terça-feira, 31 de dezembro de 2019

SETE IDEIAS PARA O SUCESSO DA INCLUSÃO

O texto que se segue faz parte das atas do I.º Congresso Cabo-verdiano de Educação Inclusiva (ConCEI) - “Desafiando os Caminhos da Educação Inclusiva em Cabo Verde” que decorerreu na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), nos dias dias 4 e 5 de dezembro de 2014.
O texto é da autoria de Ana Paula Loução Martins, Universidade do Minho, Instituto de Educação, CIEd, Portugal. Embora possa ser considerado de algum modo descontextualizado face ao enquadramento atual da educação inclusiva em Portugal,  a sua divulgação tem como propósito rever e refletir sobre conceitos, enquadramentos e práticas.


As sete ideias que (...) colocadas em prática contribuem para que a educação inclusiva das crianças com NEE seja especial e desta forma de sucesso são as seguintes:

1. A significância da diversidade dos alunos com necessidades educativas especiais no contexto da escola inclusiva: Os delegados que compareceram, em Salamanca (1994), na Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, representando noventa e dois países, e vinte e cinco organizações internacionais, reconheceram a “necessidade e a urgência de garantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educação” (UNESCO, 1994, p. viii). O sistema de educação deve ser planeado, e os programas educativos implementados, tendo em conta a vasta diversidade das características, dos interesses, das capacidades, e das necessidades de aprendizagem, própria de cada uma destas crianças (UNESCO, 1994). O conceito de NEE reúne um grupo de crianças ou jovens que, por exibirem determinadas condições específicas - físicas, sensoriais, cognitivas, emocionais, comunicativas, sociais, ou qualquer combinação destas -, pode necessitar de apoio de serviços de educação especial, que facilite o seu desenvolvimento académico, social, e emocional, durante todo, ou parte do seu percurso escolar (Correia, 1997; Kauffman & Hallahan, 1997). Quando procuramos definir NEE é importante tomar em consideração a diversidade das características das crianças e jovens, bem como a necessidade destas serem elegíveis para serviços de educação especial (Hallahan & Kauffman, 1997). A “diversidade de características” está relacionada com a natureza das NEE (tipo, causa, severidade e implicações educativas) e com o próprio aluno (idade, género e historial). É de salientar que a identificação e deteção de qualquer tipo de NEE resulta sempre de uma avaliação compreensiva, feita por uma equipa multidisciplinar. 

2. A educação no ambiente menos restritivo possível: O aluno com NEE deve ser educado tanto quanto possível, junto dos alunos sem NEE, ou seja, no meio menos restritivo possível. O conceito de meio menos restritivo possível considera que o aluno, sempre que possível, deve ter a oportunidade de frequentar a escola da sua zona de residência e de interagir com os seus vizinhos e os outros membros da comunidade (Salend, 1998). Muitas vezes, no entanto, por razões económicas, os serviços especializados estão localizados em determinada escola, pelo que não existe alternativa em relação ao local de colocação (Osborne, 1996). Assim, este conceito significa que: a) que em termos gerais, é na escola, em casa e na comunidade, separado dos seus colegas sem NEE o mínimo possível; e b) a colocação em classes, ou escolas, especiais, ou em outro tipo de ambiente que não o da classe regular, só deve acontecer quando a natureza, ou a severidade da NEE, é de tal forma severa que uma educação na classe regular, mesmo com os apoios e serviços suplementares, não é apropriada e o aluno não é bem-sucedido (Hallahan & Kauffman, 1997, NICHCY, 1999; Smith, Pollaway, Patton & Dowdy, 1995). Para Smith, Pollaway, Patton e Dowdy (1995), a vida da criança e jovem com NEE deve ser tão normal quanto possível, e a intervenção a que é sujeito deve ser consistente com as suas necessidades individuais e, sempre que possível, não deve interferir com a sua liberdade pessoal. Por exemplo, um aluno não deve frequentar uma escola de especial, se puder receber uma educação apropriada na escola regular. A determinação do meio menos restritivo possível para certo aluno é, no entanto, uma decisão individualizada, baseada nas suas necessidades e características (Salend, 1998). 

