D.ª Flávia trabalha na receção de uma escola básica. Conhece quase todas as muitas centenas de alunos que a frequentam, desde o 1.º ciclo ao 3.º ciclo. Conhece igualmente os pais deles. Com todos fala, a todos atende, com a paciência e disponibilidade que a caraterizam, cativando muitos de imediato, serenando exaltados, acalmando ansiosos, informando os que querem e, com muita subtileza, aqueles que pensam que tudo sabem.
Havia uma menina que, terminado um teste, recorria chorosa aos seus carinhos, porque achava que lhe tinha corrido mal. Normalmente, a nota acabava por ser boa, e a Susana (assim se chamava a menina) vinha mostrar-lha sorridente. Ia poder mostrar à mãe, que ia ficar satisfeita. Quando a nota era mais baixa, embora sempre positiva, a mãe ralhava-lhe e dizia que ela precisava de estudar mais. D.ª Flávia prometeu arranjar-lhe um remédio milagroso, que lhe ia tirar o medo de fazer testes. Era um remédio muito caro que ela mandava vir do estrangeiro e só dava a meninos especiais. E era um remédio mágico que não fazia mal a ninguém. Com esse remédio, a Susana deixaria de ter medo de fazer os testes. E assim foi. Antes de cada teste, a Susana ia ter com a D.ª Flávia, que lhe dava um comprimido branco, muito caro e especial, próprio para meninos especiais. O suposto comprimido não era mais do que uma bolinha de adoçante. Susana ia para o teste tranquila e confiante e, no fim, vinha contar à D.ª Flávia como lhe tinha corrido, sempre de sorriso nos lábios.
Artur era um menino que não conseguia habituar-se à nova escola. Tinha medo de ir para o recreio, porque tinha passado a ser um dos meninos mais pequenos e tinha medo dos grandes. Nos intervalos, procurava ficar a um canto e escapar das ordens de ir para o recreio. D.ª Flávia não deixou de reparar nele e abordou-o. Perante as confidências do menino, prometeu-lhe um chá milagroso. Era um chá muito caro que ela mandava vir do estrangeiro e que só dava a meninos especiais. Ia fazê-lo sentir-se mais calmo e confiante. Ela iria trazê-lo de casa e entregá-lo no bufete, dando instruções à sua colega para só o servir ao Artur. Artur passou a ir ao bufete tomar o tal chá milagroso, que D.ª Ilda, a assistente operacional aí em serviço, só lhe servia a ele. E resultava! Ficava mais contente, mais calmo e mais confiante. Não deixou de conversar e confidenciar com D.ª Flávia, que o aconselhava a juntar-se aos meninos da sua turma nos intervalos. Com o chá e os conselhos da D.ª Flávia, o Artur foi-se afoitando no recreio e na sua exploração. As lágrimas e os receios foram ficando para trás. O suposto chá estrangeiro era um comum chá de cidreira.
E as histórias que D.ª Flávia me conta sucedem-se. Pode ser um chá, pode ser um remédio. Mas é sempre caro, comprado no estrangeiro e dedicado por ela a meninos muito especiais. São estes os ingredientes que ela considera importantes para, em conjunto com as conversas entre ela e as crianças, estas ganharem confiança em si próprias. Já lhe aconteceu ser abordada por mães de algumas destas crianças a quererem saber como comprar o chá, pois notam as melhorias que provoca nos filhos. E D.ª Flávia conta-lhes a verdade e explica-lhes como é importante incutir confiança e curiosidade e evitar e eliminar fatores ansiogénicos. Esta assistente operacional só fez a escolaridade obrigatória, porque a família não tinha posses para mais. Sem estudos adicionais mas com competências pedagógicas advindas da sua experiência de vida e da sua enorme sensibilidade, tem, contudo, vindo a desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento e na escolaridade de muitas crianças que passam pela sua escola. A sensibilidade, a atenção individualizada a cada criança, o carinho e a criatividade são alguns dos ingredientes que permitem aos educadores – pais ou profissionais da educação – encontrar formas eficazes de lidar com crianças em situações de stress e de as ajudar a desenvolver confiança em si próprias e a encontrar em si mesmas meios de ultrapassar as dificuldades com que se defrontam.
Armanda Zenhas
Fonte: Educare
Sem comentários:
Enviar um comentário