efeito da política das quotas, que entrou em vigor em Fevereiro de 2019. Menciona o crescimento gradual, mas residual desde 2016. Em 2018, representava 0,55% dos recursos humanos desse universo. Na Administração pública, estava nos 2,66% em 2019.
Aos detractores das quotas, Paula Campos Pinto lembra que “esta é uma medida de último recurso” e que tem por base “uma desvantagem estrutural”. “Há um problema que resulta das barreiras que a sociedade coloca. Um empregador quando vê uma pessoa numa cadeira de rodas tende a pensar que está incapacitada não apenas de andar, mas de pensar, de fazer o seu trabalho como as outras; vai dar menos rendimento, vai faltar mais para ir a consultas e terapias; até pode dar má imagem à empresa”, exemplifica. “A pessoa tem uma incapacidade e pensa-se que é incapaz em todos os planos da sua vida”, resume. “É para combater esses obstáculos que é preciso criar uma alavanca, elevar aquela pessoa para que ela tenha as mesmas oportunidades que as outras.”
O relatório dá ainda nota de um aumento de queixas de discriminação por deficiência. E dos avanços na educação e na protecção social. “A capacidade das respostas de apoio às pessoas com deficiência psicossocial, à excepção da resposta social Fórum sócio-ocupacional (818), mantém-se muito residual”, indica. “O número de vagas em Lares Residenciais (6788) mantém-se muito superior ao número de vagas em Residências Autónomas (403)”.
Fonte: Público
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