Portugal é um dos países da Europa em que há aulas com maior duração. Na maior parte das escolas, nomeadamente no ensino básico, os conhecidos 90 minutos por aula, que à partida serviriam para proporcionar aos alunos um momento essencial de aprendizagem, acabam por se transformar num verdadeiro pesadelo. E é por isso que há professores que já optaram por aliviar a carga horária, adotando uma estratégia mais eficaz que se afasta completamente do simples facto de debitar matéria durante largos minutos. (...) Rui Correia, professor do ensino básico e secundário, sublinhou que, para os seus alunos, há apenas «15 minutos de atenção máxima» antes de se dedicarem a questões mais didáticas, realçando que ainda existe muito a ideia de que um professor, ao entrar numa sala de aulas, tem apenas de cumprir determinados programas e conteúdos.
«Estar 90 minutos com atenção máxima parece-me um bocado irrealista. Nesse sentido, o que há a fazer, julgo eu, é entender-se que tem de haver espaço para uma certa descontração na sala de aula. Quando estamos a lecionar, é bom perceber se a mensagem está a passar ou não. Fala-se muito desta questão do regime presencial, mas considero que, às vezes, é mais uma aula de corpo presente do que uma aula em regime presencial. Nem sempre o regime presencial é o mais benéfico, porque nos traz pouco retorno em relação àquilo que deve ser feito», começou por dizer, admitindo a importância da «escrita» e também dos «jogos de computador» no que toca à parte mais lúdica.
«É surpreendente ver a forma como os jogos de computador podem ser incrivelmente didáticos e úteis para uma aula de História, por exemplo. Uma aula serve para os alunos estarem ativos e a produzir, seja a pensar ou a escrever. A escrita é uma forma privilegiada de estruturar a informação. Os meus alunos escrevem muito, mas escrevem o que eles querem. Depois desses 15 minutos de aula de atenção máxima, são convidados a explicar-me aquilo que acharam, o que teve mais e menos interesse ou apenas dúvidas que tenham. Uma ideia que acho muito importante é perguntar-lhes se sabem alguma coisa que eu não sei», reforçou. E acrescentou ainda que as aulas não podem ter o foco nos professores, uma vez que se trata de aprendizagem. «A sala de aula não pode ser a nascente do conhecimento, mas sim a foz do conhecimento. A aula não é sobre o professor. O assunto é a aula que os miúdos vão ter. E enquanto não invertermos esta lógica das coisas vamos continuar a assistir a algo que não queremos ver», atirou.
Aulas de 90 minutos logo de manhã
Em 2012 foi aprovado um decreto-lei que permitiu que as escolas pudessem optar pelos horários que queriam utilizar, tal como revelou (...) o ex-ministro da Educação Nuno Crato. Mas os estabelecimentos escolares parecem não querer livrar-se das aulas mais longas. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, deixou claro que, na maior parte das vezes, as escolas optam por colocar as aulas de 90 minutos nas primeiras horas do dia, quando os alunos ainda estão «frescos».
«Estas aulas de 90 minutos são dadas mais de manhã, porque os alunos estão menos cansados. Nesse caso, os professores optam por lecionar Matemática ou outras disciplinas que exigem mais dos alunos, sendo mais teóricas. E, ao longo do dia, da parte da tarde, lecionam Educação Física, Educação Visual, ou seja, as disciplinas mais dedicadas às artes», disse (...), explicando, porém, que considera que, mesmo nestes termos, as aulas com esta duração são «duras» tanto para os alunos como para os professores.
«Parece-me ser demasiado tempo seguido, principalmente no 5.º e 6.º anos. No secundário já não, porque são mais autónomos. Há disciplinas em que têm experiência laboratorial. Mas, com alunos mais novos, acho que 90 minutos é, de facto, duro para eles e também para os professores. Manter a atenção dos jovens durante tanto tempo não é fácil», reconheceu Filinto Lima.
