"Eu costumo dizer que os meus genitais são as minhas orelhas e o meu pescoço. Exploro muito a esse nível, é uma área muito sensível. Daqui [aponta para o meio do peito] para baixo não tenho sensibilidade ou movimento voluntário. Há lesões que são incompletas, em que as pessoas têm alguma sensibilidade. No meu caso é completa, não há nada. Isto, obviamente, tem várias consequências do ponto de vista sexual. Não tenho o chamado orgasmo, não tenho ejaculação. No entanto, tenho uma parte que normalmente as pessoas não trabalham tão bem com ela… a minha cabeça.
Não tinha iniciado a minha vida sexual antes do acidente. Sempre fui um rapaz muito protegido, muito tardio nas descobertas. O processo de 'coming out' foi doloroso. Descobri aos 16 anos [que era homossexual] e rejeitava-o. Quando me masturbava obrigava-me a pensar em raparigas; depois o pensamento fugia para os rapazes e sentia-me culpabilizado. Nas férias de verão anteriores [ao acidente] tinha tido um pequeno 'affaire' com um rapaz belga. Tivemos uns amassos, mas penetração não, era virgem. Foi uma das coisas que mais me custou. Nunca fiz e nunca vou sentir. E sinto muito a falta dos tais dez segundos de orgasmo/ejaculação. É inegável.
É muito difícil para um jovem aceitar porque, de facto, a sexualidade é muito genitalizada. E acho que ainda se trabalha pouco nesta fase. Agora os centros de reabilitação já têm apoio psicológico, mas na minha altura não. Ninguém me falou disso. Fui descobrindo, falando com pessoas, vendo na net. Foi uma aprendizagem. É que até podes falar de sexualidade na deficiência, mas não falas de sexualidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros).
Eu não tenho ejaculação. Tenho uma coisa que dá jeito. Tenho movimentos involuntários devido ao chamado arco reflexo. É um tipo de resposta que não necessita que a informação vá ao cérebro e volte — o estímulo é demasiado forte, vem à medula e a medula manda logo uma resposta de volta. Isto também funciona para o 'little Bruno'. Se houver uma estimulação local, acabo por ter uma ereção. Só que muitas vezes não é uma ereção a 100%, nem com o tempo suficiente — o conhecido Viagra e afins ajudam. Não sinto, não tenho ejaculação, mas para mim, sob o ponto de vista psicológico, é muito importante.
Faz-te confusão a cadeira de rodas? "Next!"
Depois do acidente, teclava muito. Internet, "chats", ainda nos tempos do mIRC. O meu 'nickname' era paraboy. Perguntavam-me: 'Para' de quê? De 'paraplegic'. Nunca o escondi. Tinha de ser uma coisa assente. Isso acontece também hoje em dia. No Grindr [aplicação de encontros dirigida ao público gay] tenho na descrição: 'Rapaz paraplégico a tentar aproveitar a vida. Faz-te confusão a cadeira de rodas? Next!'
Neste momento não tenho nenhuma relação. Já conheci muitas pessoas [através da Internet] . Algumas tornaram-se amigas, outras foram relações ocasionais — 'one night stand'. Tive outras relações curtas, mas acho que não as posso chamar de namoro. A vantagem da Internet é que consegues ter um contacto muito rápido e, para pessoas com limitação física, ultrapassas a tua incapacidade, consegues falar com pessoas distantes de ti.
Tem de haver sempre uma conversa primeiro. A pessoa tem de saber que eu tenho esta deficiência e que tem de estar aberto à experiência. Para 'one night stands', digo: 'Gosto disto e disto, as posições [que se adaptam] são estas e estas. Alinhas ou não?' Tenho até umas imagens no telemóvel para exemplificar, desenhos que encontrei na net. Já tive algumas coisas engraçadas. Conheci um rapaz que tinha um fetiche por pessoas com limitações e eu era o rei. Tudo aquilo que eu queria, ele fazia. Fomos para um motel, foi fantástico.
Sou muito internacional. Já estive com brasileiros, belgas, espanhóis, chineses, uruguaios. Gosto muito de sair deste quadradinho e tenho feito algumas viagens fantásticas. Acho que os portugueses são um bocado quadrados e as pessoas com quem estou têm de ser abertas à diferença e menos centradas a nível fálico. Eu acabo por ligar muito mais ao beijo, à carícia, a explorar outras zonas. Fui obrigado a encontrar alternativas, a não estar tão falocentrado. É um modo de sobrevivência. A mente é muito importante para isso. Ora, só tenho esta zona com sensibilidade, quais são as áreas mais sensíveis? Tentas explorar aquilo que te dá prazer e criar situações. É como uma masturbação mental. Às vezes toco-me lá, mas não é o mais importante porque não sinto.
Algumas pessoas podem achar que é promiscuidade. Eu acho que não, que é aproveitar a vida, mas sabendo aceitar os riscos. Eu também não me encontro com qualquer pessoa. Encontro-me com a pessoa primeiro para falarmos, para ver se há química ou não. Não é um "blind date" completo e é sempre sexo seguro.
