Os alunos portugueses do 4.º ano de escolaridade (9/10 anos de idade) são os que mais afirmam gostar muito de ler (72%) e aparecem em segundo lugar na afirmação de que têm “grande empenho” nas aulas (83%). Mas nos testes que aferiram a sua literacia em leitura, realizados em fevereiro de 2016, a média destes estudantes (528) desceu 13 pontos por comparação a 2011 (541), data da última avaliação. São os resultados do estudo Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS), divulgados nesta terça-feira. Participaram 50 países.
O PIRLS, que se realiza de cinco em cinco anos, avalia a literacia em leitura dos alunos do 4.º ano de escolaridade, uma etapa de transição considerada “fundamental” pela agência independente International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA, na sigla em inglês), que promove o estudo. Nesta avaliação, a noção de literacia em leitura assenta não só no saber ler, mas também na capacidade de refletir sobre o que se lê e na sua utilização para alcançar objetivos individuais e para a vida em sociedade.
Entre os 50 países testados na edição de 2016, Portugal ocupa o 30.º lugar. Em 2011, primeiro ano em que o país participou no PIRLS, conseguiu ficar na 19.ª posição. A pontuação média na escala do PIRLS, que vai de 300 a 700, é 500. Portugal continua, portanto, acima da média, mas a quebra nos resultados é a segunda maior registada em 2016. Só o Irão, com uma descida de 29 pontos, ultrapassa Portugal.
Estes resultados estão em contracorrente com os desempenhos obtidos pelos alunos portugueses nos últimos estudos internacionais realizados em 2015. Nesse ano, os estudantes portugueses foram apontados como os que mais progrediram tanto no que respeita à literacia em matemática avaliada também no 4.º ano de escolaridade pelo TIMMS (Trends in International Mathematics and Science Study), como na literacia em leitura, matemática e ciência no âmbito do PISA (Programme for International Student Assessment), que avalia alunos mais velhos (de 15 anos) e é promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Metas e fim dos exames
Os alunos portugueses que em 2016 realizaram o PIRLS fazem parte do primeiro grupo a ser abrangido, em todo o 1.º ciclo do ensino básico, pelas metas curriculares definidas no mandato de Nuno Crato e que foram criticadas pela Associação de Professores de Português, nomeadamente por estarem em contradição com o programa que estava em vigor para a disciplina. Em 2015/2016, quando estavam no 4.º ano de escolaridade, estes alunos foram também surpreendidos pelo anúncio do fim dos exames nacionais, que então já estavam a preparar.
“As mudanças na avaliação dos alunos e no currículo podem interferir diretamente nestes resultados”, admitiu (...) o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamento e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, sublinhando contudo que esta é, por agora, apenas uma “hipótese” de interpretação.
Lembrando que há muito tem vindo a ser pedido um “pacto na educação”, que coíba os sucessivos governos de operarem mudanças profundas no setor, Filinto Lima defende que o Ministério da Educação deve agora “analisar com os professores e diretores quais as razões” para a descida no PIRLS e operar em função disso. Tudo isto, acrescenta, evitando a tendência “bipolar que ora nos faz dizer que somos os melhores do mundo para logo de seguida nos apresentarmos como os piores”.
Para a presidente da Associação Nacional de Professores de Português (Anproport), Rosário Andorinha, os resultados do PIRLS vêm confirmar que “tem de haver uma mudança na formação de professores e nas didáticas e metodologias utilizadas”.
“Há uma imensa preocupação em dar conta de todos os descritores [nas metas para o 4.º ano são quase 100] e pelo meio esquece-se o processo ou seja, a compreensão” do que está a ser apresentado, adianta, acrescentando que os alunos são muito vezes submersos em conceitos deixando-se de lado o que “é realmente importante: ler, compreender, escrever”.
