O coração dispara, a respiração acelera, as mãos tremem, os músculos ficam tensos. Há medo de não ser capaz, de não estar à altura, de ser avaliado de forma negativa. Estes são alguns sintomas que as crianças e adolescentes com ansiedade de desempenho escolar podem sentir. Sinais que parecem normais, mas que não devem ser desvalorizados, pois comprometem o rendimento escolar e causam elevado sofrimento.
Quando uma criança é exposta a uma situação nova, como um teste ou uma mudança de escola, é normal que se sinta ansiosa. A chamada ansiedade adaptativa é uma emoção normal, que ajuda o ser humano a lidar com as dificuldades. No entanto, a ansiedade torna-se um problema quando é tão intensa e tão frequente que afeta o normal funcionamento da criança, comprometendo as suas relações com os outros, a aprendizagem, o sono.
Ao consultório de Inês Afonso Marques, psicóloga da área infantojuvenil, chegam muitos quadros de ansiedade: “É das patologias que recebo mais na infância e na adolescência”. Citando estudos feitos nos EUA e no Reino Unido, a psicóloga diz que “2 a 4% das crianças e adolescentes reúnem critérios de diagnóstico para uma perturbação de ansiedade com interferência negativa no seu normal funcionamento”. Já a Associação Americana de Pediatria diz que as perturbações de ansiedade afetam 8% das crianças e jovens. E existem estudos que apontam para prevalências superiores a 20%.
Ana Gomes, psicóloga clínica e professora na Universidade Autónoma, confirma que é um diagnóstico que aparece com frequência: “De acordo com a minha prática clínica, é uma das problemáticas patológicas que mais surge em crianças e adolescentes. É muito comum”. Muitas vezes, prossegue, “manifesta-se em sintomatologia somática, com a criança a apresentar várias queixas a nível físico, como dores de cabeça e de barriga, vómitos, falta de apetite”. Também pode estar associada a “depressões e perturbações alimentares. As crianças e adolescentes podem nem mostrar ansiedade aparente”.
A nível físico, prossegue Inês Afonso Marques, pode também manifestar-se com “tonturas, coração acelerado, dificuldade em respirar, agitação motora, dificuldades na concentração”. Na dimensão cognitiva, a criança tende a ser “mais pessimista, perfecionista, com necessidade de controlo”. Quando tem uma má nota, por exemplo, um adolescente ansioso sente-se muito mal, porque acha que é um péssimo aluno. “Na dimensão emocional, há medo, tristeza, desesperança”, diz a psicoterapeuta infantojuvenil.
Diferentes perturbações
Segundo as psicólogas ouvidas pelo EDUCARE.PT, existem vários tipos de transtornos de ansiedade na infância e adolescência, sendo os mais comuns o transtorno de ansiedade generalizada, o de pânico, o da ansiedade da separação, o de ansiedade social, o de desempenho e as fobias.
Quando uma criança sofre de transtorno de ansiedade generalizada, está permanentemente ansiosa. “É mais constante e é muito desgastante. Está sempre alterada, inquieta, em reatividade”, explica Ana Gomes. Já a perturbação de pânico manifesta-se em ataques de pânico, “quando a ansiedade atinge picos tão exacerbados que a pessoa acha que vai morrer ou desmaiar”. Está associada a pensamentos disfuncionais, que podem conduzir a comportamentos de evitamento. Se os episódios acontecem na escola, a criança ou o adolescente deixa de querer ir para a escola.
Não raras vezes, surge também a ansiedade de desempenho, que ocorre sobretudo em situações de avaliação, como testes, exames, apresentações de trabalhos. Um problema que pode conduzir a resistência em ir para a escola. Segundo a docente universitária, “quando os pais transmitem muita preocupação e altíssimas expectativas em relação à escola, os filhos têm mais probabilidade de ser ansiosos”. Contudo, ressalva, “há crianças e adolescentes que são ansiosos e os pais não são demasiado exigentes”.
Nas faixas etárias mais novas, nomeadamente no pré-escolar e no primeiro ciclo, é comum surgirem perturbações de ansiedade de separação. Nesses casos, as crianças ficam muito nervosas e com medo quando têm de se separar das figuras de referência. Se a criança sofrer de ansiedade social, terá dificuldades em estar em contacto com estranhos. Por isso, evita festas de anos e até a escola, por exemplo.
Por fim, as fobias são medos exagerados, de tal forma que a criança não consegue aproximar-se do foco do desconforto (cães, máscaras, palhaços, por exemplo). “Começa com níveis baixos que se vão exacerbando de tal forma que entra em descompensação”, adianta Ana Gomes. Segundo a psicóloga, a estratégia de evitamento (do foco do problema) usada por muitos adultos pode ser contraproducente.
O que causa ansiedade nas crianças?
A causa da ansiedade é multifatorial, resultando da combinação de fatores genéticos e ambientais. “Há uma predisposição genética que se manifesta mais ou menos consoante a história da vida da criança”, afirma Inês Afonso Marques, acrescentando que está relacionada com as respostas que os adultos de referência têm perante as situações. Ou seja, se a criança cresce a ver os pais naturalmente ansiosos, com medo permanente de tudo, é natural que corra um risco maior de vir a ter ansiedade em níveis patológicos.
“Muitas vezes já existiam pistas e depois há um acontecimento de vida que surge como gatilho: a primeira grande perda, uma contrariedade, uma desilusão amorosa, um conflito intenso, o bullying ”, refere a psicoterapeuta.
Quando existe um “fundo mais ansioso”, explica Inês Marques, “tudo o que são temas sociais despertam o sistema de alarme das crianças e dos adolescentes”. É o que está a acontecer com o novo coronavírus, por exemplo.
Nas últimas semanas, Ana Gomes recebeu duas crianças “com ansiedade disfuncional que já tem na base o coronavírus”. Segundo a psicóloga, ambas manifestavam medo de serem contaminadas, que os pais fossem contaminados, que acontecesse uma tragédia. “Era um dos pontos que lhes causava ansiedade. As crianças ouvem os pais preocupados e há umas que são mais permeáveis do que outras”.
Segundo as especialistas, o grande problema da ansiedade é a interferência no funcionamento habitual das crianças e adolescentes, nomeadamente no sono, na motivação para a aprendizagem, nas relações com os amigos e a família. Além disso, a ansiedade potencia o isolamento e leva a comportamentos de evitamento.
“Pais e professores são fundamentais na identificação precoce da ansiedade”, sublinha Inês Afonso Marques, destacando que as crianças tendem a não perceber o que se está a passar ou a pensar que mais ninguém está a passar por aquela situação. Quando os sintomas persistem, os pais devem encaminhar a criança para que seja avaliada por um profissional. Em consultório, esclarece a psicóloga, são ensinadas técnicas de relaxamento e respiração para diminuir a ansiedade, aprendem a adotar comportamentos mais ajustados e a perceber os padrões de pensamento que estão associados à ansiedade.
Fonte: Educare
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