terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Privados têm menos de 1% de pessoas com deficiência

São o lado mais frágil da sociedade. Em Portugal, as pessoas com deficiência enfrentam muito mais do que barreiras físicas: o acesso ao emprego é difícil e o risco de exclusão social e pobreza é mais elevado do que em qualquer outra franja. As alterações legais deste ano — que obrigam empresas públicas e privadas a cumprir quotas mínimas de trabalhadores com deficiência — foram aplaudidas pelas associações que representam o setor, mas estão longe de mudar a face do país e a filosofia das próprias empresas: segundo o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, em 2016, o setor privado empregava apenas 0,5% de pessoas com deficiência nos seus quadros, enquanto o setor público atingia 2,5%.

“A legislação foi uma medida importante, porque ainda há um grande desfasamento entre a taxa de emprego da população com e sem deficiência”, começa por dizer (...) a coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), Paula Campos Pinto, acrescentando que “por si só as medidas são insuficientes”. “É preciso acompanhar as empresas e prepará-las para esta nova lei. A imaginação humana encontra sempre forma de subverter e contornar as leis. É preciso sensibilizar os empresários para esta questão”, afirma a coordenadora do ODDH, cujo objetivo é “acompanhar a implementação de políticas para a deficiência em Portugal e nos países de língua oficial portuguesa”.

Segundo dados do último estudo do observatório — “Pessoas com Deficiência em Portugal — Indicadores de Direitos Humanos 2018” —, em 2017 havia mais de 12 mil pessoas com deficiência inscritas nos centros de emprego, uma tendência que registou agravamentos sucessivos desde 2011. “Estes dados contrastam com a queda acentuada do desemprego registado na população geral: reduziu 34,5% entre 2011 (576.383 inscritos) e 2017 (377.791 inscritos) e 19,3% face a 2016 (468.282 inscritos)”, detalha o relatório.

Em dezembro do ano passado, Ana Sofia Antunes, secretária de Estado para a Inclusão, admitiu a necessidade de rever a lei da contratação de deficientes nos setores públicos e privados. Na altura, a governante reconheceu que era frequente os concursos públicos serem fracionados, “como forma de abrir a porta ao não cumprimento das quotas”. O esquema é simples: em vez de abrir um concurso com três vagas, abrem-se três concursos de uma vaga. “Não é difícil”, admitiu Ana Sofia Antunes.

A nova lei entrou em vigor em janeiro e obriga os empregadores do setor privado, que sejam médias empresas (com 75 ou mais trabalhadores) ou grandes empresas (com 250 ou mais trabalhadores), a contratar pelo menos 1% de pessoas com deficiência e grau de incapacidade igual ou superior a 60%. “Era uma reclamação nossa há muito tempo, apesar de considerarmos que o que devia existir era uma sensibilidade das entidades empregadores sem esta obrigatoriedade”, lamenta Ana Sesudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), referindo a importância da fiscalização. À associação chegam frequentemente queixas de discriminação no acesso ao emprego. “A medida foi positiva, mas temos dúvidas de que seja implementada de forma plena. É necessário haver uma fiscalização para apurar se a empresa que abriu um concurso tinha candidatos portadores de deficiência. Foi sempre muito difícil provar que alguém não ficou com o emprego por ser deficiente.”

Neste aspeto, uma das questões mais debatidas tem a ver com os certificados de incapacidade temporária, atribuídos, por exemplo, a doentes oncológicos. São os chamados “atestados multiusos” de caráter não permanente, que são equiparados aos cidadãos portadores de deficiência. O ODDH não tem dados que comprovem esta realidade nas empresas privadas, mas existe um estudo que mostra como tal se verificou na Administração Pública. “Esse estudo mostrou que uma percentagem das pessoas deficientes na verdade sofriam de incapacidades geradas por problemas oncológicos”, recorda Paula Campos Pinto, para quem a questão tem sido demasiado valorizada: “Uma pessoa que tem uma incapacidade temporária também precisa de apoio, também tem dificuldades no acesso ao trabalho, e se puder beneficiar da lei das quotas não vejo mal nisso. Não se trata de uma competição entre incapacidades.” A investigadora e professora universitária diz ainda que o importante é as empresas olharem para a diversidade como um valor acrescentado. “Não é um favor nem um encargo. Quando existe essa multiplicidade de pessoas, acaba por se gerar um clima de maior colaboração e menos competição. E isto é bom para o objetivo final da empresas, que é gerar lucro. Esta é a mudança necessária.”

OS DESAFIOS EM PORTUGAL

Acessos Portugal é considerado um exemplo em acessibilidades: recebeu em setembro o prémio de melhor destino turístico para pessoas com deficiência. Mas continuam as queixas relativas aos transportes públicos, edifícios públicos e privados e estacionamento reservado. O gabinete de acessibilidade da Associação Portuguesa de Deficientes (APD) registou 270 reclamações e pedidos de esclarecimento em 2018.

Educação A legislação que rege a “educação inclusiva” — deixa de existir a figura das necessidades educativas especiais — foi alterada para reconhecer “a mais-valia da diversidade dos seus alunos”. Uma mudança “radical e importante”, considera Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos. Em 2017/18, o número de alunos com necessidades educativas especiais era superior a 88 mil.

Proteção Social Pessoas com deficiência em Portugal são dos grupos mais vulneráveis à pobreza e exclusão social, sendo o risco maior nos agregados familiares com deficiências graves. A Prestação Social para a Inclusão é de €136,70 (menores de 18 anos) e de um máximo de €273,39 para os beneficiários adultos. “Há uma maior sensibilidade política e conhecimento”, diz Ana Sesudo, da APD, apesar das barreiras ainda serem “enormes”.

VALORES SOCIAIS

24,2%
é a taxa de desemprego das pessoas com deficiência em Portugal, registada em 2016, mais 4,4% acima da média europeia. Embora haja maior prevalência de homens, a diferença para as mulheres portadoras de deficiência tem diminuído: 56,2% de homens e 43,8% de mulheres

6
foi o número de pessoas que em 2017 receberam apoios para acabar com barreiras no local de trabalho, como a instalação de rampas para cadeiras de rodas ou elevadores

100
mil euros era o orçamento em 2017 para adaptação de postos de trabalho e eliminação de barreiras arquitetónicas; foram executados apenas 6,9% (€6902,50)

PRÉMIO PARA OS QUE AJUDAM DEFICIENTES

Destinado a todas as instituições privadas sem fins lucrativos com projetos que promovam a melhoria da qualidade de vida, a ocupação e a autonomia de pessoas com deficiência ou incapacidade permanente em situação de vulnerabilidade social, os Prémios BPI “la Caixa” Capacitar serão entregues a 6 de novembro, numa cerimónia no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Esta é já a 10ª edição destes prémios, cujo valor, de €750 mil, será distribuído pelos 25 vencedores deste ano. O BPI “la Caixa” Capacitar foi criado em 2010 e já atribuiu €5,375 milhões, distribuídos por 168 projetos de norte a sul do país e ilhas. As candidaturas foram avaliadas tendo sobretudo em conta os critérios da qualidade, sustentabilidade e relevância dos projetos.

Fonte: Expresso

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