É uma análise extensa e pormenorizada sobre políticas educativas e o desempenho dos alunos portugueses no PISA - Programa Internacional de Avaliação de Alunos entre 2000 e 2015. Analisaram-se 15 programas que materializam as políticas públicas das últimas três décadas para compreender o que mudou no sistema escolar que possa estar relacionado com a melhoria da qualidade da Educação, tendo em conta os resultados do PISA. “Políticas educativas e desempenho de Portugal no PISA (2000-2015)” reúne os resultados das análises feitas por uma equipa coordenada por Domingos Fernandes, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Há conclusões e recomendações.
“Portugal tem sido um dos países e economias da OCDE cujos progressos têm sido relevados nos relatórios internacionais dos últimos quatro ciclos do programa (2006, 2009, 2012, 2015), não só pela consistente melhoria dos resultados obtidos pelos alunos em Matemática, Leitura e Ciências, mas também porque, nesses domínios, a percentagem de alunos com desempenhos de nível superior tem aumentado, havendo uma redução simultânea do número de alunos com desempenhos mais baixos. Os resultados obtidos na edição de 2015 do PISA foram superiores à média dos países e economias da OCDE participantes no estudo, ainda que no caso da Matemática a diferença entre as respetivas médias não seja estatisticamente significativa”, sublinha-se neste documento.
A investigação não procura estabelecer relações de causa e efeito, mas contribuir, de forma fundamentada, para a compreensão de relações que possam fazer sentido entre as políticas públicas de Educação e os resultados nacionais no PISA. Entrevistaram-se 37 docentes, cinco diretores de agrupamentos e seis inspetores, e analisaram-se 15 programas com base em informação institucional disponibilizada, avaliações externas, documentação avulsa, legislação. Analisaram-se também relações entre os resultados globais obtidos por Portugal nas diferentes edições do PISA, tendo como referência as médias globais da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), e algumas das principais caraterísticas das respetivas amostras de alunos participantes.
Os resultados dos alunos portugueses no PISA melhoraram de forma consistente, entre 2000 e 2015, e a qualidade de ensino e das aprendizagens melhorou “mais ou menos significativamente”, mas, segundo os investigadores, há uma diversidade de pontos críticos que impedem que o sistema escolar seja mais democrático e, consequentemente, que os alunos obtenham melhores resultados tanto nas provas de avaliação externa nacionais, como nas provas de avaliação externa internacionais, como o PISA.
As retenções, as faltas às aulas, e a frequência na educação pré-escolar são os três pontos críticos considerados mais pertinentes nesta pesquisa. Os números demonstram que a retenção tem vindo a descer, mas ainda é um flagelo. Trinta e um por cento dos alunos portugueses que participaram no PISA de 2015 tinham uma ou mais retenções no seu percurso escolar, enquanto que a média global dos restantes países participantes era 12%. A diferença é muito significativa, mais do dobro. “O sistema escolar português continua a ter bastantes dificuldades em lidar com as diferenças e com práticas pedagógicas que sejam capazes de ganhar todos e cada um dos alunos para percursos livres de retenções. Ou seja, continua a ter dificuldades em ser verdadeiramente mais inclusivo, mais democrático”, lê-se no documento.
“As razões para esta situação poderão passar por uma certa tradição ‘pedagógica’ em que a retenção é encarada como algo que é normal e que, ‘com certos alunos’, pouco ou nada há a fazer para a debelar ou erradicar. Mas também por uma diversidade de razões relacionadas com as práticas pedagógicas e a organização e funcionamento das escolas que, em geral, têm assumidas dificuldades em lidar com as diferenças”, referem os investigadores. Há esforços que têm produzido resultados e que até poderão ser replicados com as adaptações necessárias e justificáveis. Mas há também aspetos que precisam de ser repensados e aprofundados, tendo em conta as experiências de sucesso que já estão em prática em vários agrupamentos.
Em Portugal, os alunos faltam mais às aulas do que a média verificada na OCDE, o que “gera, naturalmente, dificuldades ao nível das aprendizagens pois os alunos têm menos oportunidades para aprender”. Quanto à frequência da educação pré-escolar, apesar de ter vindo a subir, “é ainda significativamente inferior” no contexto dos países da OCDE. No PISA de 2012, a diferença entre o número de crianças que frequentavam a educação pré-escolar em Portugal e nos restantes países da OCDE era de 10%.
A partir de 1986, com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), a qualidade da Educação, as práticas pedagógicas, e as aprendizagens dos alunos melhoraram. E os professores não são alheios a essas melhorias e a uma evolução positiva em vários domínios fundamentais, nomeadamente na capacidade para conceber e desenvolver projetos para resolver dificuldades de aprendizagem, nas relações com os pais e encarregados de educação, nas competências para refletir acerca dos problemas pedagógicos. Há uma melhoria das competências pedagógicas e organizacionais. “Pode dizer-se que os agrupamentos e as escolas prestam melhores serviços educativos e que têm sido capazes de gerar melhores resultados”.
