“Todas as escolas devem criar um programa de mentoria que estimule o relacionamento interpessoal e a cooperação entre alunos. Este programa identifica os alunos que, em cada escola, se disponibilizam para apoiar os seus pares acompanhando-os, designadamente, no desenvolvimento das aprendizagens, esclarecimento de dúvidas, na integração escolar, na preparação para os momentos de avaliação e em outras atividades conducentes à melhoria dos resultados escolares." (Orientações para a organização do ano letivo 2020/2021 da Dgeste)
A psicóloga norte-americana Judith Rich Harris, que desenvolveu a teoria da socialização de grupo, na década de 1990, afirmou que os grupos de pares são o agente de socialização mais importante na vida de uma criança. Muitos anos de trabalho em contexto escolar e a consulta de vários estudos não me deixam dúvidas quanto ao poder do relacionamento entre pares, no que se refere ao nível do desenvolvimento cognitivo, social e emocional. Como é do conhecimento geral, a família vai perdendo progressivamente o seu poder de influenciar os mais novos à medida que o crescimento se processa, dado que o grupo de pares vai ganhando terreno a este nível. Se a literatura e a observação da realidade nos dão indicações claras neste sentido, porquê desperdiçar as potencialidades dos pares?
No ano letivo anterior, mesmo antes destas indicações da Dgest, procurei desenvolver um projeto designado “Padrinhos e afilhados”, semelhante a outros desenvolvidos noutras escolas. Os(As) padrinhos/madrinhas eram alunos do 9º ano que, voluntariamente, tinham apadrinhado um(a) colega do 5º ano e o(a) tinham acompanhado ao longo do ano letivo, mantendo com o(a) afilhado(a) uma relação privilegiada de amizade e apoio.
Sendo o 5º ano de escolaridade um ano de transição escolar marcado pela mudança de escola e de ciclo e, consequentemente, caraterizado por alguma ansiedade, a existência de padrinhos/madrinhas - alunos(as) do 9º ano - assume-se como um fator protetor e atenuante da ansiedade face à mudança tão grande que se impõe aos alunos que ingressam no 2º ciclo (afilhados). Para além de amenizar a transição escolar, este projeto permite ainda fomentar, na comunidade escolar, o espírito de interajuda e solidariedade, preparando os jovens para uma cidadania ativa, baseada em afetos. A prevenção da não-violência e a educação para a convivência, fomentando a aprendizagem de comportamentos assertivos e empáticos, é outra grande meta. Dado que a escola procura atualmente ir ao encontro do “Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória”, projetos como este são de uma enorme importância pois, para além de tudo o que já foi mencionado, potenciam ainda valores de responsabilidade, integridade, respeito mútuo e trabalho para o bem comum.
As restrições inerentes à pandemia levaram a que, no início deste ano letivo, tivesse sido questionada a (im)possibilidade de operacionalização do projeto. Determinantes para a decisão de se avançar com ele foram os seguintes argumentos: saldo altamente positivo da sua aplicação no ano anterior e a antecipação de alunos de 5º ano mais fragilizados como consequência do período de confinamento. Neste momento, apesar de apenas ter passado um período escolar, o balanço é já altamente positivo. Num encontro realizado recentemente com todos os alunos de 5º ano foram notórios os sentimentos e pensamentos positivos exteriorizados pelos(as) afilhados(as) pelo facto de terem apoio, carinho e atenção por parte dos respetivos padrinhos/ madrinhas.
Num desses momentos de partilha, um aluno do 5º ano, com um problema de neurodesenvolvimento, relatou, emocionado, um conflito que envolveu violência física no recreio com um colega da turma, tendo-lhe valido a ajuda da madrinha e dos colegas desta. Um “galo” na cabeça já não podia evitar, mas, como ele próprio afirmou, “podia ter sido muito pior”. Este e outros relatos vão ajudando a consolidar a certeza de que poderemos provocar mudanças positivas na escola e nos alunos investindo cada vez mais em projetos como este.
Adriana Campos
Fonte: Educare
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