O sociólogo Elísio Estanque foi mais longe e, em tempos de covid-19, sublinhou que os problemas já existentes nas escolas antes do aparecimento da pandemia em Portugal podem ter-se tornado ainda mais difíceis de contornar. «Esta situação da covid-19 também pode dar-nos indicações para aquilo que vamos fazer no futuro, em situação pós-covid», começou por dizer (...), salientando que são necessárias pedagogias mais atrativas.
«As aulas de 90 minutos são excessivas para crianças. Mas até na universidade são. Para jovens já com mais responsabilidades, a partir de um determinado momento começa a sentir-se perturbação da parte deles. Há sempre uma parte das turmas que desliga nas aulas. Por isso, entre crianças e adolescentes, ainda é pior. E é necessária a tentativa de conjugar uma componente de ensino, em algumas disciplinas, com a componente lúdica. Nas crianças, a aprendizagem requer uma dimensão lúdica para que o gosto pela leitura, por exemplo, seja encarado por elas na combinação com o jogo, porque facilmente atrai as crianças», disse.
Aulas nos outros países da Europa
Em Portugal, o Ministério da Educação esclareceu (...) que a tutela «introduziu, durante o XXI Governo, o projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, posteriormente consubstanciado no DL 55/2018, enquadrador do currículo nacional, que visa a promoção de melhores aprendizagens indutoras do desenvolvimento de competências de nível mais elevado, assumindo a centralidade das escolas, dos seus alunos e professores, e permitindo a gestão do currículo e da distribuição de horas de forma flexível e contextualizada». E é este o esforço que tem sido feito ao longo dos últimos anos nas escolas em Portugal. Mas, no estrangeiro, o cenário é distinto.
De acordo com os dados divulgados pela Comissão Europeia, em 2019, as aulas no ensino básico em Espanha, por exemplo, têm a duração de 60 minutos, em geral, e situação semelhante acontece na Bélgica, Áustria e Irlanda, com aulas de 50 minutos. Já na Alemanha há uma duração mínima de 45 minutos por aula – com o máximo de seis aulas por dia – e, na Escócia, de 55 minutos cada. No que toca aos países nórdicos, na Finlândia, a duração das aulas varia entre os 45 e os 60 minutos.
Três países e tudo muito diferente
Matilde, de nove anos, e Sthan, de 11, já frequentaram escolas em três países diferentes: Portugal, Espanha e França. Agora estão no 4.º e 6.º anos de escolaridade, na comuna francesa de Saint-Malo, mas dizem existir muitas diferenças em relação ao tempo em que andavam na escola em Portugal, entre 2017 e 2018. (...) Maria, a mãe das duas crianças, sublinhou que uma das principais diferenças é a carga de trabalhos de casa que, em Portugal, são distribuídos aos alunos.
«Aqui onde estamos, em França, por exemplo, nos primeiros anos escolares, os trabalhos de casa estão proibidos. O que eles podem ter é, no máximo, 20 minutos por dia para terminar aquilo que não conseguiram completar na escola. Mas não há trabalhos de casa. Podem ter uma poesia para rever, duas linhas de um texto que não conseguiram terminar, mas mais do que isso não», começou por relatar, explicando que, no que toca a Portugal, os trabalhos de casa tornam-se um exagero. «No ano em que os meus filhos estiveram em Portugal, eram horas de volta dos trabalhos de casa. Acordavam às 6h da manhã, chegavam a casa quase às 20h e ainda tinham trabalhos de casa para fazer. Os professores exigem imenso. A sensação com que eu fiquei em Portugal foi que os pais fazem o papel dos professores. Os franceses são muito rígidos nesse sentido, ou seja, pai é pai e professor é professor», revelou, antes de salientar também a elevada quantidade de fichas que são entregues aos miúdos em Portugal.