3. A existência de serviços de Educação Especial de qualidade: Estes serviços referem-se a todos os apoios que o aluno poderá necessitar, de forma a maximizar as suas potencialidades. Segundo Friend e Bursuck (1996) podem incluir: 

• Apoio nos conteúdos curriculares e extracurriculares: Aspetos como a flexibilidade, as adaptações curriculares, e alguma atenção especial, devem ser considerados (Hallahan & Kauffman, 1997b). Adicionalmente, as atividades e as estratégias utilizadas na educação dos alunos com NEE devem ser baseadas nos conhecimentos produzidos pela ciência. Como tal, é necessário que o ensino na sala de aula e o apoio sejam baseados em métodos validados pela investigação. Segundo Brown-Chidsey e Steege (2005) as intervenções baseadas na investigação são importantes, pelas seguintes razões: a) aumentam a probabilidade de resultados positivos; b) as intervenções baseadas na teoria, opinião, testemunhos e avaliação subjetiva têm mostrado serem ineficazes; c) intervenções ineficazes resultam em falta de progresso; d) os alunos e as suas famílias têm o direito de esperar que os profissionais de educação especial utilizem intervenções que têm grande probabilidade de promover resultados positivos. Este tipo de apoio pode, ainda, implicar a utilização de meios tecnológicos, que permitam o restabelecimento e o aumento da funcionalidade dos alunos (Turnbull, Turnbull, Shank, & Leal, 1995). 

• Apoio na deslocação: Inclui a inexistência de barreiras arquitetónicas dentro do edifício escolar; equipamentos específicos, tal como, autocarros adaptados para a viagem de casa para a escola, elevadores e rampas (Osborne, 1996; Turnbull et al., 1995). 

• Terapias: Engloba serviços de 1) terapia da fala, com a identificação, o diagnóstico, e a avaliação de problemas da fala ou da linguagem, a terapia e o aconselhamento e orientação. Este serviço pode ser prestado às crianças, aos pais, e aos professores; 2) fisioterapia: muitos alunos, especialmente os que apresentam problemas motores, precisam de desenvolver a força e o controlo muscular, necessários para o seu trabalho na sala de aula; e 3) terapia ocupacional: serviço que melhora, desenvolve, ou restabelece, funções ou capacidades (Osborne, 1996; Turnbull et al., 1995). 

• Psicologia: inclui o uso de testes psicológicos e educacionais, e de outros procedimentos de avaliação; a interpretação de resultados de avaliação; a obtenção, integração, e interpretação, de informação acerca do comportamento das crianças, em condições relacionadas com a aprendizagem; o aconselhamento, aos profissionais envolvidos, durante a fase de planeamento de programas escolares; e o planeamento, e a administração de serviços de psicologia, incluindo aconselhamento para as crianças e famílias (Turnbull et al., 1995). 

• Sociais: inclui o aconselhamento individual, ou em grupo, à criança e sua família, as intervenções nos ambientes reais da vida da criança - casa, escola, e comunidade - de modo a aumentar o ajustamento da criança à escola -, e a mobilização de recursos da escola, e da comunidade, que permitam que a criança tenha sucesso no seu processo de aprendizagem (Turnbull et al., 1995). 

• Aconselhamento: serviços prestados por assistentes sociais, psicólogos, conselheiros, ou outros (Turnbull et al., 1995). 

• Educação e aconselhamento para os pais: assistência aos pais, com o objetivo de estes compreenderem a problemática, e perspetivarem o desenvolvimento do seu filho/a (Turnbull et al., 1995). 

• Médicos: serviços prestados por profissionais da área da saúde no âmbito do diagnóstico e da avaliação da criança. Um exemplo são os serviços de Audiologia, que incluem a identificação de problemas auditivos, a determinação do nível, do tipo, e do grau de perda auditiva, bem como a criação, e administração, de programas com vista à prevenção e tratamento de perdas auditivas (Turnbull et al., 1995). Esta listagem não é exaustiva, podendo ser incluídos outros serviços necessários para que o trabalho feito pelos professores seja maximizado. Como exemplo, a arte, a música, a dança terapêutica, outras atividades culturais, e a reabilitação visual, podem ser considerados na educação dos alunos com NEE. Segundo Correia (1996) este conjunto de serviços de apoio que descrevi, a que se poderá recorrer quando se está perante casos de alunos cujas características e necessidades de ensino o exijam, denomina de Serviços de Educação Especial. Correia (1996), considera que a educação especial não pode ser encarada como um sistema paralelo de educação. Segundo Smith (1998), os serviços de educação especial devem ter como objetivo que os alunos com NEE, ao longo das suas vidas, possam alcançar o seu potencial máximo, para que o seu futuro sejam o mais autónomos possível. 

