O futuro da educação está nas novas tecnologias? Está numa maneira diferente de ensinar? Estão os professores preparados para o fazer?
Já todos vimos fotografias de uma sala de aula do século XIX e como não faz grande diferença de uma do século XXI. O quadro negro foi substituído por um quadro interativo; as velhas carteiras de madeira pesada por mesas e cadeiras feitas de materiais mais leves e ergonómicos; o estrado desapareceu e o professor percorre agora os intervalos que separam as mesas. Conseguimos imaginar que daqui a meio século uma sala de aula possa ser muito diferente? E, por consequência, a forma de ensinar também?
Atualmente existe um projeto promovido pela European School Net (ESN) que nos ajuda a antever como será uma sala de aula do futuro – e que é já uma sala de aula do presente, uma vez que algumas escolas, mais de três dezenas em todo o país, estão a por esta ideia em prática.
Trata-se de uma sala onde além das mesas e cadeiras também podem existir sofás ou poufs porque os alunos não estão todos a fazer o mesmo, ao mesmo tempo. O desafio para professores e alunos é diferente, em vez do ensino transmissivo, procura-se ensinar com espaços de interação, de projeto, de investigação, explica Ana Pedro, professora universitária a trabalhar no projeto Future Teacher E-ducation Lab, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, coordenado pelo professor João Filipe Matos, e responsável pela formação de futuros e atuais professores.
Na Universidade de Lisboa este espaço surgiu há três anos, em colaboração com a ESN, para formação inicial e contínua dos professores. A ideia é desenvolver novas metodologias recorrendo não só às novas tecnologias como a novos espaços educativos.
Além da formação, o projeto – “é o único em contexto europeu”, garante Ana Pedro – procura ainda fazer a articulação com parceiros empresariais e tecnológicos, da área do mobiliário e equipamentos à das novas tecnologias com o intuito de pensar sobre novas formas de ensinar. Os formandos saem dali com ferramentas que podem aplicar no seu dia-a-dia, numa escola que se quer mais próxima dos alunos e que não se limita a transmitir conhecimentos.
Para Filipe Oliveira, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa e coordenador do programa de metas curriculares de Matemática do ministério de Nuno Crato, não conhece “em profundidade” o projeto mas tem, à partida, uma “opinião muito negativa do argumentário que [o] acompanha”. A inovação não é uma novidade na educação, defende, lembrando que se procurou, desde sempre, do aparecimento da imprensa, passando pela invenção do cinema, rádio e televisão, levar todas essas novidades para a escola. “Vivemos apenas mais uma iteração deste tipo de fenómeno com o aparecimento da tecnologia moderna e da Internet”, acrescenta.
Portugal é o país com mais salas de aula inovadoras
A primeira sala de aula do futuro – Ana Pedro prefere chamar-lhe “ambientes educativos inovadores” porque é disso que se trata, afirma – nasceu em Setúbal, na Escola Secundária D. Manuel Martins, em 2014, e Carlos Cunha é o responsável pela mesma.
O professor de Física e Química explica que esta é exatamente igual à primeira, criada em Bruxelas – trata-se de uma sala com cinco espaços para criar, investigar, apresentar, partilhar e desenvolver.
Estas áreas permitem que os alunos aprendam num ambiente mais dinâmico, onde se estimula a interdisciplinaridade e a articulação curricular entre as diferentes matérias das diversas disciplinas. E onde, acrescenta o professor, se convida o aluno a trazer os seus equipamentos e a usá-los em sala – bring your own device.
Para Filipe Oliveira a tecnologia deve ser introduzida “com cautela”. “Desde sempre que as aulas tiveram momentos expositórios e momentos em que os alunos têm autonomia para resolver problemas, não estando todos necessariamente a fazer o mesmo”, ressalva. “Pensar que isso apenas acontece se se colocarem poufs para os alunos se sentarem com os seus tablets chega quase a tocar, na minha opinião, o ridículo. Para obter sucesso, há um trabalho sério e irredutível que o aluno deve desenvolver”, acrescenta.
Neste momento existem em Portugal 34 salas, em 30 agrupamentos, em escolas, escolas profissionais, colégios, centros de formação e uma no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
Em termos de alunos serão aproximadamente 25.000 os envolvidos, informa o Ministério da Educação (ME). “Naturalmente que a ocupação varia consoante a planificação anual de cada escola/agrupamento”, explica ainda fonte da tutela. Ou seja, a mais-valia deste projeto, e também o seu sucesso em Portugal – em resposta por email, o ESN refere que este é o país onde há mais salas – é que cada agrupamento adapta-o às características dos seus alunos. Na prática, estas salas abrangem quase 2% dos mais de 1,4 milhões de alunos do ensino básico e secundário no país
Romper com os hábitos dos professores
Mas este não é o único programa implementado com o objetivo de mudar a forma como se ensina e como se aprende. Também a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) apoia alguns agrupamentos que, com a ajuda das novas tecnologias, trabalham com os alunos para que melhorem os seus resultados académicos.
Carmelo Rosa, responsável pela pasta da Educação na FCG refere um programa que está a ser aplicado nas escolas alentejanas da Vidigueira, Vendas Novas e Ponte de Sor onde os professores, sem descurar as disciplinas tradicionais, como o Português ou a Matemática, introduzem novas componentes de educação artística ou de novas tecnologias, além de fazerem a transversalidade das várias cadeiras.
“A flexibilização do currículo que o ministério agora implementou, nós já a estávamos a promover”, resume o responsável.
Recorde-se que este ano, o ME permitiu a flexibilidade curricular em 231 escolas e agrupamentos, cerca de um quinto das escolas públicas, desafiando-as a definirem 25% da carga horária letiva.
Algumas destas escolas não avançaram porque os professores foram resistentes à ideia. Se Ana Pedro elogia os docentes, lembrando que estes são reconhecidos como inovadores em projetos e programas europeus, Carlos Cunha defende que o ensino poderia estar muito mais desenvolvido se os docentes não pusessem tantos entraves à mudança.
Para Carla Carriço, da direção do agrupamento de escolas de Atouguia da Baleia, que também tem uma sala de aula do futuro, inicialmente criada para que os alunos melhorassem os resultados a Matemática, a “parte mais difícil” desta iniciativa “são as pessoas”.
“Passinho a passinho, muito devagarinho, vamos conseguindo alterar comportamentos”, acrescenta. Para isso é preciso conquistar os docentes, dar-lhes formação, mas a verdade é que “os professores continuam muito agarrados aos programas, têm de os cumprir para preparar os alunos para os exames pois os resultados destes são a imagem da escola”, justifica ainda a professora de Inglês que, sempre que pode, utiliza a sala de aula onde pode por os alunos a fazer um trabalho mais ativo e participativo.
“É preciso romper com aquilo a que o professor está habituado. Costumo dizer que entre as 8h30 e as 13h30, um professor dá três palestras, por vezes dá uma ficha, depois faz um teste e passa à frente. Esta sala é um espaço exigente porque o professor tem de se preparar, propor, assistir ao projeto e avaliar o produto final”, enumera Carlos Cunha, da secundária de Setúbal.
“Um movimento de baixo para cima”
Por isso é preciso formação. Além do espaço do Instituto de Educação existem propostas para os docentes nos Centros de Formação das Associações de Escolas, existe ainda um grupo de oito professores que são “embaixadores dos Laboratórios de Aprendizagem” que é uma iniciativa ligada a esta das salas de aula do futuro, informa o ME. Por exemplo, Carlos Cunha recebe a um ritmo quase mensal grupos de professores de outros países europeus que visitam a sala da escola setubalense e têm muitas das dúvidas que têm os colegas portugueses.
Ana Pedro lembra o sucesso dos chamados “ambientes educativos inovadores” se deve às escolas porque são eles que, por iniciativa própria e a partir da identificação das suas necessidades criam as salas. “É um movimento ‘de baixo para cima’”, diz a investigadora. “Uma das características desta iniciativa é ser, precisamente, de baixo para cima, ou seja, é sempre iniciativa das escolas e agrupamentos”, confirma o ministério.
“Um do aspetos mais marcantes e positivos do caso português, que é já um case study na Europa, é o facto de as salas de aula, serem todas diferentes umas das outras, pois tentam responder às preocupações de cada agrupamento, ainda que haja cinco ou seis itens comuns, que estiveram na génese de cada uma”, continua a tutela, acrescentando que são as escolas que “apostam mais numa ou noutra área, de acordo com aquilo a que as direões, os conselhos pedagógicos e a comunidade educativa acham por bem responder”.
E as direções procuram junto de parceiros nacionais ou locais forma de abrir uma sala de aula do futuro numa ou mais escolas do seu agrupamento. Por exemplo, a segunda sala abriu na Atouguia da Baleia graças ao apoio da junta de freguesia de Ferrel, a primeira nasceu com o apoio da FCG. A sala de Setúbal tem equipamento tecnológico que pertence a uma empresa tecnológica, tal como as financiadas pela Gulbenkian.
Contudo o ministério apoia através da Direção-Geral da Educação (DGE) no âmbito da parte pedagógica, “quer promovendo formação quando solicitada, quer no apoio ao ‘desenho’, aspeto e formato da sala, aconselhando sempre, dentro da área pedagógica”. Além disso, a tutela criou uma comunidade na plataforma Moodle.
E se ainda há professores reticentes quanto a esta nova forma de trabalhar – porque não são só as salas que são diferentes, mas as metodologias – também existem estudantes que torcem o nariz, sobretudo os mais aplicados, revela Carlos Cunha. “Os mais avessos são os alunos com melhores notas porque estão habituados à previsibilidade”. Por vezes, estes estudantes não conseguem acompanhar este novo método – que lhes pede para que procurem informação, que a selecionem, que aprendam com ela – como aqueles que têm piores notas mas, assim que percebem o que lhes é pedido, adaptam-se e voltam outra vez a ser melhores e essa evolução faz com que os outros, “mais fracos”, sintam que têm de os acompanhar, explica o professor de Setúbal.
Avaliação positiva
Ainda não há dados sobre o impacto destas mudanças nas notas dos alunos. Em Portugal, a Gulbelkian espera apresentar um estudo no próximo ano e o Instituto de Educação está também a preparar uma avaliação. Apesar disso, os sinais são animadores.
Carlos Cunha fez um estudo “ad-hoc” com duas turmas, na sua disciplina, uma ia todas as semanas à sala do futuro e outra ia uma vez por mês, e a primeira teve melhores resultados a Física e Química.
Carla Carriço também está convencida que os alunos têm níveis de sucesso mais elevados e Carmelo Rosa informa que todos os meninos das turmas que fizeram parte do programa da Gulbenkian transitaram do 1.º para o 2.º ciclo, sem exceção. “O que não é fácil porque o Alentejo tem das taxas de insucesso mais altas [do país] e as turmas tinham crianças com Necessidades Educativas Especiais e ciganas, mas as condições foram boas porque as escolas foram sempre acompanhadas por uma equipa da Universidade de Évora”, informa o diretor da FCG.
Sobre a avaliação às salas de aula do futuro diz fonte do ME: “As primeiras indicações dão nota de melhorias na motivação dos alunos, e de uma redução do insucesso escolar. Contudo, é necessário esperar o final do relatório para a conclusões serem bem suportadas. Deve, no entanto, relembrar-se que os resultados destas salas não são imediatos, até porque o grande crescimento ocorreu no ano letivo de 2016/2017.” Até ao ano passado eram pouco mais de uma dezena.
Faz sentido alargar esta iniciativa a todas as escolas do país? Para os diretores das escolas que já têm estas salas, a resposta é “sim”, diz a tutela com base num encontro promovido pela DGE e pelo Instituto de Educação no início do ano.
“Estas salas, quando vistas como uma alavanca para a melhoria do sucesso escolar, uma alavanca para mudanças metodológicas em sala de aula e ainda como alavanca para a mudança do espaço na sala de aula, podem ser na realidade uma mais-valia”, responde o ME.
Carlos Cunha fala de uma outra alternativa, o “espaço interagir” que a sua escola inaugurou no final do ano letivo passado. Trata-se de uma sala de aula tradicional com três “paredes de ensino” – “a quarta é onde estão as janelas porque é uma sala, não é um bunker”, brinca o professor.