Já o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, não tem dúvidas de que os resultados obtidos no PIRLS “não correspondem à realidade do que os alunos sabem”. “Os alunos portugueses têm vindo a melhorar de ano para ano, só que muitas vezes não dão importância a este tipo de provas e por isso estas nem sempre refletem o que de facto sabem”, frisa.
Raparigas mais perto dos rapazes
Na edição de 2016 participaram no PIRLS 319 mil alunos e 11 mil escolas. A amostra portuguesa foi constituída por 4642 alunos e 218 escolas. A lista dos países em que os alunos do 4.º ano de escolaridade têm melhores resultados na literacia em leitura é semelhante à de 2011: Federação Russa (581 pontos), Singapura (576), Hong Kong (569), Irlanda (567) e Finlândia (566). Vários destes Estados estão também no pódio dos estudos do PISA.
Uma conclusão comum a 48 dos 50 países avaliados: o desempenho das raparigas é melhor do que o dos rapazes. Tem sido assim desde 2001, quando o PIRLS se iniciou. Portugal já fez parte desta lista, mas em 2016 o fosso entre rapazes e raparigas praticamente se dissipou. Elas continuam a ter melhores resultados, só que ficam apenas a dois pontos de diferença deles, quando em 2011 estavam a 14 de distância.
Para esta nova proximidade, que não existia nem em outros estudos internacionais, nem nas provas nacionais, contribuiu o facto dos resultados das raparigas terem tido uma descida bem maior em 2016 do que a registada pelos rapazes. A média delas desceu 19 pontos (de 548 para 529), enquanto a deles baixou sete pontos (de 534 para 527).
Competências digitais
Existem sempre dois tipos de textos utilizados no PIRLS: narrativas de ficção e artigos informativos. Na análise do desempenho dos alunos tem-se em conta os principais processos de compreensão da leitura: localizar e retirar informação explícita; fazer inferências diretas; interpretar e integrar ideias e informação; analisar e avaliar criticamente o conteúdo e outros elementos textuais.
Dos 50 países que participaram no último estudo do PIRLS, 41 estiveram presentes também na edição de 2011: 27 melhoraram os seus resultados na compreensão da leitura e 14 pioraram. Portugal está neste último grupo. Os resultados dos alunos portugueses desceram 14 pontos (542 para 528) na avaliação da sua capacidade em localizar informação e fazer inferências directas e 13 (539 para 526) na interpretação e avaliação crítica dos textos.
A par do PIRLS foi realizado em 2016, pela primeira vez, um outro estudo com vista à avaliação das competências digitais dos alunos. Catorze países, entre os quais Portugal, participaram neste ePirls. Com uma média de 522 pontos, os alunos portugueses ficaram em 12.º lugar, embora estejam em segundo na perceção que têm da sua eficácia digital. À frente, nos resultados, ficaram os de Singapura (588), Noruega (568) e Irlanda (567).
Nos questionários realizados a par do PIRLS os alunos portugueses disseram o seguinte:
- 72% afirmaram que gostam muito de ler. A média internacional neste item é de 43%
- 84% declararam-se muito envolvidos nas aulas de leitura. A média internacional é 60%
- 33% disseram que nunca chegam cansados à escola contra uma média de 18%
- 57% disseram que nunca chegam com fome à escola. A média internacional é 33%
- 12% afirmaram que são vítimas de bullying todas as semanas. A média é de 14%.
- 82% manifestaram um forte sentimento de pertença à escola contra uma média de 59%.
Nos questionários realizados a par do PIRLS os professores e diretores portugueses disseram:
- Estão em escolas onde 42% dos alunos são oriundos de meios desfavorecidos contra uma média de 29%
- Estão em escolas onde 49% dos alunos têm professores que se dizem muito satisfeitos com a sua profissão. A média é 57%.
- 78% declararam que a aprendizagem é relativamente afetada por falta de alguns recursos de leitura. A média internacional é 62%.
Fonte: Público por indicação de Livresco
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