A taxa de retenções em Portugal nunca foi tão baixa, sendo superior no ensino secundário, em que atingiu um valor de 13,6% em 2017-2018, quando no ano letivo 2008-2009 se situava nos 18,7%. No ensino básico, passou de 7,6% para 5%. Mas o país ainda continua a integrar a lista daqueles que reúnem os piores resultados. Atualmente, quase 35% dos alunos com 15 anos contam com pelo menos um "chumbo" no seu currículo.
Por isso, "é preciso trabalhar para a redução das retenções", alerta o secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE). Mas "não o devamos fazer administrativamente". Uma discussão à qual o ministro da Educação já respondeu, garantindo que a ideia não passa pela "eliminação administrativa" de "chumbos". Em entrevista à agência Lusa, esta quinta-feira, Tiago Brandão Rodrigues alerta que aquilo a que a tutela se propõe é passar a acompanhar mais de perto os alunos que têm dificuldades, de forma a acabar com os "chumbos".
João Dias da Silva lembra que a FNE "tem aprovado os documentos do Conselho Nacional de Educação (CNE) que se debruçam sobre esta matéria". Contudo, "no contexto em que estamos, uma medida isolada que visa determinar que não há retenções até ao 9.º ano de escolaridade parece-nos precipitada e inconsistente". Ecritica o facto de o ministério não ter contado com mais parceiros para anunciar esta medida. "Uma decisão destas não deve ser tomada de cima para baixo, sem o envolvimento de professores e encarregados de educação".
Esta interpretação restritiva do programa do governo já conduziu "a uma grande instabilidade nas escolas", alerta o dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima. "Acho que o governo não quis dizer isto, porque não pode valer tudo para chegarmos a uma taxa de retenção zero. Mas o ministério tem de concretizar, porque isto está a gerar uma grande instabilidade nas escolas. Os professores estão a interpretar o programa de uma forma restritiva", conta.
Chumbar "pode ser benéfico"
Durante o debate quinzenal no Parlamento, a propósito deste tema, o primeiro-ministro foi respondendo às críticas da oposição a partir de teses mencionadas em relatórios, que apontam a retenção como uma medida negativa no percurso escolar do aluno. Na mão, segurou o estudo Será a repetição de ano benéfica para os alunos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), assinado por três especialistas. Entre eles, Luís Catela Nunes, professor da Nova School of Business and Economics (Nova SBE).
"As retenções multiplicam as retenções", argumentava António Costa. E o relatório também não vê com bons olhos os chumbos, pelo menos no 1.º ciclo, segundo a amostra analisada no documento. "O estudo pretendia analisar se era benéfico chumbar alunos até ao 4.º ano", explica Luís Catela Nunes. "A conclusão a que chegamos é que os benefícios existiam, mas eram marginais. Por isso, estariam a chumbar-se alunos de mais em Portugal."
Mas alerta que pode ser perigoso concluir imediatamente o mesmo relativamente aos restantes anos de escolaridade. "Há o risco de o aluno ir progredindo ao longo do 1.º e 2.º ciclo sem qualquer feedback, para ele, para a escola e para os pais. Sem ninguém ter noção se estão atrasados, tornando muito difícil recuperá-los quando chegam ao 9.º ano, senão impossível", aponta o especialista em economia da educação.
O primeiro passo desta discussão, diz, é "fazer desta política uma política bem fundamentada". "O que me preocupa numa política destas é ser algo que terá um impacto muito grande na forma de ensino e não haver, do ponto de vista da fundamentação, algo que diga - além da questão monetária - quais as vantagens ou desvantagens. Uma política tem de ser muito bem fundamentada, nas várias dimensões. E seria importante ter esta análise, sobretudo feita para Portugal, porque há outros estudos referentes a outros países que indicam que reprovar um aluno, em geral, não é a melhor forma de o apoiar, em termos pedagógicos. Mas em Portugal pode não ser. São decisões que afetam profundamente o sistema educativo, como há alguns anos quando se decidiu não fazer exames nacionais no 4.º e 6.º ano", lembra.
O docente acredita que é preciso olhar para esta problemática, que tem colocado Portugal no topo da lista onde estão outros países com maior quantidade de chumbos por alunos, como o Brasil, França e Luxemburgo. "É preciso preparar os professores e pensar em formas alternativas para levar os alunos ao sucesso", mas Portugal tem outros desafios demográficos. "Há cada vez menos alunos e cada vez entram menos professores nas escolas", sendo que os que já lá estão integram uma classe envelhecida. "Até que ponto é que eles são capazes ou pensarem em formas alternativas para levar os alunos ao sucesso?", lança.
O debate "deve ser outro"
Assim como a grande franja da audiência deste debate, também os pais têm mostrado estar "cheios de dúvidas" para as quais "ainda não têm resposta", conta o dirigente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) (...). Mas Jorge Ascenção acredita que se tem olhado para a discussão do ângulo errado: "Isto não está a ser levado a fundo."
Segundo o representante dos pais, "há muita hipocrisia neste debate". "Porque toda a gente diz que a educação é um direito, mas depois acham natural que todos aqueles que têm mais dificuldades financeiras e menos capacidades de aprendizagem não tenham direito às condições para aprender. Há muitas fragilidades no ensino que as famílias só conseguem colmatar com recurso a explicações, por exemplo. Estamos a discutir retenções quando o problema é mais profundo", alerta.
Para mudar as estatísticas, é preciso repensar o sistema educativo, diz. "Se calhar, temos de começar a perceber por que é os alunos chegam ao 5.º ano sem as bases. É porque passaram sem aprender? É. Então, mas porque é que não aprenderam? A questão deve ser: como é que nós fazemos com que a escola cumpra a sua missão, que é ajudar todas as crianças a aprender?", remata.
Jorge Ascenção espera que o novo plano do governo não seja "uma medida economicista". Pois seria "o mesmo que comprar um produto barato que avaria dez vezes mais do que um produto mais caro mas que nunca avaria". Ainda que a despesa possa parecer maior à partida, "economicamente pode sair mais vantajosa, porque fica muito caro ao país ter muitos cidadãos pouco capacitados".
Fonte: DN
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