4. Existência de colaboração entre membros de equipa: No contexto da educação inclusiva os professores relacionam-se, e colaboram com vários outros profissionais- psicólogo, médico, assistente social, ou terapeuta, por exemplo. Com alguns, podem ter de relacionar-se, e de colaborar, todos os dias; com outros não, porque não estão disponíveis, porque servem os alunos indiretamente ou trabalham só com as crianças que apresentam NEE mais severas (Friend & Bursuck, 1996). Este conjunto de profissionais, que trabalha em coloração, representa: A resposta global e única para os problemas educativos, sociais, psicológicos e médicos da criança com NEE. O mesmo é dizer que ela implica uma pluralidade de formações e, consequentemente, de funções, em que cada membro assume uma responsabilidade claramente definida e reconhece a importância das interacções com os outros elementos da equipa na avaliação da criança e planificação da intervenção para a satisfação das suas necessidades educativas. (...) A composição da equipa multidisciplinar não é, obrigatoriamente, sempre a mesma: será mais restrita ou mais alargada de acordo com a problemática da criança. (Correia, 1997, p. 92) 

A existência deste tipo de equipas descritas no texto de Correia (1997) implica colaboração entre vários profissionais e entre estes e as famílias e membros da comunidade. O primeiro objetivo da colaboração é criar um clima de elevado profissionalismo entre os intervenientes, para que os alunos atinjam o seu potencial máximo. Segundo Cook e Friend (1993), citados por Friend e Bursuck (1996), a colaboração é 1) voluntária; 2) baseada na igualdade relacional entre os intervenientes; 3) requer a partilha de objetivos comuns; 4) implica partilha de responsabilidades em condições de igualdade; 5) requer partilha de recursos (tempo, experiência, conhecimentos, espaços, equipamentos, entre outros); e 6) requer valores de confiança e respeito entre todos. Criar relações de colaboração num contexto inclusivo requer um esforço por parte de todos os envolvidos. Muitos profissionais que desenvolveram relações de colaboração reconheceram que estas são difíceis, mas que valem a pena. Friend e Bursuck (1996) consideram que as práticas de colaboração melhoram com a experiência e com a existência de comportamentos sociais assertivos. 

5. A participação da família: A colaboração entre a escola e a família constitui um pilar indispensável da filosofia inclusiva, pelo que os profissionais envolvidos devem ter a noção da dinâmica do sistema familiar da criança com NEE. A família tem sido descrita como um grupo constituído pela mãe, pelo pai, e por uma ou mais crianças, vivendo em conjunto. Esta visão estereotipada da família foi dramaticamente alterada nos últimos anos. A família tradicional não é mais representada por uma mãe, dona de casa, que cuida dos filhos, e por um pai que trabalha. Existem, atualmente, muitos géneros de agregados familiares, com os quais os profissionais têm de interagir. A escola deve transmitir a ideia de que os pais, ou outros elementos que estejam a desempenhar esse papel, devem ser envolvidos na educação das crianças e jovens. Embora existam grandes mudanças na estrutura da família, esta continua a ser considerada um elemento chave na vida da criança, e a unidade básica da sociedade (Turnbull et al., 1995). Quando uma criança com NEE se torna membro de uma família - por nascimento, adoção, diagnóstico tardio, etc. -, todos os elementos que a constituem precisam de fazer ajustes, de tomar decisões, e de solucionar problemas (Smith et al., 1995). 

A primeira dificuldade com que os pais se confrontam é a da aceitação, e compreensão, da problemática do seu filho. É primordial, para a aceitação da NEE da criança, que os pais compreendam, não só o diagnóstico, mas também as suas implicações futuras. Poderão ser criadas expectativas irrealistas, se tal não acontecer, o que pode resultar num problema maior para a família (Switzer, 1985, citado por Smith et al., 1995). Assim, a colaboração entre os pais e a escola tem sido encarada como indispensável nas práticas inclusivas eficazes. A escola deve personalizar as relações com as famílias, do mesmo modo que individualiza a educação dos alunos com NEE. Para que essa personalização seja possível, é necessário que os profissionais envolvidos compreendam a sua complexidade e as suas particularidades. 

6. O envolvimento dos amigos: Os amigos e os colegas são vitais na vida de todas as crianças e jovens, incluindo aquelas que apresentam NEE. Esta ideia, no entanto, tem sido bastante negligenciada (Turnbull et al., 1995). As amizades, que aumentam à medida que as crianças vão crescendo, podem ser úteis durante períodos de transição (Berndt & Hawkins, 1987, citados por Turnbull et al., 1995), servir de modelos, fornecer apoio emocional (Berndt, 1989; Cauce et al., 1990; Howes & Mueller, 1980, citados por Turnbull et al., 1995), e constituir oportunidades de desenvolvimento de comportamentos sociais e de comunicação (Hartup, 1983; Howes, 1983, citado por Turnbull et al., 1995). Numa classe regular, os alunos sem NEE, especialmente as raparigas, interagem com os alunos com NEE severas, em atividades de ajuda (por exemplo, movimentando-os ao longo da sala, indo buscar-lhes materiais), e geralmente tratam-nos de um modo paternalista (Evans, Salisbury, Palombaro, Berryman, & Hollowood, 1992, citados por Turnbull et al., 1995), o que não significa que sejam seus amigos. O professor de educação especial e o professor da turma, ao colaborarem entre si, ao apresentarem informação sobre as NEE, à turma, a outros profissionais, e aos pais, ao implementarem abordagens que permitam que as crianças aprendam em conjunto, e umas com as outras, ao proporcionarem oportunidades para trabalho em tutoria ou parceria, e ao ensinarem comportamentos de interação social às crianças com, e sem, NEE, estão a apoiar o aluno com NEE no desenvolvimento de amizades (Turnbull et al., 1995). 

7. O Envolvimento da comunidade: Os educadores e os professores têm a responsabilidade de educar todos os alunos, para que estes se tornem independentes, produtivos e se sintam parte da comunidade onde vivem. Muitas vezes, tanto o papel que a comunidade desempenha na educação dos alunos com NEE, como o apoio que pode dar aos professores e às famílias, é ignorado. Especialmente para os alunos com NEE severas, existem várias razões pelas quais uma educação com base em práticas desenvolvidas na comunidade é desejável. Em primeiro lugar, porque um ensino do tipo funcional, proporcionado em ambientes comunitários reais, aumenta a competência do aluno. Em segundo lugar, porque as simulações, na escola, não permitem que o aluno aprenda o que realmente necessita. Em terceiro lugar, porque os comportamentos necessários nos momentos de recreação, e de trabalho ativo, quando aprendidos dentro da sala de aula, dificilmente são generalizados para ambientes comunitários (Browder & Snell, 1992; Schlein, Green, & Heyne, 1992; Wehman, 1992, citados por Turnbull etal., 1995). Nos dias de hoje, a relação entre a escola e comunidade constitui um pressuposto essencial para o sucesso educacional de todos os alunos. A existência de um conceito de “serviços escola-comunidade” seria importante e simples: as escolas e outros serviços nacionais, e regionais, trabalhariam, em conjunto, no sentido de proporcionarem às crianças, e às suas famílias, os serviços de que necessitam (Behrman, 1992, citado por Turnbull et al., 1995). Este esforço iria, não só reestruturar a escola, mas também os serviços comunitários. As escolas tornar-se-iam participantes centrais, porque estes serviços seriam prestados, ou coordenados, por profissionais localizados na escola, ou num local próximo. Esta colaboração seria importante porque, muitas vezes é reduzida à família e às crianças a qualidade e a quantidade de serviços prestados, devido ao facto de o sistema nacional não responder às suas necessidades de uma forma compreensiva e coordenada. A questão que se pode colocar é a seguinte: por que razão se deve elaborar um plano consertado que promova a prestação de serviços especializados na escola?. As razões são simples e constrangedoras: as escolas são instituições tradicionais, dominantes em cada comunidade, que têm uma história de atendimento a alunos com NEE. Receber serviços na escola pode reduzir o estigma de associado à sua prestação num hospital, ou noutro local. Serviços prestados na escola poderão aumentar os benefícios da educação (Behrman, 1992, citado por Turnbull et al., 1995). É claro que em escolas de zonas rurais, onde este género de atuação não é possível, professores, e outros profissionais itinerantes, terão de cobrir estas áreas. A existência de serviços ligados às escolas, de colaboração entre pais e profissionais, e de uma educação funcional, são elementos chave para uma educação eficaz (Turnbull et al., 1995).

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