segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Qual o futuro das crianças com dificuldades de aprendizagem?

Em cada sala de aula pode existir pelo menos um aluno que, apesar de ter uma capacidade intelectual normal, não consegue aprender a ler, escrever ou calcular ao mesmo ritmo dos colegas (dislexia, disortografia ou discalculia). Para além destes alunos com dificuldades de aprendizagem específicas, as nossas turmas nas escolas são turmas com uma grande heterogeneidade de alunos, em que cada um tem características próprias que carecem também de atenção especial por parte dos professores. Qual o futuro das crianças com dificuldades de aprendizagem?

A legislação atual que regula a educação inclusiva, o Decreto-Lei n.º 54/2018, estabelece a escola como um local onde todos e cada um dos alunos encontram respostas que lhes possibilitam a aquisição de um nível de educação apropriado, assim como respostas às suas potencialidades, expectativas e necessidades.

A necessidade de reconhecer a diversidade dos seus alunos e lidar com essa diferença coloca novos desafios e exigências a cada escola. Contribuir para que todos os alunos atinjam o seu potencial é mais do que dar a matéria toda ou chegar ao fim do manual. Também é função da escola ensinar os alunos a assumirem a responsabilidade pela sua aprendizagem, ajudá-los a adquirir competências ao longo da escolaridade obrigatória que lhes permitam exercer uma cidadania plena e ativa. O ensino, neste momento, não consiste em transmitir conhecimentos imutáveis ou técnicas programadas, mas sim em promover competências como a adaptabilidade, criatividade, pensamento crítico, capacidade de comunicação e de relacionamento interpessoal que possibilitem a criação de habilidades de adaptação às mudanças que a sociedade anuncia. Para isso, os professores precisam de abandonar ou superar modelos pedagógicos anteriores, muitos deles baseados em modelos de segregação, e munirem-se de estratégias que possibilitem maior aprendizagem e envolvimento dos alunos.

Desenvolver competências como a autorregulação da aprendizagem justifica-se, uma vez que esta promove a apropriação de conhecimentos e competências necessárias para a vida pessoal e profissional. A autorregulação da aprendizagem é um processo ativo, através do qual os alunos definem objetivos, planeiam o seu trabalho, tomam decisões estratégicas, monitorizam os processos cognitivos, fazem a gestão de emoções e de recursos, refletem e avaliam os resultados que obtiveram. É o mecanismo que nos possibilita gerir ou regular pensamentos, sentimentos e comportamentos, que se manifestam em ações planeadas e ciclicamente adaptadas para a obtenção de metas e de objetivos pessoais. Este processo é influenciado por fatores metacognitivos, motivacionais, sociais ou culturais. Quando uma criança estabelece um objetivo de aprendizagem e o seu planeamento estratégico, entram em ação as crenças sobre a sua autoeficácia e as suas expetativas de realização, interesse intrínseco, conhecimentos ou experiências anteriores, que vão determinar o sucesso da tarefa. Por exemplo, é comum ouvirem-se pais a afirmar algo do género “eu também nunca fui bom a Matemática” perante as más notas das crianças e jovens nesta disciplina, evidenciando uma cultura em que é normal chumbar na disciplina de Matemática e promovendo a crença que também elas talvez não venham a ter sucesso na disciplina. Outra situação em que podemos influenciar os processos autorregulatórios na aprendizagem das crianças é no momento em que elas entram para a escola, ouvimos frequentemente “vais para a escola, tens de trabalhar para ter boas notas e passar de ano”, explorando pouco os interesses e motivos pessoais das crianças para aprender.

Quando as crianças são envolvidas no processo de decisão sobre as aprendizagens que se propõem realizar, conseguem comprometer-se com o objetivo a alcançar e desenvolver sentimentos de competência. Exercícios como o desenvolvimento de registos diários que envolvam descrições como “hoje quero aprender…, acho que vou conseguir…”, refletir ou tomar consciência do procedimento que usaram, fazer revisões, avaliar os conhecimentos adquiridos, realizar pesquisas ou resumos são formas de desenvolver a autorregulação da aprendizagem.

O futuro das crianças com dificuldades de aprendizagem prepara-se no agora, numa escola que valoriza os alunos, que ensina a aprender a aprender, a aprender a fazer, a aprender a ser e a aprender a viver com os outros.

Rira Branco

Psicóloga educacional do CADIn

Fonte: Público

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