A primeira parede tem o tradicional quadro negro, a segunda o quadro interativo e a terceira está pintada de branco e permite aos alunos fazer brainstorming, colar post its, etc, esta tem ainda um projetor que pode ser ligado a um tablet do aluno, por hipótese.
Em vez de as carteiras estarem todas viradas para o quadro negro, há cadeiras e os alunos estão divididos por grupos. “A dinâmica desta sala de aula é diferente, exige ao professor ‘sair da caixa’ e os alunos têm de estar mais ativos”, resume o docente.
Os alunos estão diferentes?
Estas mudanças surgem porque os alunos estão diferentes? O que é diferente é o acesso à informação e já há estudos que mostram que o cérebro funciona de forma diferente por causa das pesquisas, nota Ana Pedro do Instituto de Educação.
Dulce Gonçalves, professora e investigadora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, lembra problemas como o défice de atenção e a hiperatividade e, por isso, a necessidade de a escola encontrar outras respostas que não seja o ensino expositivo. Ensino “tradicional” esse que não aposta em áreas como a criatividade ou a autonomia do aluno, acrescenta Rita Alves, diretora da Escola Superior de Educação Jean Piaget, em Almada, que refere que os alunos chegam à universidade sem essas competências e se sentem perdidos porque não têm um manual para seguir e precisam de fazer pesquisa, trabalho de campo ou outros.
Ariana Cosme, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, lembra o movimento da Escola Moderna que, há 50 anos, procura que os alunos estejam num ambiente de ensino simultâneo, enquanto uns fazem uma coisa, outros fazem outras, apostando na autonomia dos estudantes, desde pequenos, incutindo-lhes responsabilidade, autonomia e “práticas cooperativas de trabalho”.
“A sala de aula do futuro é já passado, sobretudo para os que pensam numa escola diferente há muito tempo”, exclama a professora.
“É isso que a Finlândia faz”, diz Rita Alves referindo-se ao país que a Educação descobriu quando há quase 20 décadas se posicionou no topo dos estados da OCDE com melhores resultados nos estudos que avaliam a literacia dos alunos.
Sobre a Finlândia, Ariana Cosme lembra que os professores e os alunos trabalham em ambientes diferenciados e, no mesmo espaço físico existe um grupo heterogéneo de alunos. “É mais vantajoso porque os mais adiantados apoiam os menos autónomos”, explica.
E aprendem? A dúvida justifica-se quando os professores que precisam de “dar matéria” e de ensinar, os pais estão preocupados com os resultados dos exames, e se ouvem críticas à flexibilidade curricular. Nas últimas semanas, ouvimos os protestos do CDS, perguntando no Parlamento se as famílias sabem o que vai ser ensinado aos filhos, e as de Jorge Buescu, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, que considera que este modelo é “destrutivo do nosso tecido educativo”.
A resposta de quem está a aplicar a iniciativa das salas de aula do futuro é que “sim” porque compreendem. O pôr em prática permite aos alunos compreender aquilo que estão a aprender e também para que serve essa aprendizagem, explica Carlos Cunha. “Não é acabar com as aulas expositivas, mas estas deixam de ser o único veículo de aprendizagem”, acrescenta Ariana Cosme.
Portanto, já vimos que a proposta não é para encher o espaço tradicional da sala de aula de tablets, smartphones e outros gadgets.
Ainda assim, as escolas estão fisicamente preparadas para ter estas salas de aula do futuro? O Ministério da Educação responde que estas salas exigem uma área, no mínimo, de uma sala e meia para poderem funcionar. No entanto, no caso das 34 salas que já funcionam neste modelo, 31 em escolas e as restantes três em Centros de formação e Universidade, “todas as direções conseguiram a sala desejada. Por outras palavras, cada agrupamento ou escola é um caso, quer para a implementação quer para o tipo de sala que vai ser implementada”.
Para Carla Carriço, do Agrupamento de Atouguia da Baleia, não há dúvidas de que este é o caminho: “Gostava de ter uma escola do futuro e não apenas uma sala de aula do futuro”.
Fonte: Fronteiras XXI
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