Um dos maiores obstáculos à inclusão é, segundo David Rodrigues, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), “a dificuldade de conseguir conjugar e harmonizar todos os meios, todas as competências e oportunidades que se consideram essenciais num determinado momento para o sucesso dos alunos”. O professor de Educação Especial esmiúça conceitos, enumera desafios, fala do caminho feito e do que há para fazer nesta área no texto “2018: cimentar o compromisso com a Educação Inclusiva”, publicado no relatório “Estado da Educação 2018” do CNE.
Na sua opinião, é necessário ter em consideração vários elementos: práticas pedagógicas adequadas, comunicação e cooperação permanente nas escolas, saber trabalhar com as diferenças, perceber que a inclusão é um património a ser defendido e promovido por todos. “Pensar em inclusão só quando existem alunos com deficiência é uma grande pobreza, porque retira deste constructo as questões de etnia, de género, de identidade sexual, de nível socioeconómico ou sociocultural, que são absolutamente essenciais para entender uma sociedade complexa”, refere.
Nas últimas décadas, Portugal desenvolveu trabalho nesta área, nota-se um esforço continuado, e o país é citado como caso de sucesso das políticas educativas inclusivas por organizações internacionais, até porque 99% dos alunos com necessidades específicas estão em escolas regulares. Esta realidade provoca diversas leituras, segundo David Rodrigues. “Para algumas pessoas, trata-se da prova de que um pequeno país com meios muito limitados conseguiu atingir uma percentagem de inclusão rara e meritória; para outros, esta percentagem não passa de um número vácuo, dado que o que é importante considerar são as falhas que este número parece ocultar”.
Os números são importantes, mas também é preciso olhar para o quotidiano das escolas. E aí há muito para fazer, tendo em conta a “grande carência de recursos, a sua distribuição assimétrica, a necessidade de potenciar a confiança que as famílias depositam no trabalho da escola”. Espera-se então, de toda a comunidade, uma atitude inclusiva, o que significa acolher a diversidade, tirar o melhor partido dela de forma a ter um sistema educativo alicerçado na equidade, na inclusão e nos Direitos Humanos, como realça David Rodrigues.
O conselheiro nacional de educação refere que a inclusão é um “work in progress”, que se constrói dia a dia, e que é preciso fortalecer o conhecimento, a autonomia e a competência pedagógica, porque, escreve, “é neste terreno que a educação se joga, se perde ou se ganha”. A inclusão é, portanto, “um trabalho que raramente possui um quadro claro sobre o que é ‘correto’ fazer ou não fazer, em que não se conhece e prevê o processo”.
Há, por outro lado, várias coisas que a inclusão não é. “Não é um fenómeno isolado, delimitado ou pessoalizado. Não é isolado porque não pode existir se só estiverem presentes alunos com condições de deficiência”. Inclusão não são só os professores de Educação Especial, inclusão é toda a escola e toda a comunidade. “Delimitar a inclusão a pessoas ou serviços é um empobrecimento e uma desvalorização da riqueza da inclusão”, alerta.
Portfolios, avaliações orais e em grupo
A possibilidade de realizar trabalho pedagógico diversificado é um grande desafio para a Educação Inclusiva. “Entender o trabalho pedagógico como uma tarefa homogénea que tem por destinatários grupos homogéneos é um forte obstáculo à inclusão. Em várias escolas o corpo docente mostra dificuldades em mudar formas de ensinar e suscitar novas formas de aprender”, refere David Rodrigues. Há professores com dificuldade em mudar e há professores que querem fazer algo diferente.
“Torna-se claro que há muito trabalho a fazer para que a interação pedagógica seja feita de forma a chegar e a ser útil a todos os alunos sem deixar nenhum para trás”, avisa, realçando a importância da formação e da criação de modelos cooperativos que apoiem a inovação e permitam sustentar um trabalho pedagógico diversificado. As atitudes dos professores em relação a uma escola que não estabelece diferenças entre os alunos de Educação Especial são importantes neste campo.