Conhecimento superficial, resultados pouco valorizados
A investigação revela que o PISA é mal conhecido nos agrupamentos e nas escolas. A vários níveis. Quer nos seus propósitos e no seu âmbito, quer na natureza das suas provas e no tratamento da informação gerada, quer ainda nas suas relações com o currículo. Os investigadores referem que o conhecimento “é bastante superficial, limitando-se às informações mais ou menos esparsas ou mais ou menos bombásticas veiculadas pela maioria dos órgãos da comunicação social”.
“Consequentemente, os resultados do PISA tendem a ser muito pouco ou mesmo nada valorizados por um assinalável número de diretores e de professores. Esta situação não é desejável sob muitos pontos de vista pois, inclusivamente, as pessoas não têm oportunidades para se aperceber e/ou compreender a relevância do seu trabalho pedagógico”. Tudo isso mostra que as escolas e os professores, embora não o tenham afirmado nesta investigação, não reconhecem o seu próprio trabalho “como central para a melhoria da provisão pública de educação”. Nesse sentido, os investigadores recomendam que se definam estratégias de comunicação que “divulguem os resultados dos alunos portugueses neste ou noutros estudos internacionais e chamem a atenção para os seus diferentes significados”.
O trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas é fundamental e é importante compreender com profundidade o que acontece nos mais variados contextos escolares. “Na verdade, a investigação em domínios tais como a organização e funcionamento pedagógico das escolas, o desenvolvimento curricular, a autonomia e a flexibilidade curricular, a avaliação das (e para as) aprendizagens e, em geral, as práticas pedagógicas, será fundamental para compreender e melhorar as políticas públicas de educação”, lê-se no relatório.
Neste estudo, a avaliação externa das escolas mereceu da parte dos docentes e diretores de agrupamentos referências positivas e, por isso, aconselha-se a aprofundar o conhecimento das estratégias utilizadas no âmbito desse programa para reforçar o que deve continuar e que, por outro lado, se criem mecanismos que permitam enfrentar os problemas de organização e funcionamento pedagógico e de prestação do serviço educativo por parte das escolas. “Desse modo, poder-se-ão combater mais eficaz e eficientemente fenómenos tais como o abandono e a retenção escolares e, consequentemente melhorar a qualidade da educação e dos seus resultados”.
Melhoria da vida pedagógica das escolas
Os investigadores analisaram 15 programas. Minerva - Meios Informáticos no Ensino: Racionalização, Valorização, Atualização. Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar (PIPSE). Programa FOCO (Formação Contínua de Professores). Programa Educação para Todos (PEPT). Programa Ciência Viva. Programa Nónio. Programa da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE). Programa dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). Programa Iniciativa Novas Oportunidades (INO). Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências (PFEEC). Plano de Ação da Matemática (PAM). Nacional do Ensino do Português (PNEP). Plano Nacional de Leitura (PNL). Plano Tecnológico da Educação (PTE). Programa Mais Sucesso Escolar (PMSE).
A grande maioria dos 15 programas analisados teve efeitos positivos nas escolas, nos professores e nos alunos. Há, no entanto, alguns que merecem particular destaque quer nas intervenções dos participantes no estudo, quer nas avaliações, estudos ou reflexões que foram consultados. A RBE, por exemplo, é um programa cujo sucesso é referido unanimemente por todos os intervenientes. “A sua forma de organização e estrutura funcional, o facto de as escolas terem de criar um projeto para aderir ao programa, a forma como está inserido nas escolas, as dinâmicas criadas através dos projetos que se geram no seu âmbito e a colaboração próxima com os alunos e com os seus professores parecem ser aspetos, entre outros, que fizeram deste programa, já com cerca de 22 anos, um interessante exemplo que em muito tem contribuído para melhorar os níveis de literacia da leitura dos alunos portugueses, muito particularmente ao nível do Ensino Básico”.
O TEIP tem também reações muito positivas. O programa apoia a comunidade educativa e estimula o desenvolvimento de ações “que se impõem para apoiar as crianças e jovens que, por qualquer razão, têm assinaláveis desvantagens dos pontos de vista social, económico e cultural em relação à generalidade dos alunos”. “Trata-se, assim, de um programa que se destina a tornar o sistema escolar português mais inclusivo e, por isso, mais democrático”. No entanto, em termos de resultados, os agrupamentos e escolas TEIP “ainda estarão aquém do que se poderá considerar mais desejável”.
Ainda assim, a equipa de investigadores realça que “há assinaláveis resultados alcançados em aspetos tão relevantes como a redução do abandono e da retenção, a participação das famílias na vida das escolas, a significativa melhoria da vida pedagógica das instituições e a qualidade do acompanhamento e apoio social, psicológico e pedagógico aos alunos”. E os professores destas escolas sentem-se melhor preparados para lidar com as diferenças, colaboram mais uns com os outros na criação e desenvolvimento de projetos, e melhoraram as suas práticas pedagógicas.
