As queixas sobre a falta de recursos na Educação são, talvez, uma das poucas unanimidades que podemos encontrar quando se discute o presente e o futuro da Educação. Esta carência de recursos tem sido explicada através de muitas possíveis causas. Fala-se da história e de como a nossa educação acordou tão tarde para se tornar uma educação de qualidade e para todos; fala-se das exigências que o sistema se colocou a si próprio ao oferecer escolaridade a todos até aos 18 anos e criar elevadas expectativas às famílias e aos alunos ao funcionar numa escola a tempo integral; fala-se da ambição de tornar todas as escolas inclusivas dispersando os recursos por todas elas. Enfim, múltiplas explicações que justificariam porque é que existe esta desarmonia entre o que queremos fazer e os recursos de que dispomos para que isso aconteça.
O percurso meritório que o nosso país fez em Educação desde 1974 é também unanimemente reconhecido. Portugal partiu muito atrasado, mas em muitos indicadores educativos (lembro por exemplo as taxas de escolarização e de abandono escolar, para já não citar os valores dos estudantes portugueses em testes de avaliação transnacionais) conseguiu colocar-se dentro dos valores alcançados pelos países que tinham investido em Educação há mais tempo e certamente com mais meios. Mas é conhecida a sabedoria milenar que coloca como dificilmente compatíveis a velocidade e a qualidade. “Depressa e bem…” E a tão meritória velocidade com que conseguimos ultrapassar ou progredir significativamente nos valores do nosso atraso educacional deixam marcas.
Essas marcas são numerosas e bem visíveis. Citamos algumas: muitas das nossas escolas funcionam “nos limites”, quer isto dizer que muito do que se passa de mais meritório e interessante nas escolas é feito em condições de falta de sustentabilidade, de improviso ou até de voluntariado. Assim, existem projetos que são essenciais à diversificação e missão da escola que têm poucas possibilidades de assegurar a sua continuidade. Outra marca é o carater restrito de tantas boas práticas e tantos bons projetos que são anunciados como projetos do agrupamento, mas que, na verdade, abrangem unicamente uma ou duas turmas. Falta certamente “escala na escola” de forma a que os projetos que lá existem sejam mais abrangentes para mais alunos. Um outro fator onde as marcas da velocidade da nossa recuperação se fazem mais sentir é na qualidade tão heterogénea do nosso parque escolar, em que escolas maravilhosas coexistem com outras em que parece que muito pouco mudou.
Entendamo-nos: não se critica a velocidade. Diríamos até que, face à situação tão pobre de onde vimos e face ao que conhecemos hoje sobre a imprescindibilidade da Educação na nossa sociedade, talvez devêssemos até ter andado mais depressa. Mas não é esse o ponto. A questão que se coloca em 2020 é a de saber como vamos sair do lugar onde estamos para outro lugar melhor. É sobre este aspeto que analisaremos três prioridades:
A primeira é sem dúvida a do financiamento. O financiamento em Educação foi em 2018 inferior aos anos anteriores (3,85% do PIB, segundo dados da Pordata). Apesar da redução demográfica, este investimento parece não ser capaz de nos levar daqui para um lugar melhor. Talvez possa assegurar a continuidade do que conseguimos até aqui, mas dificilmente nos conseguirá levar mais além. A propósito desta matéria, é interessante vermos como continuamos a conceber como o único investimento obrigatório na Educação aquele que é feito pelo Estado. Há pouco tempo, um presidente de uma autarquia dizia que “gastava” três milhões de euros na Educação e dizia isto como se estivesse a dar uma benesse, como se fosse algo que está para além das suas obrigações. Agora, em tempo de descentralização, é tempo de reafirmar que a Educação é um projeto social de importância central (diríamos até que o mais importante, porque potencia e influencia todos os outros). E, assim sendo, é preciso que todas as instituições sociais, autarquias, juntas de freguesia, fundações, associações, entidades privadas, etc., assumam que o financiamento da Educação não é só do Estado, mas que a todas elas lhes compete investir e melhorar um bem comum.
Precisamos de novas políticas que enfrentem o fator humano na Educação. Não só a remuneração, não só o envelhecimento da classe docente, mas também políticas que, de forma integrada e global, requalifiquem a representação social que se tem da Educação, dos professores, dos outros profissionais e da Escola.
Precisamos, em terceiro lugar, de criar um Pacto de Educação que garanta que a Educação é um bem maior e prioritário. Recentemente, o Papa Francisco referiu-se à Educação como uma força pacificadora, afirmando que “O movimento educativo construtor de paz é uma força que deve ser alimentada contra a ‘egolatria’ que cria a falta de paz, fraturas entre as gerações, povos, culturas, populações ricas e pobres, homens e mulheres, economia e ética, humanidade e ambiente”.
É bem conhecida a história do Tirano de Siracusa que, ao desembarcar em Cartago, na terra que queria conquistar, mandou queimar os navios que tinham trazido as suas tropas para que não houvesse possibilidade de retirada. Não é isso que se passa na Educação, a Educação é uma continuidade, é uma empresa cumulativa, e queimar os navios seria imprudente e um erro imperdoável. Mas talvez tenhamos que pensar que precisamos de outros e de mais navios para nos levar daqui para mais longe. Onde o nosso país e os nossos jovens almejam ir e têm o direito de chegar.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário