As crianças e os adolescentes têm, cada vez mais, importância e protagonismo na vida dos pais. E se isso lhes dá espaço e atenções para crescerem, como talvez os pais nunca terão tido, acaba por se fazer acompanhar por algumas "faturas" exageradas. Porque se todos os pais desejam que os filhos valham por si mesmos, é normal que tentem sossegar com eles algumas "cicatrizes" que foram ficando do seu próprio crescimento. O que, quando se trata da escola, não torna a vida das crianças muito mais fácil. Primeiro, porque as realizações escolares dos pais terão sido, muitas vezes - ao contrário daquilo que dão a entender - difíceis e dolorosas ou terão ficado "aqui e ali" mais ou menos interrompidas. E, depois, porque aquilo que foi restando delas, na cabeça deles, acaba por estar depurado de alguma dor, o que contribui para dar um tom "almofadado" aos acontecimentos de vida que as terão condicionado: os lugares de onde vinham e as pessoas com quem cresceram, e que foram formatando as experiências, os resultados e as suas escolhas escolares. Tudo isto cria, como se compreende, "um mundo a duas velocidades", o que faz com que a escola dos pais e a escola dos filhos não sejam, em quase nada, parecidas. Como se isso não bastasse, acresce que nem sempre os sonhos dos dois pais, a sua relação com o trabalho e com as carreiras profissionais que foram sendo capazes de desenvolver, e a forma como eles próprios leem o mundo à sua volta e o interpretam numa projeção realista de futuro, representam modos equilibrados de ligar as competências que reconhecem nos filhos, aquilo que lhes é exigível na sua relação com a escola e com o mundo, e tudo o mais que seria suposto esperar que eles façam quando se trata de abrirem clareiras, trilhos e horizontes com a forma como lidam com a escola.
Por outras palavras, os primeiros (grandes) obstáculos para a motivação dos filhos são os pais! E não vale a pena fazermos disso nem uma leitura exorbitante nem uma ilação vitimizante. Se os sonhos dos pais podem representar uma "sobretaxa" para a motivação dos filhos em relação à escola, a aragem penosa com que muitos vivem o seu trabalho atual pesa um pouco mais. Mas, pior que tudo, a ausência dos seus sonhos na vida deles traria uma tão grande indiferença aos projetos dos filhos que os seus custos se tornariam piores. Sendo assim, antes haja sonhos, claro! Só que as famílias são, cada vez mais, pequeninas. E nem sempre os sonhos escolares da mãe e do pai cabem num só filho. Até porque, por mais que não o digam, se é razoável que os sonhos dos pais se projetem nos seus filhos, a esmagadora maioria dos pais terá tido com a escola uma relação complicada, o que faz com que as expetativas e as idealizações que colocam sobre a vida escolar da miudagem lá de casa venham acompanhadas de uma certa "vingançazinha" com que todos nós acabamos por tentar "limpar o cadastro" que as "nódoas difíceis" de alguns períodos da escolaridade que vivemos acabam por trazer à nossa vida.
Acresce que a escola, ela mesma, representa o segundo grande obstáculo à motivação dos alunos em relação a si própria. Porque ela vive, no seu todo (e com maiores responsabilidades para quem a dirige) em défices de atenção muito frequentes. E, em vez de se antecipar às transformações que as mudanças profundíssimas que a família, o acesso à informação e as alterações sociais e económicas têm trazido ao modo como se conhece e como se pensa (adequando tempos letivos, e conteúdos e formas de os comunicar), reage sem nunca pro-agir de forma empreendedora, imaginando que crianças mais livres, mais comunicativas, menos intimidadas e, por isso, mais acutilantes, devem transformar-se em alunos que prescindam da palavra, da relação, do brincar, da curiosidade e da dúvida, como se mais trabalho e mais sossego fossem as "passwords" para uma carreira de sucesso.
Finalmente, a escola e os pais ainda não perceberam que quem é "sobredotado" aos 4, "exemplar" aos 12, "jovem tecnocrata" aos 16 e mestre aos 22 não será, por inerência, singular. E, pior, muitos destes agentes educativos não querem mesmo entender que notoriedade e protagonismo são uma consequência da singularidade e da exceção e nunca o contrário. Ou seja, este ideal narcísico que mede o sucesso em relação a uma profissão pelo muito dinheiro que se ganha muito depressa, é insensato de todo. Porque vai empurrando a esmagadora maioria dos alunos para "casamentos de conveniência" com áreas de estudo que não têm "a sua cara". E estraga a imensa bênção do ensino obrigatório se ir estendendo, subtilmente, até ao fim de um mestrado qualquer (que todos os alunos, com mais ou menos trabalho, conseguem fazer), como se um curso superior, fosse ele qual fosse, acabasse por ser sempre melhor que um sonho que se desentranha do mais fundo da alma, que se configura com ensaios e com insucessos, e se acarinha com frustrações e com tempos de espera. Ou seja, somos todos nós - que passamos a vida a dar-lhes a entender que encontrar um caminho próprio e inimitável deve ser fácil, simples e sem dor - que complicamos os caminhos para a motivação dos nossos filhos. Como se connosco a motivação tivesse acontecido, alguma vez, dessa maneira. Mas será razoável que, depois de não os incentivarmos a lutar tanto como deviam, passemos o tempo a queixarmo-nos que os nossos filhos lutam pouco por aquilo em que acreditam? Por outras palavras: seremos nós todos - família, escola e sociedade - o terceiro obstáculo à motivação de todos eles.
