O Governo pôs em discussão pública uma nova lei sobre a educação inclusiva. A Louis Braille quis conhecer as reações de David Rodrigues, Presidente da Pró-Inclusão, à proposta de alteração da lei n.º3/2008. Até 30 de setembro o Governo espera pelas reações de todos.
Louis Braille: Todos sabemos que a inclusão não se conseguirá por decreto. Porém, considera que esta alteração à lei 3/2008 era uma necessidade?
David Rodrigues: Deixe-me antes de mais esclarecer que estou a responder à entrevista da Revista Louis Braille a título pessoal. A Pró – Inclusão terá uma posição sobre este projeto depois de um largo processo de auscultação que já se iniciou e continuará durante o mês de setembro. Pergunta-me se esta alteração era uma necessidade e eu respondo que sim. Os paradigmas e as práticas sobre Educação Inclusiva têm avançado muito rapidamente e era preciso que a legislação se adequasse a estas mudanças. Dou-lhe um exemplo: hoje é mais claro que em 2008 que o campo da Educação Inclusiva é bem mais lato que o do apoio a alunos com condições de deficiência e esta ideia de um processo “para todos” encontra-se nesta lei e não se encontrava no 3/2008. Salientaria ainda que o 3/2008 foi ficando mais desatualizado porque não foi sujeito a avaliações intercalares periódicas que lhe permitissem uma melhor agilidade de resposta. Assim, são boas notícias que tenhamos um novo documento e sobretudo – ao contrário do 3/2008 – que possa haver um período de consulta pública que permita melhorar a proposta.
L.B.: No que respeita especificamente à redação desta nova proposta de lei, se atribuirmos força às palavras, considera que se assistiu a uma evolução positiva na forma como se aborda a inclusão?
D.R.: Novamente lhe respondo que sim. O preâmbulo da proposta ao afirmar o compromisso com a Inclusão, ao estabelecer uma tipologia de intervenção multinível e ao afirmar que não é necessário categorizar para intervir, introduz uma visão mais contemporânea sobre o que se pensa que a Inclusão é e de como ela pode ser implementada no sistema educativo.
L.B.: Que aspetos positivos para a educação de crianças e jovens salientaria desta proposta?
D.R.: Salientaria, em síntese, três aspetos. O primeiro prende-se com os aspetos de princípio. Não são despiciendos: pelo contrário. Afirmar a equidade, a educabilidade universal, a Inclusão, a Diversidade, etc. como princípios orientadores do processo educativo são importantes referenciais de que emanam as medidas que devem ser tomadas. Um outro aspeto que considero positivo é o da criação de Centros de Apoio à Aprendizagem. Temos que fazer com que estes Centros não sejam só um nome bonito, mas sim que contribuam para que cada escola possa atender com toda a competência que é capaz às dificuldades que os alunos apresentam para acompanhar o currículo. Pensar que há um centro de competência mais específico para apoiar os alunos que demonstrem dificuldades é uma medida positiva. Na verdade, ainda que a Educação Inclusiva seja uma tarefa de toda a escola e de todos os professores, não podemos ser ingénuos e pensar que não é necessário (diria mesmo essencial) que existam recursos humanos bem preparados para assumir a responsabilidade da orientação de processos de apoio a alunos que, sem este atendimento, se arriscam a ficar em “terra de ninguém”. Um terceiro aspeto diz respeito aos níveis de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão em três níveis: universais, seletivas e adicionais. Estas medidas sobretudo se forem entendidas de uma forma aberta (isto é que não se constituam como “gavetas” onde se encaixem os alunos), podem aprofundar uma conceção de comunicação, de continuidade e de adequação dos processos educativos.
L.B.: No seu entendimento, esta nova lei confere aos professores de educação especial um novo papel na educação dos alunos?
D.R.: Penso que sim. Os professores de Educação Especial há muito que desempenham outras funções que não as de apoio direto aos alunos. Nas escolas estes professores são consultores, formadores e sobretudo têm assumido um papel fundamental na Inclusão. Os avanços que se verificaram em termos de Inclusão no nosso país devem-se em grande parte ao papel lúcido, persistente e mesmo abnegado dos professores de Educação Especial. São eles que se batem quotidianamente para que os alunos com dificuldades possam estar na escola efetivamente a aprender e a colaborar com a gestão da escola, com os colegas do ensino regular, com as famílias, com os CRI's para que esta educação e aprendizagem seja possível. A Educação Inclusiva implica novos desafios aos professores de Educação Especial. Muitos deles não são novos e precisam de ser encarados e assumidos, outros são novos e para isso precisamos de maior clarificação e de formação. A Pró – Inclusão está a trabalhar neste novo perfil profissional dos professores de Educação Especial e certamente terá uma contribuição a dar para que o apoio nas escolas melhore.
L.B.: Esta proposta continua a fazer alusão às escolas de referência. Considera que este é um sinal positivo num sistema de educação que se quer inclusivo?