«Em França e Espanha não há fichas. São coisas mais lúdicas e didáticas. No segundo ano já começam a aprender a fazer trabalhos de grupo, por exemplo. Em Portugal adoramos as fichas e, se os professores não completarem o programa escolar, ficam em pânico. Gastei também imenso em livros em Portugal, mais de 200 euros. Depois percebi que o Governo oferece livros, mas não estive nessa situação. Houve livros que eles nunca abriram. Em França, o material até ao 6.º ano é todo oferecido pela escola e pelo Governo, à exceção do estojo», acrescentou.
Além disso, as atividades lúdicas, bem como as artes e a música, são disciplinas que têm a mesma importância do que as outras em França, diz. No País Basco, no norte de Espanha – onde estiveram entre 2014 e 2015 –, a situação é semelhante, com uma ligação muito direta à cultura. «Fazem muita coisa ligada às artes, assim como no País Basco. A música e as artes, em França, têm o mesmo valor das outras disciplinas. Em Portugal estamos muito ligados aos livros, ou seja, muito agarrados ao estudo empírico. No País Basco existe um sistema muito criativo e artístico», concluiu.
Os horários dos pais e dos filhos
Em Portugal há alunos que passam diariamente 12 horas nas escolas por causa dos horários de trabalho dos pais, segundo confirmou Filinto Lima (...), sublinhando ainda que é estritamente necessário ter em atenção a carga horária que não está relacionada com as aulas, mas sim com o tempo que as crianças passam no interior do estabelecimento escolar.
«Entre as 16h, que é quando saem das aulas, e as 19h30, há pais que vão buscar os filhos. Ou vão passear com os avós. Outros, a carrinha do ATL [atividades de tempos livres] vai buscá-los e leva-os para os centros para fazer os trabalhos de casa. E muitos outros ficam nas escolas até às 19h30. Muitos deles fazem os trabalhos de casa logo na escola, mas também há atividades lúdicas. As autarquias ajudam os pais nesse sentido, ou seja, permitem que os pais deixem os filhos mais cedo nas escolas para não chegarem atrasados ao trabalho e depois podem ir buscá-los até por volta das 19h30», esclareceu, dizendo ainda ser um luxo, nos tempos que correm, os alunos saírem das aulas às 16h e os pais estarem lá, à porta, para os ir buscar.
«Estamos em Portugal, não podemos esquecer. E, em Portugal, os pais começam a trabalhar cedo e terminam tarde. A escola depende muito do horário e da economia dos pais. Noutros países europeus, tais como a Finlândia ou a Suécia, que são países mais ricos, os alunos saem das aulas e vão para casa, porque os pais conseguem ir buscá-los a essa hora. Mas em Portugal não. Estamos muito longe de conseguir atingir esse patamar», reconheceu Filinto Lima.
Em França, por exemplo, Maria conta que os horários dos pais são ajustados aos dos filhos, com o intuito de evitar que as crianças possam passar muito tempo na escola. «Em França, a hora máxima para ir buscar os filhos à escola é às 19h – entram às 8h30 e saem às 16h30. Eu, por exemplo, começo a trabalhar às 8h e acabo às 13h. E depois, à tarde, faço pequenas coisas que faltam. Às quartas-feiras não há aulas em França e no trabalho dos pais já sabem isso. Há um ajuste que é feito entre o trabalho dos pais e as escolas. Mas isto também acaba por ser muito cultural. Aqui em França, as pessoas revoltam-se muito. Se em Portugal não se manifestarem convenientemente, o Governo não muda nada», atirou, explicando até que a comunicação entre as escolas e os pais é muito mais dinâmica, deixando os encarregados de educação mais descansados e informados.
«Recebo emails de tudo, sobre todas as atividades que os meus filhos fazem nas escolas. Em Portugal, nunca ninguém me consultou. Em França, mesmo que eu não queira, recebo informações das escolas. Até o meu marido recebe», rematou.
Fonte: Sol por indicação de Livresco
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