Entrou no gabinete completamente transtornada. O pai, separado da mãe há cerca de um ano, anunciara que tencionava voltar a casar novamente e que desejava ter mais filhos desta nova relação. Para além desta notícia, no fim de semana encontrara o seu quarto, aquele onde dormira os primeiros dez anos da sua vida, completamente transformado. Os móveis tinham sido trocados e os seus brinquedos, juntamente com os do seu irmão mais novo, tinham sido colocados num canto da garagem.
"Sinto muita raiva do meu pai. Como é que ele não liga aos filhos que tem e tenciona ter ainda mais?! Não voltarei a passar o fim de semana com ele e com aquela mulher que quer ocupar o lugar da minha mãe. Ainda por cima, acabou com o meu quarto. A decoração está horrorosa". No meio de toda aquela fúria, as lágrimas saltaram e eu percebi claramente toda a sua angústia. No período de um ano, a Joana deixou de ter os pais juntos, mudou de cidade e de casa, de escola, de amigos e afastou-se da sua família de origem, nomeadamente dos avós com quem tinha laços de grande afeto. Agora que os seus sentimentos estavam a estabilizar e que começava a sentir algum equilíbrio, fora confrontada com mais três novidades, todas elas difíceis de gerir.
Compreendo e aceito a necessidade de mudança dos adultos. As relações são precárias, sujeitas a múltiplas pressões e, por isso, muitas vezes condenadas ao fracasso. Embora o meu pressuposto de partida seja o que acabei de enunciar, esta história verídica suscita várias reflexões. A primeira prende-se com a imensidão de mudanças que esta criança teve de enfrentar num tão curto espaço de tempo. Os pais deveriam interrogar-se sobre a quantidade de transformações com que confrontam os filhos, uma vez que, quanto menores estas forem durante o primeiro ano, melhor. O ideal, se tal for possível, é protelar algumas mudanças durante algum tempo.
Um outro aspeto a sublinhar é que a existência de um novo parceiro sentimental significa também uma enorme mudança para a criança. A existência de alguém vem dificultar seriamente a concretização de um dos sonhos habituais dos filhos que veem os pais separarem-se, a reconciliação destes. Além disto, o(a) companheiro(a) é visto(a) frequentemente como alguém que veio "roubar" o lugar que era do pai ou da mãe, o que é tremendamente doloroso. Casar ou ficar noivo demasiado cedo, após uma separação, não só é frequentemente fonte de perturbação para a criança, como pode também ser visto como um sinal de alerta para o adulto, uma vez que o divórcio implica luto, e a realização deste exige tempo.
Por fim, aquela mudança do quarto, que só poderei qualificar como um verdadeiro atentado relativamente ao sentimento de pertença da Joana. Os filhos precisam do seu próprio espaço e têm direito à privacidade. O sentimento de "as minhas coisas", assim como a certeza de que "as tais coisas" não desapareceram na sua ausência, é fundamental respeitar. O pai desta menina, provavelmente sem ter consciência, criou um grande entrave no sentido desta vislumbrar a casa do pai como um verdadeiro lar.
No meio de todo este desaire, um aspeto positivo: a capacidade da Joana para dar nome aos seus sentimentos e para os expressar. Muitas são as crianças que ao viver processos semelhantes calam a sua dor e vivem-na solitariamente.
Quantas vezes, nós, os adultos, no meio das nossas guerras, nos esquecemos de que as crianças, tal como nós, precisam de tempo para conviverem com a mudança e com a perda? Numa situação de divórcio, não são só os pais que são assaltados por sentimentos avassaladores, também as crianças sentem raiva, rancor, fracasso, dor. Será bom que não nos esqueçamos deste facto e que criemos condições para que a expressão emocional possa acontecer.
Adriana Campos
Psicóloga
In: Educare
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