De que forma os docentes e as direções das escolas e agrupamentos avaliam o regime de Educação Inclusiva, aprovado no ano passado? A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) fez perguntas sobre o assunto, realizou um inquérito, recolheu opiniões e desabafos, tirou conclusões. E explica os motivos desta auscultação à comunidade educativa. “A FENPROF, por considerar que de bondosas intenções está o inferno cheio, quis saber qual a distância entre a teoria, neste caso, presente no discurso dos governantes e inscrita no quadro legal, e a prática. Como todas as distâncias, também esta se mede no terreno, ou seja, nas escolas. Foi, por isso, ao terreno, isto é, aos docentes e às direções das escolas que a FENPROF dirigiu o inquérito”. Os números indicam que 63% das direções das escolas consideram que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais melhorou com o novo modelo, enquanto 18,5% dizem que não. Do lado dos docentes, apenas 15,6% afirmam que a resposta melhorou e a maioria, 67,8%, considera que não melhorou, e metade diz mesmo que piorou. Ao todo, 18,5% das direções não respondem ou não têm opinião. Nos docentes, essa percentagem é de 16,6%, ligeiramente inferior.
Professores e diretores escolares destacam vários aspetos positivos. Um maior envolvimento dos docentes, um trabalho mais colaborativo entre os vários professores intervenientes, uma maior sensibilização da comunidade para os problemas da inclusão, uma maior interação entre os alunos, são alguns exemplos. Além disso, abrangem-se mais alunos, os que apresentam necessidades de caráter temporário e não apenas os que lidam com dificuldades permanentes.
O aumento da permanência dos alunos com necessidades educativas especiais nas turmas, durante a atividade letiva, é também salientado por docentes e diretores escolares. Outro ponto positivo é que, sustentam os inquiridos, “a resposta não assenta num modelo clínico, não tendo por base um diagnóstico dessa natureza, que também contribui para que deixe de existir a categorização ou catalogação dos alunos”.
Falta de recursos humanos, maior conflitualidade nas salas
Do lado do que não melhorou e até piorou, com a aplicação do regime de Educação Inclusiva, estão diversos reparos. Um deles é a escassez de tempo disponibilizado para a implementação do modelo. Diretores e professores referem que não houve oportunidade para debater, refletir, aprofundar e perceber plenamente os objetivos do novo regime. A carência de recursos humanos, materiais e físicos, e a estagnação orçamental para aplicação do modelo, são outros pontos negativos.
A redução do tempo de apoio direto aos alunos com necessidades educativas especiais por parte dos docentes de Educação Especial veio confirmar que deveria ter havido um aumento do número desses professores. Por outro lado, a permanência dos alunos com necessidades educativas especiais durante mais tempo na turma deveria implicar a redução do número de estudantes por turma, a eliminação de turmas com vários anos de escolaridade no 1.º Ciclo do Ensino Básico, e mais recursos para situações de maior complexidade nas escolas.
Há mais aspetos negativos referidos pela comunidade educativa. Dá-se conta de uma “maior conflitualidade na sala de aula, com aumento de situações de indisciplina, o que decorre da falta de recursos adequados e da dimensão das turmas”, bem como um “aumento significativo da burocracia que resulta, designadamente, da transição entre regimes”.
“A sobrecarga horária e de trabalho dos docentes dificulta, por falta de tempo, a articulação entre docentes titulares de turma, coadjuvantes e de Educação Especial, pelo que deveria existir um crédito horário para os docentes, com implicação na sua componente letiva”. Apesar de se exigir o envolvimento de todos os docentes, revela-se que “não houve estratégias de formação que os tivessem envolvido e preparado para todas as respostas que deverão dar”.
“Legislação economicista e desumana”
A organização sindical encontra explicações para estas opiniões divergentes. “A maioria das direções, que foram submetidas a ações promovidas pelo Ministério da Educação, parecem responder de acordo com o que lhes foi transmitido e o quadro legal contempla; já os docentes, porque vivem, diariamente, os problemas que resultam da aplicação deste regime sem que tivessem sido criadas as condições indispensáveis, têm opinião diferente”.
A FENPROF divulga alguns desabafos recolhidos no inquérito e adianta por que razão o faz. São desabafos que não pode ignorar “porque correspondem ao sentimento dos professores e educadores”. Uma professora e mãe de uma criança com necessidades educativas especiais afirma o seguinte: “Esta é uma legislação exclusiva, economicista e desumana parecendo que o que incomoda são os alunos”. Há mais comentários. “Este regime não tem sido benéfico nem para os alunos com necessidades educativas especiais nem para os outros”, “os alunos com necessidades educativas especiais sentem-se ainda mais excluídos”, “os alunos com necessidades educativas especiais ficam com as suas fragilidades mais expostas”, “arranjaram alguém para sobrecarregar e responsabilizar - o professor”.
Os resultados merecem atenção e análise e a FENPROF alerta para o que dizem professores e diretores. “As respostas dadas pelas direções das escolas/agrupamentos e pelos docentes são quase diametralmente opostas. São uma espécie de espelho que reflete o inverso, com cerca de 2/3 das direções a afirmar que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais (designação que foi abolida, mas estas necessidades mantêm-se) melhorou, enquanto um pouco mais de 2/3 dos docentes responderam que a resposta piorou”. A organização sindical lança algumas perguntas. “Será, no caso das direções, a falta de alguma informação ou mesmo sensibilidade para o que se passa na sala de aula? Ou será, apenas, vontade de agradar ao poder, ainda que afastando-se daquele que é o verdadeiro sentimento da escola, desde logo dos seus profissionais?”
A FENPROF refere, por outro lado, que os docentes e os diretores não contestam a necessidade da educação ter um caráter inclusivo. “Os professores têm estado sempre na primeira linha das mudanças em Educação, contudo, sabem distinguir entre mudanças que permitem melhorar as respostas da escola e aquelas que não vão nesse sentido, ainda que, no plano estritamente conceptual (e legal) pareçam adequadas e positivas. E essa poderá ser a questão que divide direções de escolas e docentes”, afirma, a propósito do inquérito.
Para a estrutura sindical, que representa a classe docente, o Ministério da Educação deve analisar os resultados do inquérito, escutar professores e não apenas as direções das escolas, avaliar o que aconteceu desde a aplicação do novo regime. Em seu entender, a tutela deve ter “a coragem política de corrigir os problemas que estão criados garantindo, assim, uma educação efetivamente inclusiva”. A Federação está disponível para reunir com a tutela para uma avaliação que, em seu entender, tem de ser feita e para apresentar propostas que poderão responder aos problemas identificados.
Quando o decreto-lei foi aprovado, em 2018, a FENPROF alertou, num parecer que elaborou, para o facto de não se encontrar prevista a redução do número de alunos por turma, para a falta de recursos humanos, não só docentes como não docentes, e para a previsível falta de apoio direto aos alunos com necessidades educativas especiais. Já em março deste ano, apresentou diversas propostas ao Ministério da Educação: a possibilidade das escolas, no âmbito da sua autonomia, poderem reduzir o número de alunos por turma e reforçar os recursos humanos adequando-os às necessidades dos alunos, e dos anos letivos 2018-19 e 2019-2020 serem considerados como de transição entre o anterior e o atual regime de Educação Inclusiva
Fonte: Educare
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