Quando Raquel Canário, bióloga e professora, apresentou a ideia para um projecto de investigação sobre intervenção assistida por animais no colégio onde o filho estuda, em Paredes, viu o plano ser imediatamente aceite pela direcção. No final de 2015 já havia outras escolas portuguesas a oferecer este tipo de serviço, mas Raquel tinha uma “proposta pioneira no âmbito nacional”: a cadela escolhida para ajudar crianças com dificuldades de leitura iria pertencer ao colégio Casa Mãe e residir na escola, em “instalações projectadas para o efeito” e inseridas na Quinta Pedagógica existente na instituição, em Baltar.
Isto significa que as responsabilidades de Luna, a cadela golden retriever escolhida para o programa, vão desde as sessões de leitura assistida dentro de salas de aulas até ao recreio, estando “sempre disponível para os alunos” da instituição de ensino privado, explica Raquel ao P3. “Normalmente, os serviços são encomendados a uma associação que lá vai com o animal e faz a intervenção ”, diz. “Já no By Your Side [o programa da Casa Mãe] é criado um vínculo muito forte entre os alunos e a cadela”, que pode “beneficiar o projecto”.
Luna foi “criteriosamente seleccionada” pelo seu “temperamento dócil” e viveu com a bióloga — que continua a ser o elo de ligação nas sessões e a estar com Luna todos os dias — até ter seis meses. Foi gradualmente introduzida aos alunos e, com um ano, começou a realizar as intervenções.
No ano lectivo 2016-17 foram 21 os alunos com dificuldades de leitura seleccionados por professores e psicólogos; usufruíram de oito sessões de leitura assistida, mas as melhorias registadas foram "para além da leitura".
Crianças sentem "empatia muito grande com a cadela"
Os alunos, divididos em pequenos grupos, sentam-se no chão e, “num ambiente muito descontraído”, lêem para Luna. Durante 20 minutos não se sentem julgados nem “pressionados” e ficam “mais descontraídos”, porque “acreditam que o animal está de facto disponível para os ouvir”, diz Raquel. Muitas vezes, “estes alunos têm problemas de autoconfiança, baixa auto-estima e vergonha e medo de serem criticados”, explica. Por isso, não arriscam ler em voz alta com os colegas, num contexto de sala de aula normal. Nas sessões assistidas por Luna, “sentem-se capazes de continuar apesar das dificuldades”, porque do outro lado têm alguém “afável e atento”, de quem “gostam e [em quem] confiam”.
Raquel diz que os alunos “anseiam por estes momentos” e criam “uma empatia muito grande com a cadela”. Além de melhorias pedagógicas “graduais mas notórias”, na fase de análise dos resultados a bióloga registou ainda um aumento na “auto-estima”, “concentração” e “motivação” destas crianças. No grupo do pré-escolar, Raquel destaca as melhorias “ao nível de competências linguísticas e auditivas”; já no primeiro ciclo e no ensino báscio verificou-se “um aumento na “velocidade e exactidão da leitura”, por exemplo.
O programa é conseguido recorrendo a uma equipa multidisciplinar, coordenada por Raquel, a quem se junta a equipa da direcção pedagógica do colégio, os docentes dos alunos do pré-escolar e do primeiro ciclo, o serviço de psicologia e orientação do colégio e uma veterinária.
Raquel, a educadora, e Luna, a cadela, só iniciaram as sessões “depois da obtenção da certificação do binómio cadela/educadora”, concedida pela Associação Portuguesa para a Intervenção com Animais de Ajuda Social (ÂNIMAS), explica a presidente desta associação. Apesar de algumas falhas na legislação, Liliana Sousa ressalva queexistem “regras a ser cumpridas”. O cão escolhido para assistente, por exemplo, não pode mostrar o “mínimo sinal de agressividade”, deve ser “interactivo” e tem de ser educado para respeitar ordens, como estar sentado ou deitado. Luna, descreve a presidene da ÂNIMAS, “é muito simpática, tem um olhar muito meigo, é muito bonita e têm um pêlo muito macio, o que facilita o contacto físico e a confiança”.
Este ano, a associação portuguesa — que desde 2004 realiza o curso para voluntários ou profissionais de saúde e de educação que pretendam implementar programas de intervenções assistidas por animais — formou onze duplas, continua Liliana Sousa, acrescentando que se tem vindo a registar um “maior interesse” nestes métodos.
As sessões de leitura assistida são “baseadas numa metodologia americana chamada R.E.A.D – Reading Education Assisted Dogs”, introduzida pela Intermountain Therapy Animals (ITA). Em Portugal, neste momento, só há uma organização com equipas registadas por esta entidade. A Cães&Livros, em Lisboa, é uma associação sem fins-lucrativos que realiza intervenções em escolas e gabinetes de terapia e sessões lúdicas em bibliotecas e livrarias.
Findo o primeiro ano de estudo, Raquel está na fase de discussão dos resultados. Para o ano lectivo que agora começa, já foi preparada uma planificação para continuar a investigação. Luna, quase a fazer dois anos, vai continuar a assistir as sessões. Devido ao “sucesso” do programa e como cada animal só pode realizar “uma sessão ou duas por dia”, diz, “talvez se junte outra cadela” e ampliem o programa para outros âmbitos, como a terapia.
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário