segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Educação ou a guerra civil

No dia 24 de janeiro comemora-se o Dia Internacional da Educação, tendo este dia sido celebrado pela primeira vez em 2019, como forma de assinalar o papel fundamental da Educação para a paz e o desenvolvimento. Passados dois anos, num cenário mundial de pandemia absolutamente catastrófico, com milhões de pessoas a morrer enquanto uns se compadecem e se sacrificam e outros furam confinamentos numa atitude lamentavelmente egocêntrica, faz mais sentido do que nunca pensar e praticar uma Educação que nos resgate da iminência de uma guerra civil e do caos consequente.

Nestes tempos de disforia, de asfixia, de esvaziamento, de paradoxos e perplexidades sem fim, relembro as palavras de Bono Vox na “Vertigo Tour” em Chicago, 2005: “É urgente trazer a humanidade de volta à Terra.” Porque estamos a assistir a um défice de humanidade que nos menoriza, sendo urgente repô-la no centro da vida. E é acima de tudo pela Educação que podemos fazê-lo. Comecemos, pois, por trazer a humanidade de volta à Educação e às escolas. De que forma? Enuncio sete linhas de ação inadiáveis:

1. Educando para a transcendência
Educar deve significar abrir horizontes, fazer ver para além do óbvio. Reconhecer que a verdade é uma construção complexa e exigente dos sujeitos em interação com o mundo, que não cabe dentro de visões espartilhadas da realidade. E as escolas têm de ir para além do imanente, do tangível, das visões redutoras e reducionistas de quem se atém à lógica dominante. Ensinar a pensar. De forma livre e humanizada, dando lugar ao Eu e ao Outro.

2. Promovendo uma cultura do encontro
As escolas são, tantas vezes, lugares de desencontro. Lugares imensamente povoados, mas de uma larga solidão. Lugares de isolamento. Dos alunos que não conseguem aprender e se deixam excluir pelo sistema. Dos que não cabem na forma escolar. Dos professores que não conseguem ensinar e não encontram respostas coletivas para os problemas com que se deparam. Precisamos de uma cultura do encontro que nos permita conhecermo-nos e reconhecermo-nos. Para caminharmos juntos. Porque juntos, sabemos e podemos mais.

3. Praticando uma Educação integral
A escola empobreceu-se. A febre dos exames e dos rankings votou-a a um tecnicismo intelectualista que a tem vindo a centrar na inculcação de conceitos, na transmissão de conteúdos considerados nobres, deixando de parte toda uma paleta de saberes que a escola pode e deve proporcionar. É urgente fazer das escolas e dos territórios onde se inscrevem, oficinas de criatividade, de talentos, colocando em harmonia “as linguagens da mente, do coração e das mãos”.

4. Arriscando os voos que nos alentam
Arriscar ir para além do já sabido, das rotinas paralisantes, das nossas zonas de conforto. Ousar pensar diferente, questionar as nossas pseudo-certezas, experimentar, provocar, implicar. Para podermos ir mais ao encontro dos outros. Que são diferentes de nós e, por isso mesmo, nos desafiam e nos interpelam. Que nos incitam a uma navegação incerta, em todo o seu potencial revelador.

5. Abolindo os muros que nos cercam
A escola é um lugar de muros vários onde impera a lógica da divisão e da fragmentação: o currículo dividido em anos, os alunos divididos em turmas, as turmas divididas em salas, o saber dividido em disciplinas, os professores divididos por departamentos e grupos disciplinares, o tempo de aprendizagem dividido em minutos e horas partidos. Rígidos. Inflexíveis. Muros que dificultam a comunicação, a interação e a aprendizagem. Muros que urge abolir, em nome de uma escola efetivamente inclusiva.

6. Aprendendo a aprender
Fazer das escolas verdadeiras comunidades de aprendizagem. Onde o que importa, não só para os alunos, mas para todos os que a habitam, é aprender a aprender. Porque apenas o conhecimento sensível nos pode libertar e emancipar. E tem de ser esse, pois, o foco central das escolas: o de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender a conviver.

7. Educando para a verdade, para o bem e para o belo
Promover um conhecimento amplo, plural, que que nos resgate dos dogmas e do fanatismo. Educar para a sensibilidade. Educar para os valores. Porque só assim se pode colocar o conhecimento ao serviço das pessoas, da verdade, do bem e do belo. Só assim se pode colocar o conhecimento ao serviço da convivência, da humanização, da liberdade e da dignidade.

Fazer das escolas (e dos territórios) lugares de humanidade. Porque não podemos resignar-nos a uma existência esvaziada de compaixão, dessa capacidade de nos aproximarmos dos outros, sentir o que sentem e compreendê-los. É isto que nos singulariza enquanto humanos. E é disto que não podemos abdicar. Principalmente nos tempos que vivemos. Como paradigmaticamente afirmou Rubem Alves: “Eu proponho, portanto, que o Homem seja definido como uma nova espécie: o homo compassivus. Àqueles a quem falta a compaixão, falta também a qualidade de humanidade. Não são meus irmãos.” Eis o grande desafio da Educação neste tempo caótico.

O título deste artigo é inspirado no título da obra de Philippe Meirieu e Marc Guiraud: L’école ou la guerre civile.

Ilídia Cabral

Fonte: Público por indicação de Livresco

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