Dois programas nos domínios da Língua Portuguesa e da Matemática, o PNEP e o PAM, têm tido efeitos unanimemente considerados bastante positivos, sobretudo ao nível da formação dos professores. São programas inovadores nas estratégias utilizadas na formação dos professores, na relação entre formadores e formandos, nos processos de acompanhamento das práticas pedagógicas, na produção e partilha de materiais e no trabalho colaborativo entre os professores.
“As políticas públicas desenvolvidas após a publicação da LBSE, analisadas através dos 15 programas considerados nesta investigação, produziram efeitos considerados positivos ou mesmo muito positivos em vários domínios do sistema escolar. De tal modo que os resultados de Portugal nas últimas edições do PISA, a partir de 2009, poderão ser vistos como uma medida da melhoria da qualidade da educação com, pelo menos, alguma credibilidade”, concluem os investigadores que recomendam que “as políticas públicas deveriam continuar a apostar no desenvolvimento de programas com as caraterísticas que foram sinalizadas”, além de uma “eventual refundação e melhoria de alguns programas em curso, o relançamento de outros que tenham sido descontinuados ou o lançamento de novos que se considerem necessários”.
Nas recomendações está o reforço do combate ao abandono e à retenção, assim como às faltas às aulas nos programas em curso ou a criar. Recomendam-se medidas que permitam aumentar o número de crianças na educação pré-escolar e que garantam a melhoria das condições nas escolas, no que se refere ao acesso à internet, a software educativo de qualidade e ao equipamento laboratorial.
“Poderoso instrumento de cooperação e de aprendizagem”
No mais recente relatório do PISA, cujos resultados foram divulgados há dias, o Ministério da Educação conclui que o sistema educativo português “é o único da OCDE que apresenta melhorias significativas”. “Os resultados que agora conhecemos, recolhidos em 2018, mostram bem como as competências reveladas agora pelos jovens nascidos no ano de 2002 resultam de muitos fatores que a enriqueceriam. Estes estudantes ingressaram no 1.º Ciclo em 2008 encontrando-se, a maioria, no ano letivo de 2015/2016, o primeiro da nossa governação já no 8.º ano”, referiu o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues.
Desde 2000, Portugal apresentou, segundo o governante, “um caminho de melhoria contínua e significativa nos três domínios” e acima da média da OCDE. Na sua opinião, a descida do nível médio de competências dos alunos na Leitura, na Matemática e Ciências, no espaço da OCDE, ainda que ligeira, deve ser motivo de preocupação. “Por isso mesmo, para Portugal, mais do que um ranking internacional, o PISA é um poderoso instrumento de cooperação internacional e de aprendizagem com os outros”, referiu.
O relatório internacional apresenta Portugal como uma das únicas sete economias, entre 79 analisadas, onde, ao longo da sua participação no PISA, os resultados foram de progresso consistente nos três domínios avaliados. Além de Portugal, apenas Albânia, Colômbia, Macau (China), República da Moldávia, Perú e Qatar o conseguiram. Apesar dos progressos, os resultados dos alunos portugueses a Ciências pioraram em 2018 face aos registados no relatório anterior, em 2015.
Segundo o ministro da Educação, há um caminho a percorrer e muito a fazer. “E porque precisamos de fazer mais dentro e fora da escola, resgatámos a centralidade do Programa Ciência Viva e do Plano Nacional de Leitura. Precisamos fazer ainda mais e melhor na equidade, pois o estatuto económico dos pais ainda é prescritor de sucesso escolar maior em Portugal do que noutros países”. O secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, também considera que os resultados do último PISA devem “motivar para um trabalho mais profundo”. Na sua perspetiva, os indicadores “permitem contrariar a expressão: no antigamente é que era bom. Temos um sistema educativo que tem vindo a fazer uma produção continuada e sustentada”.
O último PISA mostra que os resultados dos alunos de origem socioeconómica mais favorecida ficam 95 pontos acima dos que têm maiores dificuldades económica. Este diferencial é superior à média da OCDE, de 89 pontos. Em 2009, a diferença resultante da origem socioeconómica dos alunos era de 87 pontos, em linha com a média da OCDE. Entre os alunos com desempenho de topo nas competências de Leitura, 16% são de classes mais altas e apenas 2% de origem desfavorecida.
O Presidente da República vê nos resultados do PISA um esforço em melhorar a qualidade da Educação e o peso do contexto socioeconómico. “Há duas realidades. Uma realidade é que aqueles que têm piores condições económicas e sociais também têm piores condições, às vezes, quer de afirmação, quer de recuperação, quer de progressão. Mas, em geral, há um esforço demonstrado por estes resultados no sentido de melhorar a qualidade do ensino e da educação em Portugal”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentando que “apesar de aspetos críticos no nosso sistema de educação, há passos positivos que estão a ser dados”.
Fonte: Educare
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