A epilepsia é uma das mais frequentes doenças neurológicas com especial incidência nas crianças/jovens e idosos. Calcula-se que uma em cada 100 crianças tenha ou venha a desenvolver esta perturbação e, em Portugal, surjam cerca de 4000 novos casos por ano.
De acordo com a Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) esta patologia é definida como um conjunto de perturbações em que existe uma predisposição aumentada para a ocorrência de crises epiléticas e a ocorrência de pelo menos uma crise epiléptica não provocada, refletindo disfunções cerebrais que podem resultar de diversas causas e que tem consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais.
Se é objectivo primário e fundamental o controlo das crises epilépticas, as consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais resultantes desta perturbação são, cada vez mais, alvo de especial atenção quer de médicos e técnicos de saúde como de professores, familiares/cuidadores e, naturalmente, do próprio portador de epilepsia. Sem surpresa, surge promovida pela ILAE, uma campanha a nível europeu com o mote "Epilepsia é mais do que ter crises".
O grau de gravidade das epilepsias é extraordinariamente vasto. Desde epilepsias farmacorresistentes onde o recurso a cirurgia da epilepsia é colocado como hipótese, até epilepsias benignas da infância, onde as crises e consequências são escassas e, em muitos casos, não existe a necessidade tratamento farmacológico. Felizmente, a (larga) maioria dos casos de epilepsia em crianças são de baixa gravidade. Não obstante é fundamental estar alerta às consequências "para além das crises".
Estas podem estar directamente relacionadas com a doença. Por exemplo, podem surgir perturbações cognitivas temporárias relacionadas com as crises epiléticas, como também o desempenho cognitivo das crianças e jovens portadores de epilepsia pode encontrar-se afectado a longo prazo. São diversos os factores que fazem variar o desempenho cognitivo, como a idade de início, o tipo de crises, a medicação e o ambiente familiar. De uma forma geral, podem destacar-se défices ao nível da linguagem, da memória verbal, não verbal e memória de trabalho, da atenção, das funções executivas (principalmente inibição, flexibilidade cognitiva e tomada de decisão) e redução na velocidade psicomotora.
Outras serão resultado da forma como se vive com a doença. A epilepsia está associada a um elevado estigma social. O portador de epilepsia torna-se mais dependente, pode ser alvo de superprotecção e encontrar mais restrições. Encontra também maiores dificuldades ao nível das relações entre pares e, no caso dos adolescentes, nas relações amorosas. Também menores níveis de auto-estima e auto-confiança, surgindo sentimentos como vergonha, expectativas negativas sobre a forma como são vistos e tratados. Não são raros os casos de ansiedade e humor depressivo, no próprio ou na família.
Dois estudos recentes demonstram a falta de conhecimento e o estigma associado a esta patologia.
Um estudo comparativo com adolescentes entre os 13 e 16 anos avaliou os "Conhecimentos e Impacto social da Epilepsia e Asma" (Fernandes, 2012). Os resultados demonstraram diferenças significativas com prejuízo da epilepsia:
- apenas 12.5% dos estudantes demonstraram conhecimento sólido sobre a patologia;
- uma minoria de 6.3% saberia agir correctamente perante uma crise;
- a maioria dos adolescentes entrevistados demonstra maiores reservas em contar a pessoas próximas (familiares, amigos ou professores) que padece de epilepsia quando comparado com asma;
- manifestam também reservas em casar com alguém com estas patologias, mas sobretudo com epilepsia (-10% que com asma);
Um outro estudo (Pereira, 2014), avaliou o conhecimento e atitudes face à epilepsia de professores do ensino secundário, no qual se destacam dados como:
- fraco conhecimento sobre a doença (16% consideram uma doença psiquiátrica, mais de metade não sabe que os antiepilépticos causam sonolência ou que a epilepsia pode causar dificuldades de aprendizagem e apenas 56% alguma vez tinha lido informação sobre a doença);
- apesar de 93% dos professores demonstrar atitudes integradoras na escola relativamente a alunos com epilepsia, cerca de 33% não sabe indicar carreiras adequadas para estes doentes;
- pouca preparação para lidar com uma crise (75% nunca realizou treino de suporte básico de vida e 54% colocaria algo na boca do doente que convulsiva).
Do estudo fica presente a necessidade de aumentar o conhecimento dos professores sobre a epilepsia e como agir perante uma crise convulsiva, reforçando a informação e sensibilização não só deste grupo profissional como do público em geral.
A epilepsia é uma perturbação frequente nas crianças e jovens. É uma perturbação que pode estar associada a consequências que "vão além das crises epilépticas", correlacionando-se com dificuldades cognitivas e psicológicas que devem ser estudadas e acompanhadas. Acarreta, ainda nos dias de hoje, um estigma a nível social fruto, provavelmente, de um desconhecimento face à natureza da epilepsia. Este desconhecimento e estigma são preocupantes e devem (têm) de ser combatidos.
Ricardo Lopes
Neuropsicólogo no CADIn
Fonte: Público
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