terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Pandemia: efeito na saúde mental de crianças e jovens poderá prolongar-se

 A pandemia mudou rotinas, prioridades e tornou as crianças e os adolescentes mais dependentes das tecnologias. Contudo, entre a quase ausência de atividades desportivas e o fim de convívios entre pares, há "aspetos positivos a retirar" destes meses de "novo normal".


Crianças e adolescentes mais individualistas, com menos atividade desportiva e um maior uso de novas tecnologias são algumas das consequências dos períodos de isolamento social dos últimos meses. Segundo o pedopsiquiatra Nuno Pangaio, "será difícil pedir às crianças que voltem a sentir-se espontâneas e brinquem umas com as outras sem restrições ou medos depois do que lhes estamos a pedir agora". "Os relacionamentos já vêm numa dinâmica de mudança bastante pronunciada. Penso que esse processo tenderá a acelerar bastante com estes anos de pandemia no sentido de maior individualismo em detrimento do grupo e da comunidade", diz o especialista (...), quando questionado sobre a possibilidade de mudanças comportamentais a longo prazo.

Segundo um estudo da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, inserido no programa de prevenção de comportamentos suicidários em meio escolar Mais Contigo, relativo ao ano letivo 2019-2020, 20% das crianças e dos adolescentes têm, pelo menos, uma perturbação mental. No nosso país, quase 31% dos jovens têm sintomas depressivos, a maioria moderados ou graves. O cenário poderá ter-se agravado com o período de quarentena e o isolamento social. "O isolamento é sempre uma contingência nefasta. Pode, em circunstâncias específicas, adiar a resolução de problemas contextuais, mas o isolamento frequente ou persistente é algo que tende sempre a prejudicar a saúde mental das crianças", sublinha Nuno Pangaio.

Atos simples como, por exemplo, festejar um aniversário ou jogar uma partida de futebol deixaram de ser possíveis ou foram condicionados. Inês Cruz assinalou o seu 18.º aniversário em plena quarentena, a 13 de março. A jovem estudante de Gestão, na FEP (Faculdade de Economia da Universidade do Porto) recorda a data com alguma amargura. "Por um lado, estou consciente de que isto não é mais do que uma fase passageira e que daqui a uns tempos voltaremos, gradualmente, às nossas antigas rotinas. No entanto, fico frustrada pelo facto de a pandemia ter ocorrido neste momento marcante da minha vida: 18 anos e transição entre o secundário e a faculdade. Todas as medidas preventivas vieram afetar muito os meus planos e eventos, entre os quais, o cancelamento do baile de finalistas, das festas de 18 anos e da vida académica (festas universitárias e praxe)", explica.

A jovem escolhe a palavra "saudade" como o elemento mais marcante dos últimos meses "muito duros". "O que mais me afetou, ao longo da pandemia, foi a impossibilidade de estar com os meus amigos e familiares quando e como queria. De facto, tivemos de nos adaptar a este novo regime e todos os convívios e festas foram cancelados, levando a que as saudades aumentassem", sublinha. O regime de aulas, essencialmente à distância, também não agrada à caloira que teve de "implementar estratégias de concentração". Ainda assim, consegue destacar "coisas positivas". "Passei mais tempo de qualidade com os meus pais e isso foi muito bom", conclui.

Nuno Pinto Martins, fundador da Academia Educar pela Positiva, também destaca o maior tempo de convívio entre pais e filhos como o grande ganho da pandemia. Contudo, afirma que, "de uma forma geral tanto as crianças como os adolescentes sofreram com esta situação, sobretudo durante o confinamento". "Desde logo pelas mudanças drásticas de rotinas a que a pandemia obrigou. Os mais novos tiveram de lidar com os medos e ansiedades dos pais e dos educadores - perante o natural desconhecimento relativamente ao vírus - e também com novas regras mais rígidas, designadamente na escola, que limitaram os contactos e os afetos. Regras que, muitos deles, não tinham capacidade para entender. Foi igualmente difícil para os adolescentes, sobretudo por serem obrigados a restringir os contactos sociais, numa fase em que o convívio com os pares é essencial para o desenvolvimento da individualidade", explica.