"Just a normal guy"
Considero-me uma pessoa privilegiada. Primeiro na família que calhei, nas possibilidades que me deram. Tive tudo o que foi preciso na altura certa. A minha família sabe [da orientação sexual], os meus amigos também, só no trabalho é que não. Adoro aquilo que faço, as pessoas são fantásticas, mas por comentários percebo que não aceitam. E não estou neste momento preparado para um 'coming out' assim.
A única coisa que falta é a parte afetiva. Grindr, Hornet, Gaydar, Manhunt… [redes para encontros gays], tudo é orientado para a parte física. Obviamente que eu utilizo estes motores de busca para satisfazer uma necessidade humana básica, mas não é isso que quero para a minha vida. Gostava muito de um dia ter um companheiro de vida. Há muitos fatores que contribuem para ainda não o ter: a minha personalidade, por exemplo. Outro grande fator é que os gays são muito físicos, ou seja, a diferença é complicada. Geralmente gosto de pessoas mais novas, que são geralmente mais imaturas. Ou seja, é uma questão dos meus gostos e também das pessoas aceitarem a diferença. Também sou muito perfecionista: quando começo a conhecer alguém, começo logo a arranjar defeitos. Tento mudar mas… é complicado. Sim, 'I'm just a normal guy'. Não é por ter uma deficiência que aceito tudo o que vem à rede.
Há muitos momentos da minha vida em que eu sinto que seria uma pessoa muito mais feliz se não sentisse atração. Eu sei que esta afirmação é muito forte, mas tenho esperança que um dia me engane. O tempo que eu perco nestes "chats", a tensão que se gera, que afeta a minha vida quotidiana. O desconforto, as negas, sentir-me magoado porque ele não manda mensagem…. Depois passado estes anos todos ainda não tenho ninguém, só pessoas passageiras… Será que vale a pena? Também tem a ver com a fase da minha vida. Há mais um desejo de assentar.
É que se eu pudesse, masturbava-me, acalmava-me e continuava a minha vida. Mas como não tenho nenhum 'output' que me acalme… é difícil. A tensão passa ao estar com alguém. Para mim é muito importante… quando ele está a ter um orgasmo, eu quero olhar para a cara dele e imaginar que sou eu. Tento quase transpor-me para ele, tentar perceber que sou eu que estou a fazer aquilo e que está a acontecer comigo. Sinto-me muito feliz. Mas por trás está a incapacidade de ter o resto.
Dentro da minoria da minoria
As pessoas ainda não conseguem olhar para uma pessoa com deficiência como uma pessoa normal e útil na sociedade. Continuam a achar que somos como os anjinhos e não temos sexo. E de uma maneira geral as pessoas não pensam que um deficiente pode ter sexo e ser gay. É muito à frente. Já pensar numa minoria é complicado, agora duas?! Ui. Tinha de lhe calhar as duas ao mesmo tempo?! Noto isso muitas vezes. Mesmo quando vou sair à noite, em comentários dos rapazes: 'Ainda bem que vieste'. E eu nunca o vi antes. Ele acha absolutamente fascinante que alguém em cadeira de rodas possa sair e ainda por cima ir a um local LGBT. Fantástico.
Portugal ainda tem muito que evoluir. Acho que a sociedade aceita mais a minha deficiência do que a minha orientação sexual. Porque são conceitos diferentes: o conceito do coitadinho e o conceito do pervertido. Entre os dois, o conceito do coitadinho é mais interessante (risos). Isto não é uma regra, a nova geração é diferente.
Estou dentro da minoria da minoria. Não é fácil. Se uma minoria tem pouca visibilidade, duas ainda mais. Sentes-te um pouco sozinho sob esse ponto de vista. E tens de ter um grau elevado de adaptabilidade e procurar aceitar as limitações que os outros têm relativamente ao modo como vêem as minorias. Podes ser exigente, mas tens de aceitar e dar valor às coisas boas. E Portugal também tem muitas coisas boas. A população pode ser limitada sob o ponto de vista de ver a diferença, mas se precisares de alguma coisa está ali pronta para te ajudar.
As mentalidades são difíceis de mudar, mas as coisas têm vindo a melhorar. Passa um bocadinho pela educação da população jovem e depois pela visibilidade. Imagina que eu agora tinha um namorado e ia passear na marginal e dávamos um beijo. É um modo de sensibilizar a sociedade: OK, tens aqui um casal gay e com deficiência. À primeira iam estranhar, à segunda talvez não. Também é bom para as pessoas. Têm um choque e começam a habituar-se a estas coisas. A minha melhor amiga é paraplégica e quando saímos à noite sei que damos estrilho. Porque somos ambos jovens, não somos feios, temos algum tipo de descontracção e somos divertidos. As pessoas ficam.... não é possível! Em que gaveta é que vamos pôr isto?! Jovens numa cadeira de rodas e estão a rir-se?! Ai meu Deus. E isso dá-me um gozo incrível. Faz-me sentir com energia. 'Yes, that's me', estou aqui, exactamente, sou assim."
Fonte: P3 do Público
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