Dedica-se à inovação no ensino há duas décadas. Aos 64 anos, o seu entusiasmo perante o potencial da Inteligência Artificial no contexto da sala de aula surpreenderia muitos jovens estudantes. (...) Vijay Kumar, diretor-adjunto de Aprendizagem Digital do MIT, fala da importância de estimular “bons comportamentos de aprendizagem” numa sociedade que enfrenta o perigo de perder a curiosidade, tal é a profusão de informação disponível à distância de um clique. Grande defensor da educação aberta, antevê que nas salas de aulas do futuro não haverá alunos aborrecidos e que, provavelmente, continuarão a existir manuais escolares, mas não exatamente como os conhecemos. O futuro do ensino, acredita, não pode ser uma mera extensão do presente.
Se um professor do século XIX entrasse numa sala de aulas do século XXI não ficaria em choque, pois não?
Creio que não. Pelo menos, não inteiramente. O mais surpreendente seria o facto de agora conseguir ensinar um grupo muito maior de estudantes ao mesmo tempo, sem sacrificar a qualidade do ensino, graças aos instrumentos trazidos pela tecnologia. O menos surpreendente seria o facto de ele continuar a ser necessário para interagir com os estudantes. O papel do professor mudou, mas não foi eliminado.
Qual deve ser hoje o seu papel?
Os professores devem ser facilitadores da aprendizagem ativa. Uma turma pode estar focada na aprendizagem ativa, fazer experiências e usar tecnologia de visualização interativa, mas se o professor continuar a um canto a debitar matéria e a mostrar powerpoints será um desastre. O professor tem de se tornar mais participante no processo de aprendizagem, juntamente com os alunos.
Quais são as novidades tecnológicas que mais o entusiasmam no contexto da sala de aula?
Seguramente, a Inteligência Artificial (IA) e os big data (informação armazenada digitalmente). A IA permite diferentes graus de personalização, no sentido em que é capaz de detetar o que não foi compreendido, por exemplo, através da análise de dados ou de tutores digitais inteligentes. Assim, torna-se possível gerir a aprendizagem de acordo com os progressos e os erros dos alunos, colocando-os no caminho do sucesso. Com o machine learning e os avanços na IA, temos o potencial de aumentar significativamente a personalização do ensino.
E os big data?
Os big data permitem-nos extrair e analisar o volume tremendo de informação disponibilizado por quem frequenta cursos online e perceber qual a melhor forma de apoiar o estudante autónomo. Cada vez mais a nossa aprendizagem é autónoma, e por isso é importante sabermos quais são as dificuldades dos estudantes autónomos, como procuram ajuda, como formam grupos… Podemos saber isto tudo com a IA e os big data.
A aprendizagem online depende muito da disciplina do aluno. Concorda?
Sim, mas não mais do que a aprendizagem tradicional. Nós, professores, achamos que chegamos à sala de aulas e impomos disciplina, mas não é bem assim. Neste caso, eu não lhe chamaria disciplina, diria antes que o aluno assume uma maior responsabilidade pela sua aprendizagem. Temos de refletir sobre o que queremos dizer quando falamos de aprendizagem online, não estamos a falar de uma palestra de duas horas em vídeo, mas de pequenos vídeos acompanhados de experiências interativas, com testes frequentes, encontros presenciais… Quando falo em aprendizagem online refiro-me a tudo isso.
Por que razão é tão difícil mudar a dinâmica da sala de aula? Já lhe chamou a “inércia do sucesso”…
Ou a inércia do que é entendido como sucesso… As instituições de ensino otimizaram um modelo educativo difícil de abandonar porque no passado deu resultados. O que me parece arriscado e perigoso é o modelo do presente não estar a conduzir ao sucesso. Os estudantes não têm a preparação adequada para tirarem partido das novas formas de aprendizagem que estão a surgir, nem para enfrentar o mercado de trabalho. Todos os domínios da sociedade estão a mudar através da infusão do digital. Basta pensar numa coisa tão simples como os mapas, que se transformaram em milhões de imagens no Google Earth e depois em sistemas inteligentes de GPS nos nossos telemóveis. O conhecimento exigido para ser um membro produtivo da sociedade está a mudar. Este modelo não nos dá a capacidade de sermos flexíveis e ágeis para acomodarmos as novas tecnologias.
Mas a adesão à tecnologia não deveria ser fácil?
Seja qual for a mudança, as pessoas têm de ter a perceção do seu valor. Quando inserimos novas tecnologias na sala de aulas, deve ser óbvio que elas melhoram e tornam mais fácil a experiência dos alunos. E esses resultados têm de ser facilmente atingidos. Temos de perceber de que forma a mudança poderá fazer a diferença. Isso exige tempo e esforço. E deve ser avaliado.
Depreendo que já não faz muito sentido dizer que o atual modelo de ensino é bem-sucedido…
Exatamente. Nós somos o que medimos. Se introduzirmos novas tecnologias na sala de aula e medirmos o que costumávamos medir – a repetição e a memorização –, obviamente vamos dizer que as tecnologias não estão a fazer nenhuma diferença. Mas a tecnologia dá-nos a oportunidade de avaliarmos a forma como medimos o sucesso. Será apenas pela quantidade de matéria do manual escolar que se consegue dar? Ou será através do entendimento dos conceitos? Será apenas pelo número de estudantes graduados? Ou será antes pelo número de estudantes graduados relevantes no mercado de trabalho? O que consideramos um sucesso está a mudar.
