O texto seguinte é um extrato da entrevista realizada a Maria do Céu Machado , médica pediatra, diretora do departamento de pediatria do Hospital de Santa Maria e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Foi alta-comissária da Saúde entre 2006 e 2011 e acaba de lançar o ensaio Adolescentes, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Os pais e a escola podem ser parceiros?
A ligação dos pais às escolas começa a ser maior, mas não é tão significativa em Portugal, ao contrário do que acontece noutros países. Tenho ido a algumas reuniões dos meus netos e assisto muitas vezes a uma forma de estar dos pais que culpam a escola e os professores pela falta de disciplina dos filhos. Não é incomum os pais considerarem que a escola substitui a educação em casa. Os professores e pais têm de ser parceiros e é saudável envolver os adolescentes. Em África, dizia-se que era preciso toda uma aldeia para educar uma criança. Na minha opinião é necessária toda uma sociedade para educar um adolescente. Ainda assim, 85 a 90 por cento dos nossos adolescentes são completamente saudáveis, tanto física como psicologicamente.
Os problemas de saúde mental têm aumentado nos adolescentes?
Sim, e essa é uma situação muito preocupante. Os problemas de saúde mental têm aumentado porque há muitos pais no desemprego e os media mostram regularmente as dificuldades do mercado de trabalho em jovens, o que leva os adolescentes a pensar que não podem ter um projeto de vida. Há um programa irlandês para o desenvolvimento de crianças e adolescentes que se chama Better Outcomes, Brighter Future que tem três pilares: health, education and jobs (saúde, educação e emprego). Como podemos pedir a um adolescente que estude, que tire o seu curso, que cresça, que crie a sua independência, se em simultâneo mostramos que não há emprego para os jovens?
São também mais medicados do que os adolescentes de gerações anteriores…
Atualmente, é frequente o pai, a mãe, os avós e até os próprios adolescentes serem medicados com ansiolíticos ou antidepressivos e existe medicação disponível em toda a casa. Muitas vezes, são os próprios pais que dão acesso a calmantes e dizem aos filhos para tomar um ou meio comprimido por dia quando se sentirem mais nervosos. Tenho recebido no serviço de pediatria do Hospital de Santa Maria casos de automutilação que estava muito descrita em literatura mas que não era frequente em consulta de pediatria geral. Existem adolescentes que sentem uma angústia tal ou estão de tal forma deprimidos que se magoam e se cortam, numa tentativa de que a dor física supere a psíquica. Estas situações são angustiantes porque para se chegar a este ponto significa que a dor física já é completamente insuportável. Numa fase inicial, os pais banalizam a tristeza e a angústia do filho considerando tal atitude normal para a idade.
Quais os perigos da «linguagem eletrónica»?
As pessoas estão sempre com o telemóvel, já não conversam. Esta tendência piorou muito com os tablets e os smartphones. Algumas professoras já têm dificuldade em ensinar as crianças, no início da escola, a segurar no lápis porque estão demasiado habituados ao gesto de tocar no ecrã destes dispositivos. Por um lado, esta linguagem eletrónica pode ser um fator desestabilizador da concentração porque se habituam a ser estimulados a muita cor e muito movimento. Por outro, conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo. A partir dos 3, 4 anos, mesmo que tenham acesso a dispositivos eletrónicos, nunca deve ser mais do que meia hora a uma hora por dia. Associado ao tempo que estão com um jogo e a ver televisão, nunca devem aceder mais de duas horas por dia, independentemente da idade. Os pais chegam a casa cansados, têm imenso que fazer e já não há tanto tempo para brincar com as crianças.
Além desta tendência, os hábitos de sono também já não são os mais adequados…
Pelo menos uma hora antes de irem para a cama, devem desligar-se todos os aparelhos eletrónicos porque o cérebro fica alerta quando os utilizam. O autor Marc Prensky caraterizava as gerações como «nativos digitais» e «imigrantes digitais». Os adolescentes já nasceram na era digital e nós não estamos preparados para esta revolução. Estamos ainda a aprender a adequar o ensino e a forma como permitimos que os filhos utilizem estes dispositivos. Quase todos os adolescentes vão para a escola de carro ou de autocarro e já não vão a pé. Não raras vezes ficam dentro da sala de aula nos intervalos e apanham pouca luz solar de manhã. A luz matinal origina a síntese da hormona reguladora do sono – a melatonina – e à noite quando devem ter menos luminosidade é quando estão agarrados aos computadores, à televisão, aos telemóveis. A noite é interessante porque os faz sentir «crescidos».
Os pais devem dar o exemplo…
Os pais queixam-se de que eles passam o dia no computador, mas na verdade não lhes dão grandes alternativas. Devem promover atividades ao ar livre não os habituando desde muito pequenos a fazer birra pelo iPad. Ainda há escolas sem atividade física, principalmente a partir do 10.º ano, o que também não é admissível.
É importante impor limites?
É muito importante impor limites, como a hora a que o adolescente tem de estar em casa. Se a criança ou o adolescente não ganhar resiliência (capacidade de aceitar as contrariedades) e se teve sempre as vontades satisfeitas, a sua autonomia e independência podem ficar comprometidas mais tarde. É preciso aprender a educar a criança desde pequena e, apesar disso, o adolescente torna-se um verdadeiro desconhecido para os pais e a autoridade é encarada como injustiça. Costuma dizer-se que só saímos da adolescência e nos tornamos adultos quando nos esquecemos das ofensas que os nossos pais nos fizeram.
É talvez por isso que um adolescente lhe disse em consulta que «a adolescência é a fase em que os pais se tornam difíceis»?
É uma brincadeira, pois os pais costumam dizer que é difícil lidar com o filho adolescente. O que o meu adolescente queria dizer (e eu concordo) é que para eles também não é fácil lidar com os pais.
Considera que os adolescentes deviam ter mais ocupações durante as férias de verão?
Em Portugal, faz-me confusão que os adolescentes façam pouco voluntariado e não invistam em empregos de verão. O período de férias é enorme e sinto-os completamente aborrecidos. Vou todos os anos aos Estados Unidos e é frequente ver estudantes universitários ou estudantes dos últimos anos antes da entrada na universidade a trabalhar em restaurantes, o que lhes permite ganhar autonomia e independência.
Fonte: Notícias Magazine
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