Os resultados do mais recente TIMSS (Trends in Internacional Mathematics and Science Study), revelam que os alunos portugueses do 4.º ano desceram a Matemática, menos 16 pontos em 2019 face a 2015. O fim dos exames nacionais no 4.º ano e a antecipação de conteúdos podem explicar essa descida? “Há certamente muitas causas para esta estagnação, com um pequeno indício de descida (salvaguardando sempre o grau de relatividade destes estudos), mas ‘o fim dos exames’ não é certamente um deles”, responde Lurdes Figueiral, presidente da Associação de Professores de Matemática (APM).
A responsável partilha os seus pontos de vista. “Os exames de 4.º ano não existiam desde 1974, os de 6.º ano nunca existiram até 2013”, refere (...). “Não existem na generalidade dos países com quem nos podemos comparar em termos culturais e educativos. Por isso, eles não foram extintos: foi reposta a prática de décadas que, se algum efeito tiveram nos três anos em que existiram, foi a introdução de um desequilíbrio curricular como os resultados de 2015 evidenciaram quando comparando os de Matemática e os de Ciências”, sublinha, a propósito.
Os resultados do TIMSS, avaliação internacional que avalia o desempenho dos alunos do 4.º e 8.º anos em Matemática e em Ciências, são apresentados numa escala numérica entre 1 e 1000 pontos, com um ponto central de referência de 500 pontos. Uma pontuação, lembra Lurdes Figueiral, que se traduz em quatro níveis de desenvolvimento, ou seja, Baixo (entre 400 e 474), Intermédio (475 a 549), Elevado (550 a 624) e Avançado (acima de 624).
“Os alunos portugueses do 4.º ano participaram neste estudo em 1995 (com uma pontuação de 442 pontos), em 2011 (532 pontos), em 2015 (541 pontos) e em 2019 (525 pontos). Temos assim que, em meados dos anos 90 do século passado, os resultados situavam-se no nível ‘Baixo’ e que, passados 16 anos daquela primeira participação, nas edições seguintes em que Portugal participou de uma forma regular, os resultados situam-se acima do valor central de referência, mas sempre no nível ‘Intermédio’; nestes últimos oito anos os resultados variaram entre 525 (2019) e 541 (2015), ou seja, houve uma variação de 16 pontos em 1000 possíveis”.
A presidente da APM recorda ainda que após a subida verificada entre 1995 e 2011, os resultados dos alunos portugueses têm variado num intervalo de amplitude de 16 pontos em 1000, sempre dentro do nível ‘Intermédio’. “E se atendermos às áreas de conteúdos e às dimensões cognitivas avaliadas no TIMSS, vemos que os resultados das últimas três edições, mostram, nas áreas de conteúdos, uma descida permanente em ‘Medida’ e ‘Geometria’ e em ‘Dados’, sendo ‘Números’ a área com um comportamento mais variável, e nas dimensões cognitivas, o ‘Raciocínio’ como a dimensão em que os alunos revelam maiores dificuldades e em que não tem havido melhoria ao longo destes anos”, refere.
Assim, o mais preocupante, para Lurdes Figueiral, mais que a descida, que não lhe parece significativa, “é a estagnação sobretudo naquele que é o maior desafio do ensino da Matemática: o desenvolvimento do raciocínio”.
O Ministério da Educação garante que o ensino da Matemática está a ser revisto. A tutela fala numa revisão que estará em consulta pública e em mudanças que serão aplicadas gradualmente, mas sem revelar datas. “As medidas anunciadas pelo senhor secretário de Estado [da Educação] são bem-vindas, em nosso entender, tardias e, por isso, urgentes”.
“Prioridades curriculares ambiciosas, mas ajustadas”
Lurdes Figueiral realça, por outro lado, que “os resultados em Educação não são imediatos, tardam anos a dar frutos, sobretudo os bons, embora haja danos imediatos, como, por exemplo, a introdução dos exames no 4.º ano e o consequente desequilíbrio curricular”. “E talvez o renascer do horror à disciplina que se instalou em tantos alunos (sobretudo no 1.º Ciclo) em 2012, depois de anos de difícil recuperação, não seja algo despiciente”, acrescenta. “Rápido é retroceder; avançar de novo é bem mais difícil”.
As três grandes prioridades apontadas pelo TIMSS de 2011 para um bom desempenho matemático dos alunos, e nas quais deve haver um grande investimento, são a universalização do pré-escolar; a preparação e formação contínua dos professores e a satisfação com a sua carreira e condições de trabalho; e o maior envolvimento dos alunos, o que passa por diferentes objetivos e abordagens curriculares.
“A aprendizagem da Matemática apresenta problemas diversos, mas olhando para as prioridades apontadas, há certamente uma perceção que é sobre elas que há que investir, porque acreditamos que a literacia matemática é um direito de todas as crianças e jovens e que nenhum pode ser deixado para trás, também neste aspeto”, comenta a responsável.
Por tudo isso, a APM considera urgente várias questões, desde logo que se “estabeleçam no pré-escolar e no 1.º Ciclo prioridades curriculares ambiciosas mas ajustadas, que enformem uma base coerente e consequente que inicie um percurso coeso de sucesso”. Além disso, é fundamental ultrapassar “rapidamente a incoerência curricular a que estamos sujeitos: um programa e metas desajustados com orientações de gestão que nada resolveram”. Isto por um lado. Por outro, é preciso resolver o que diz respeito às “aprendizagens essenciais que dificilmente se coadunam com aqueles num processo de remedeios rápidos e pouco consistentes e que deixam os professores à mercê de um quadro curricular contraditório, difícil de responder ao Perfil dos alunos.”
Para a APM, é urgente investir na formação contínua dos professores, num modelo próximo ao que foi realizado no Plano de Ação para a Matemática, bem como criar condições de trabalho para os docentes, “com tempo para trabalho colaborativo entre colegas, para estudar, para programar, para avaliar e refletir”. Tudo isso, como sustenta Lurdes Figueiral, “por forma a implementar na escola e na sala de aula práticas letivas estimulantes e de forte qualidade formativa, tendo como objetivo o desenvolvimento de aprendizagens matemáticas significativas e consolidadas”.
Fonte: Educare
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