D.R.: Já tivemos críticas às escolas de referência e eu próprio já as tornei públicas em 2008. O que sabemos hoje é que a escola é uma experiência decisiva de inclusão e esta inclusão passa por uma inserção numa comunidade de interesses, de vizinhos e de vivências. Por isso é tão estranho que um aluno tenha que se deslocar por vezes 50 quilómetros para uma escola estranha ao seu ambiente para se incluir… parece mesmo contraditório. Penso que para diminuir esta contradição as escolas de referência deveriam assumir-se como escolas de referência de recursos e de estratégias e não de alunos. Gostava que as escolas de referência pudessem ser centros de apoio e de recursos para outras escolas – as escolas de proximidade – pudessem educar competentemente os seus alunos. Da única forma que hoje sabemos ser correta: de forma inclusiva. Talvez para começar – e com carater de urgência, o ME da Educação poderia elaborar e publicar um estudo sobre estas escolas que nos ajudasse a tomar decisões mais corretas e justas.
L.B.: Recentemente num debate sobre esta proposta de lei disse publicamente que seria impossível “fazer diferente com os mesmos recursos e equipamentos”. Mas a expetativa de professores, pais e alunos é pois, que esta nova lei dote as escolas com mais e melhores recursos/equipamentos. Pela leitura que faz desta proposta não lhe parece que seja esse o caminho?
D.R.: É sem dúvida preocupante que este projeto repita – penso que por 3 vezes – que todas estas medidas devem ser tomadas usando os recursos existentes. Ora este fator não parece de forma algum correto. E dou-lhe um exemplo: se esta formulação estivesse incluída em leis anteriores não poderíamos ter aumentado os meios, os financiamentos os recursos humanos e materiais que hoje sabemos ser essenciais. Conhecemos o argumento de “fazer melhor com os mesmos meios”, mas é preciso não levar este argumento longe de mais. Por exemplo: no Algarve existe um único CRI. Não se pode melhorar um recurso que é gritantemente insuficiente para melhorar a Educação de alunos com dificuldades? Peno que este é um dos aspetos em que a lei tem de ser melhorada.
L.B.: Esta proposta incentiva ao estabelecimento de parcerias com outras instituições da comunidade. Que vantagens encontra nestes protocolos de cooperação?
D.R.: Todas as vantagens. Estes protocolos têm utilidade na pedagogia que se pratica nas escolas – tornando os processos de aprendizagem mais ativos e mais significativos para os alunos e também para os processos de transição para a vida pós escolar. O estabelecimento parcerias de inclusão está no coração das práticas inclusivas porque tornam evidente que a escola fechada em si própria, nos seus valores de referência, não é capaz hoje de educar populações cultural, social e economicamente tão distintas como as que temos hoje nas escolas. A Inclusão não é um ingrediente: é uma receita. Esta lei é um ingrediente fundamental, mas temos que contar com outros para levar esta “gastronomia” a bom porto. Precisamos de mais recursos, de valorizar e melhorar os processos de apoio e “last but not least” de mudar a escola para que ela se torne mais dúctil, mais próxima do que os alunos são sem estar sempre obcecada com os conteúdos que os alunos têm de aprender. Devemos procurar caminhar de olhos abertos: avançando com consciência e com visão do que é preciso mudar para chegarmos a uma escola mais justa, mais útil e mais equitativa.
2 comentários:
Dr. João Santos, gostaria de ler um comentário seu a esta entrevista.
JM, infelizmente, devido às funções que desempenho, ainda não tive tempo suficiente para reler com alguma profundidade a proposta de alteração. Quanto à entrevista do Prof. Doutor David Rodrigues, pessoa que muito estimo e considero, tenho a referir que prevalece um otimismo quanto ao conteúdo da proposta. De facto, os princípios alocados merecem o parecer favorável da generalidade dos docentes, sobretudo dos docentes de educação especial.
No entanto, existem algumas reservas, designadamente na forma de operacionalizar esses mesmos princípios. O paradigma subjacente à proposta é radicalmente diferente do atual.
Vou referir apenas alguns aspetos preocupantes. O paradigma passa por não catalogar nem categorizar os alunos que apresentem dificuldades. No entanto, no articulado, faz-se referência, pelo menos por três vezes, aos alunos com necessidades educativas especiais sem que se especifique esse conceito. Pode, inclusivamente, levantar dúvidas quanto aos alunos alvo deste contexto educacional.
O público alvo deste novo paradigma não é claro, ou seja, aparentemente todos os alunos que revelem dificuldades de aprendizagem podem beneficiar de medidas educativas, quer sejam permanentes ou temporárias, quer sejam decorrentes de alterações funcionais ou estruturais, etc, etc. Esta situação pode levar a uma grande discrepância entre contextos educacionais decorrente da subjetividade dos docentes responsáveis pela avaliação.
A equipa multidisciplinar de avaliação é composta na sua maioria por docentes que, em princípio, não têm formação adequado no âmbito da educação inclusiva. No entanto, serão os responsáveis por definir medidas inclusivas. Parece-me que o papel do docentes de educação especial está a ser secundarizado.
Apesar da proposta referir os docentes de educação especial, não existe qualquer determinação sobre as suas funções, o seu papel, a sua intervenção, ficando um pouco vago.
Na leitura transversal que fiz, pareceu-me estar a regressar ao passado, designadamente ao contexto do Despacho conjunto n.º 105/97.
Outros aspetos merecem ser abordados e acautelados. Tenciono, ainda, contribuir para o debate com uma análise pessoal do documento. No entanto, deixa-me algumas preocupações...
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