Os meios para apoiar a educação de alunos com dificuldades ou deficiências é, regra geral, “muito insuficiente”, apesar da criação de Centros de Recursos para a Inclusão (CRI), com o objetivo de providenciar e proporcionar apoio de técnicos exteriores à escola, essenciais para a habilitação e educação de alunos com condições de deficiência ou dificuldade. O apoio “chega tarde e em quantidade bem inferior ao que tinha sido determinado” e, segundo David Rodrigues, “é certamente um desafio a enfrentar tornar estes apoios mais efetivos e pensar mesmo em novos modelos de fazer chegar de forma mais expedita e adequada estes meios às escolas”.
A avaliação está entre os maiores desafios à adoção de práticas inclusivas. “Encontra-se ainda muito presente a ideia de que para haver justiça na avaliação o processo deve ser exatamente igual para todos, para permitir que sobressaiam as diferenças de mérito entre os alunos”. “Esta preocupação com a avaliação é comum e chega até a influenciar as práticas e os valores na educação pré-escolar quando ainda se encontram bem longe as provas aferidas e nacionais de avaliação”, acrescenta. Há escolas que já aplicam modelos de avaliação, com critérios formativos, em detrimento dos tradicionais modelos de avaliação sumativa e normativa, recorrendo, por exemplo, a portfólios, a avaliações orais, a avaliações grupais.
A formação contínua é outro desafio. Há aspetos que devem merecer atenção, ou seja, o âmbito da formação, a quantidade da formação, os conteúdos da formação, a certificação da formação. “A melhoria destes aspetos da formação parece configurar um importante desafio no sentido em que é reconhecida a sua importância para a mudança de atitudes e práticas. Trata-se talvez de reforçar o financiamento e direcionar o esforço que tem sido feito na formação contínua para a tornar mais eficaz”, sublinha.
Diferença e desigualdade não são a mesma coisa
David Rodrigues chama a atenção para um ponto sensível: não se deve confundir diferença com desigualdade. Os conceitos são estruturalmente distintos. A inclusão, realça, lida com todas as diferenças, dos alunos, das famílias, dos professores. “Muito do trabalho ‘inclusivo’ nas escolas é constituído por este esforço de trabalhar com as pessoas a partir de onde elas estão, do que sabem, do que pensam, que atitudes e motivações têm. Pessoas e instituições diferentes a trabalhar com as diferenças. É este certamente um desiderato fundamental da inclusão”, escreve no seu texto.
Por outro lado, a desigualdade é socialmente injusta porque, refere, “nem sequer se pode arrogar a ser meritocrática: quem é desigual não o é por algo que tenha feito, mas sim por um conjunto de condições para as quais não fez nada ou quase nada”. Trabalham-se as diferenças com um único objetivo, para que das diferenças não nasça a desigualdade. “Para que as pessoas que têm necessidade de um tratamento diferente do que é estandardizado (todas?), ao não o terem, não serem consideradas inferiores, descartáveis e ‘menos’. A Educação Inclusiva é, assim, o trabalho pedagógico que se faz para que as diferenças não se convertam em desigualdades”.
O membro do CNE realça alguns aspetos do novo decreto-lei referente à Educação Inclusiva, publicado a 6 de julho do ano passado. Desde logo, a designação do próprio diploma, regime jurídico da educação inclusiva, que distingue entre alunos da Educação Especial dos alunos da educação regular, todos são considerados como tendo necessidades diferentes, mas todos pertencentes à mesma escola.
Há mais pontos que lhe merecem destaque na nova legislação, ou seja, a assunção de que todas as crianças e alunos têm capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento educativo, a garantia de que todos têm acesso aos apoios necessários de modo a concretizar o seu potencial de aprendizagem e desenvolvimento, o direito ao acesso e participação, de modo pleno.
Fonte: Educare
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