As novas tecnologias também ganharam mais espaço nas rotinas de crianças e jovens, que "adquiriram mais destreza tecnológica", mas perderam contactos sociais reais. "É sempre difícil tirar conclusões em tempo real dos fenómenos sociais. No entanto, dado o percurso de utilização das tecnologias por parte das crianças e dos jovens portugueses que temos observado nas últimas décadas, estou em crer que este aumento e consequente dependência das tecnologias para as tarefas e rotinas do quotidiano apresentam mais fatores negativos do que positivos, como, por exemplo, a indisponibilidade para tarefas mais sociais e relacionais ou até de momentos de introspeção e planeamento", alerta o pedopsiquiatra Nuno Pangaio.

Pandemia afasta jovens do desporto federado

Diogo Cruz, de 15 anos, atleta de basquetebol da Juvemaia, tinha três treinos por semana antes da pandemia e um ou mais jogos ao fim de semana. Exercita-se, agora, online, uma vez por semana. "Não posso treinar e isso afeta-me bastante", confessa. Apesar de ressalvar "o esforço que as equipas fizeram para manter o espírito desportivo vivo", o adolescente confessa não estar a gerir muito bem "a falta de competição". "Acho que existe um esforço conjunto dos treinadores e staff das equipas, mas como atleta estou triste por não ter treinos presenciais. Entendo as circunstâncias, mas com os cuidados que estávamos a ter deveríamos continuar, pelo menos, os treinos" conclui.

Segundo Nuno Pangaio, "é habitual observar que as crianças, tal como os jovens ou os adultos, sentem a frustração natural da perda temporária das suas atividades preferenciais, desde a brincadeira espontânea do recreio até à saudável competição desportiva individual ou coletiva", até porque, "as atividades supletivas são habitualmente escolhidas pelas crianças e os jovens por lhes serem queridas e aprazíveis e, por isso, a sua relevância é enorme para minimizar o impacto negativo das contingências pandémicas.

Um impacto negativo sentido, também, na rotina das gémeas Alexandra e Catarina Melo, de 14 anos, atletas de voleibol do Vitória Sport Clube, em Guimarães. Antes da pandemia, tinham quatro treinos semanais com a duração de duas horas cada. Passaram a ter um ou dois treinos presenciais. com a duração de um hora e alguns por videoconferência e, agora, voltam a uma paragem total. As irmãs confessam-se "tristes e desmotivadas pela falta de treinos e jogos de competição com outras equipas". Também sentem que não estão "a progredir a nível técnico".

A mãe, Elizabeth Pires, enfermeira, acredita que o problema ultrapassa a falta de treinos e de competição e se sente, também, nas atividades paralelas: "Havia muitos momentos de partilha, lanches e festas de Natal, Carnaval e pequenos retiros em que conheciam outras jovens como elas, de outras localidades, que partilham o gosto pelo voleibol e infelizmente devido à covid, tudo isso ficou em standby. Também Simão Santos, de 12 anos, da Geração Talentos Benfica, de Chaves, já não pode "jogar à bola". "Tinha sido chamado à seleção distrital de sub-12 e o facto de não ter jogos de competição mexeu um pouco com ele", explica a mãe, Marisa Santos.

Os principais desportos coletivos registam, esta época, uma diminuição de 78,4% no número de atletas federados inscritos, mas Simão Santos, apesar de se sentir "triste", não faz parte dessa lista.

António Carlos Rodrigues, Fundador e CEO da empresa ACR"SOCCER, não tem, nos atletas que representa, qualquer desistência. "É normal, pois os nossos atletas já têm contratos de formação com os clubes e aí a ligação é muito mais profunda, mas agora que voltámos à estaca zero, os miúdos quase têm a certeza de que já não dá para salvar a época. A Federação Portuguesa de Futebol tinha arranjado um campeonato para os sub-21 que também foi cancelado. Os miúdos estão muito tristes e os que estão deslocados vão regressar às suas casas e terão aulas à distância. Os clubes já decidiram que será assim para os que estão longe das suas famílias. Para os mais velhos, de 17/18 anos é ainda mais difícil. Já namoram, por exemplo, e já construíram uma vida longe de casa", explica.

António Carlos Rodrigues refere ainda estar a ter "trabalho a dobrar", com " apoio psicológico aos atletas" para o qual não estava preparado. "Isto pode hipotecar o futuro desportivo de muitos atletas. Têm de manter o foco e ter muita resiliência, mas não é fácil quando falamos em crianças e adolescentes", conclui.

Fonte: DN

1 comentário:

AS disse...

infelizmente afasta todas as faixas etárias, crianças, adolescentes, adultos ou idosos, sejam mulheres ou homens.