A igualdade de oportunidades de acesso à educação é um direito constitucional e uma obrigação de um Estado democrático. Na situação inédita em que vivemos temos de ser criativos e ter uma enorme disponibilidade mental e de procedimentos para a assegurar.
As ordens de afastamento social conduzem à inevitável passagem das atividades educativas para meios de comunicação digitais. A comunicação à distancia pode resolver parcialmente o problema das desigualdades de acesso, e para tal é fundamental garantir que, pelo menos a nível de infraestruturas, todos têm acesso, equipando os agregados familiares que declaram ter dificuldades de infraestruturas físicas e de acesso à rede. O Ministério da Educação e as câmaras municipais já estão a fazer o levantamento destes dados no seio dos alunos.
Estima-se que 50.000 a 70.000 alunos não possuam nenhum computador em casa. A este número acresce as necessidades secundárias que emergem pelo facto de haver apenas um computador no agregado familiar que neste momento esteja a ser requisitado pelos pais e irmãos que estão também em teletrabalho ou escola à distância. De recordar que as aulas presenciais em ambiente digital podem também ser acompanhadas via telemóvel, um bem que está amplamente difundido: 7,2 milhões de portugueses utilizam a internet neste dispositivo (ANACOM, 2019) e 97% dos alunos de 15 anos declaram ter pelo menos um telemóvel com internet que podem utilizar (OCDE, PISA, 2018). Cruzando a existência de computador com telemóvel, estima-se em 7500 o número de alunos que não possuem nem um nem outro.
Temos também de considerar a realidade dos professores que podem não ter equipamento informático em casa, ou cujo equipamento nesta fase esteja a ser partilhado. Deveria também ser feito um levantamento destas necessidades. É uma regra básica de qualquer empregador verificar as condições de trabalho dos funcionários que são colocados em teletrabalho.
A existência de telemóveis nos agregados familiares pode servir como hotspot para dar rede aos computadores. O Governo tem de garantir que os operadores alargam os pacotes contratualizados pelas famílias, o que já aconteceu este mês. A cobertura de rede móvel ainda não é plena em Portugal. O litoral está muito bem servido, mas existem desigualdades para o interior, donde temos também de fazer o levantamento destas necessidades e solicitar às operadoras a colocação de pontos móveis nos locais onde existirem alunos/professores sem rede.
Se considerarmos que 30% dos professores não têm computador, ou estão numa situação de utilização limitada, são necessários 40.000 computadores para satisfazer esta necessidade. Acrescem 50.000-70.000 alunos sem computador. As necessidades dos irmãos, desde que haja um computador e um telemóvel em casa, podem ser consideradas como suficientes.
A projeção de necessidades imediata estará perto de 120.000 equipamentos, ao qual acrescem 10.000 alunos sem acesso à rede. É crucial planear a distribuição destes recursos.
Em 2017/18 existiam 216.000 computadores nas escolas públicas (DGEEC, 2019), embora um pouco envelhecidos – apenas 14% com menos de três anos, mas quase todos operacionais e com capacidade de se ligarem à internet. Estes computadores podem ser mobilizados para suprir as carências dos docentes e alunos.
Uma outra solução passa pela compra de equipamentos portáteis de gama baixa por parte do Estado e sua distribuição pelos agregados familiares em causa. Esta pode ser uma solução mais célere. Nesta fase, estou certa que as empresas de computadores estariam na disposição de praticar preços de custo para contribuir para a resolução do problema logístico que o ensino à distância nos coloca. Estimo que estaríamos a considerar uma despesa na ordem dos 15 milhões de Euros, representando cerca de 0,25% do orçamento da Educação para 2020.
Resolver o acesso às infraestruturas tecnológicas é o menor dos obstáculos. É o primeiro passo para combater o isolamento dos mais desfavorecidos, em prol das aprendizagens, mas também da abertura de canais de contato com professores, assistentes sociais, psicólogos e, claro, com os colegas, todos peças fundamentais para garantir alguma sanidade mental e proteção aos menores em risco.
Ao resolvermos o desafio da infraestrutura, o passo seguinte é garantir que todos a sabem utilizar. Quanto mais jovem for o aluno menos conhecimentos informáticos terá, o que coloca maior responsabilidade nos pais, estes mesmos a necessitar de apoio.
Temos também limitações no lado dos professores: 52% não tiveram qualquer formação inicial sobre a utilização de meios digitais e 27% não utilizam de todo nas suas aulas presenciais. Apenas 50% se declaram à vontade para utilizar as tecnologias digitais no seu ensino (OCDE, TALIS, 2018) e 12% consideram que têm competências informáticas medíocres e que necessitam muito de formação nesta área. Se os professores não conseguirem adaptar-se de forma rápida a este desafio, mesmo que os alunos estejam equipados, o problema fica por resolver.
Os desafios para as próximas semanas são identificar e equipar com computador e internet todos os que estão carenciados e formar professores (e pais de alunos do 1.º ciclo) que se confessem com reduzida capacidade informáticas. Em tempos de emergência a mudança acontece rápido e as pessoas mostram uma grande vontade de cooperar. Sim, é possível.
Isabel Flores
Fonte: Público por indicação de Livresco
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