A tecnologia também parece fundamental para os nativos digitais serem felizes na escola.
Possivelmente. A felicidade é uma condição interessante. É um conceito muito aberto, mas acredito que o compromisso dos estudantes pode ser maior com o recurso à tecnologia. Os alunos ficam menos propensos a estarem sentados passivamente a receber informação, empenham-se nas atividades e comprometem-se consigo e com os pares. Em vez de dizer felicidade, eu diria que a tecnologia é fundamental para os nativos digitais se empenharem e desfrutarem da aprendizagem.
Os manuais escolares já deviam ter desaparecido das salas de aulas?
Não. Os manuais escolares são uma maneira eficiente de chegar a determinados recursos de aprendizagem, partindo do princípio que os seus autores têm o conhecimento necessário sobre os temas. Nesse sentido, os manuais não deveriam desaparecer. Agora, também é possível fazer a mesma seleção de recursos digitalmente. Se pensarmos no manual escolar enquanto lente que permite olhar para um assunto, então ele não deveria desaparecer.
Até que ponto tem de se mudar o ensino para se preparar a nova geração para um mercado de trabalho profundamente alterado pela tecnologia?
Quando falamos de mercado de trabalho, não estamos só a falar dos empregos que as pessoas devem estar preparadas para assumir, mas também da capacidade de criarem elas próprias empregos. É preciso garantir que os domínios de competência que as instituições de ensino oferecem correspondem às competências exigidas pelo mercado de trabalho. A tecnologia facilita que pessoas com competências e motivações diferentes possam trilhar percursos adequados à carreira que procuram, com base nos conhecimentos que já têm, e consoante as necessidades do mercado.
A revolução tecnológica está a tornar-nos menos disponíveis para aprender porque está tudo a um clique de distância? Serão os estudantes de hoje menos curiosos?
Enfrentamos esse perigo, mas é nossa responsabilidade impedir que isso aconteça. Dizemos permanentemente que conteúdos não são conhecimento e que aprender não é apenas decorar conteúdos, o que está relacionado com a questão da disciplina: o que devemos tentar introduzir são bons comportamentos de aprendizagem. A forma como compilamos a informação, como criamos experiências de aprendizagem, deve ser feita de forma a despertar o compromisso e a curiosidade das pessoas. A avaliação é o Santo Graal da boa aprendizagem, certo? Se a avaliação escolar se focar nos conceitos apreendidos, mitigamos o risco de as pessoas pensarem que o conhecimento é apenas informação a um clique de distância.
Qual o papel da educação no progresso dos países em desenvolvimento?
Se há um segmento da população que pode beneficiar da combinação entre aprendizagem presencial e online são os residentes dos países em vias de desenvolvimento. Falo muitas vezes sobre como o ensino aberto e a tecnologia permitem garantir experiências de ensino de qualidade em grande escala, a custos razoáveis e sem sacrificar a qualidade. Nos países em vias de desenvolvimento isso é essencial porque são necessários recursos humanos qualificados em todos os setores e o modelo educativo tradicional não tem capacidade de resposta.
O que pode a tecnologia fazer pelos 3,7 milhões de crianças deslocadas que não vão à escola?
Lançámos um programa no MIT, o MicroMasters, através do qual as pessoas podem fazer cursos online com a qualidade do MIT e, se passarem nos exames, tornam-se elegíveis para completarem um semestre presencialmente e ficarem com o grau de mestrado. Embora este programa seja para pessoas mais velhas, podemos projetar e ampliar oportunidades semelhantes para alunos mais jovens. Estamos a começar a trabalhar com crianças em campos de refugiados na Jordânia através do programa Jameel World Education Lab. Quando pensamos em pessoas deslocadas, pensamos em crises político-sociais, como o conflito na Síria, mas amanhã pode ser o aquecimento global. As pessoas deslocam-se cada vez mais e as oportunidades educativas devem ir atrás delas para onde quer que vão. E não apenas no sentido geográfico, mas também no sentido de em qualquer lugar onde o estudante esteja em termos de preparação, motivação e objetivos.
Consegue imaginar como será a sala de aulas do futuro?
Será o mundo! [risos] A sala de aulas será onde estivermos, mas também estará desagregada, vamos a um local para ter acesso a vídeos, a outro para nos encontrarmos com pessoas e a mais outro para fazermos atividades… A sala de aulas do futuro talvez não se chame sala de aulas e, tenho esperança, será muito mais entusiasmante. Quando os alunos adormecerem será mesmo porque estão sonolentos e não por a aula ser uma seca! [risos]
Disse, em tempos, que “a parte mais difícil de imaginar o futuro é desimaginar o passado”. O queria dizer?
Quando falamos em aprendizagem online ou à distância, descobrimos que a nossa referência continua a ser a de antigamente: “Como podemos trazer mais alunos para a instituição?”, em vez de “como podemos envolver mais alunos na experiência de aprendizagem?”. O modelo de referência tem de mudar. Se imaginarmos um futuro em que os alunos tem acesso a oportunidades de aprendizagem em qualquer lugar, onde a formação é baseada em necessidades, em que a aprendizagem acontece porque se olha para o ecossistema da aprendizagem, e não apenas para o que acontece antes de se chegar ao mercado de trabalho, então será totalmente diferente. Se continuarmos a imaginar o futuro como uma extensão do presente não estamos a imaginar verdadeiramente um novo futuro.
Fonte: Visão por indicação de Livresco
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