E, depois, há os alunos. Mas será que alguma criança nasce desmotivada para crescer ou para aprender? Não! E será que, em relação à motivação, uns a tenham e outros não? De forma alguma. A motivação ganha-se ou perde-se; nunca se detém. O que acontece, então, para que um aluno pareça tornar-se... desmotivado? Em primeiro lugar, as crianças (como todos nós) só se sentem motivadas quando estão a ganhar. Sendo assim, é banal (e saudável, até) que, sempre que não se entendam a ganhar como desejariam, baixem os braços e, duma forma um bocadinho batoteira, desinvistam de uma determinada área que, a certo momento, acabe por lhes trazer alguma dor. É claro que, quanto mais desinvestem, mais ficam tolhidas pelo medo dessa área (tornando-se um bocadinho "burras" em relação a ela). E quanto mais esses dois aspetos dão as mãos, mais as dificuldades se instalam e mais chegam a uma espécie de pré-divórcio em relação a esses conhecimentos que pode nunca mais resolver-se. Em segundo lugar, as crianças só se sentem motivadas, seja para o que for, quando sentem aqueles de quem gostam e que respeitam motivados para si. O que é difícil quando todos, pais e professores, começam por ficar preocupados com algumas dificuldades das crianças e, a seguir, por falta de respostas para elas, vão de preocupação em preocupação e, em vez de solucionarem uma dificuldade, acabam por amplificá-la várias vezes. Finalmente, porque se não há como reabilitar a falta de motivação sem pessoas que convertam em entusiasmo e em simplicidade as dificuldades que, entretanto, se foram enovelando, a falta de motivação acaba por representar aquilo que ela é, realmente: uma forma de desistir sem desistência. Ou, se preferirem: um modo de ir desistindo sem se assumir, de forma aberta, a desistência.
Ora, aquilo que me preocupa é que se fale da motivação como se ela ou fosse um equipamento de base, da ordem do genético, ou uma escolha livre, ao alcance do mais simples dos gestos. O que não é verdade. Aliás, os adolescentes, sempre que manifestam a sua "falta de motivação" escudam-se nela para falarem, sobretudo, do medo de falharem, de não estarem ao nível daquilo que sentem que os pais esperam de si e, sobretudo, do pavor de, muito rapidamente, perceberem que os seus projetos e os seus sonhos ficam comprometidos ou hipotecados ao fim de um único trimestre de aulas. De forma brilhante, aliás, os adolescentes mais receosos são muito claros quando, justificando as "idas a jogo" que não assumem, advertem: "só irei investir em áreas em que eu saiba que sou bom". Como se "ser-se bom" não fosse uma descoberta que se vá configurando com ensaios e erros, e com ganhos e perdas, mas fosse uma "revelação" mágica e súbita que os devolvesse ao caminho que eles fogem de configurar. Não se sentirem motivados não significa, portanto, que não saibam aquilo que querem. Sabem, regra geral, muitíssimo bem. Mas representa uma forma de: querendo quase tudo, afirmarem que têm medo de fazer uma única opção; ou, reconhecendo as dificuldades que criaram em relação àquilo que construíram, irem escondendo os sonhos como se fossem trunfos secretos, quase como quem, ao desvalorizá-los ou ao negá-los, fosse assumindo, pela forma como os nega, o gosto tímido que os torna bem seus; ou, ainda, irem fugindo de perfilhar os seus sonhos, porque receiam não encontrar neles o ponto de encontro entre aquilo que desejam e os sonhos que, de uma forma mais ou menos aberta, os pais (mesmo quando acentuam que não os influenciam) foram alimentando para eles. Por outras palavras: falta de motivação em "tradução simultânea" significa medo. Muito medo! Medo do qual se foge. E, isso sim, é proibido!
A motivação das crianças em relação à escola não passa, então, sobretudo por elas. Mas pela forma como lidam com as dificuldades que se geram entre elas, a família e a escola. Sendo certo que nunca é alheia ao desejo e à paixão. Por outras palavras, primeiro, desponta o desejo de conhecer um assunto ou uma área que despertou curiosidade e beleza. A seguir, surge a paixão por um professor, que abre uma avenida larga para o amor por uma área de conhecimento, tomando-a simples, clara e fascinante. E, depois, vem o trabalho, no sentido de corresponder, com saltos de crescimento, aos desafios que ele terá mobilizado. Isto é: só muito raramente é que a motivação é alavancada, dentro de cada aluno, pela ira. No sentido de mostrar a quem não acredita nele que estará enganado. Mas aqui motivação é sinónimo de um amor mal assumido. Ajuda (temporariamente), claro, mas não é uma forma interminável de alimentar a motivação. Até porque não há modo de ligar, para sempre, rancor e paixão.
Qual é, então, a melhor forma de animar a motivação de uma criança? Perceber porque é que ela terá esmorecido em relação a uma matéria ou à escola, no seu todo. Ponderar, com sensatez, onde entram os pais e a própria escola nessa dificuldade. Trabalhar, com "legendas" no sítio, de forma personalizada e perseverante, a dificuldade que, entretanto, se enquistou. Devolver um aluno ao entusiasmo de aprender, à curiosidade e à acutilância. E, claro, não ficando numa postura do género "a motivação é o diabo". Como se ela fosse enigmática, misteriosa ou inacessível. Em resumo, a motivação não é nem um impulso nem uma necessidade. É aquilo que veste um ato de fé. E é um gesto de esperança. Com memória e com futuro.
Eduardo Sá
Fonte: Leya Educação
Sem comentários:
Enviar um comentário