É um facto que de um momento para o outro o ensino a distância e, naturalmente, o uso das tecnologias digitais se tornaram uma espécie de “Novo Mundo” para o sistema educativo. É uma verdade, que para alguns de forma natural e para outros de forma mais obrigatória, porque estão a ser obrigados a fazer uma migração rápida e pouco espontânea, levando naturalmente a “dores de crescimento” e a alguns erros naturais.
Sabemos que muitos são os professores que já faziam essa utilização com os seus alunos de forma proficiente e com grande naturalidade, criando cenários pedagógicos que não são uma réplica do “analógico”, mas uma forma de colocar os alunos a pesquisar e selecionar informação, ver e analisar vídeos, sistematizar conteúdos e produzir recursos que convocam as diferentes áreas do conhecimento e os conteúdos aprendidos. Os exercícios são diferentes, têm de provocar essa mesma diferença, se pensarmos que os alunos são mais ativos, sendo necessário dar resposta a essa forma de pensar e agir.
Por outro lado, muitos foram, e são, os professores que foram negando a “nossa” vivência num mundo digital, considerando sempre que “para o ano é que é”, ou evitar o digital, tendo inclusive diabolizado o mesmo, evidenciando, claramente, o que grande parte do corpo docente ilustra: uma escola bastante atrasada nesse movimento de implementação de cenários pedagógicos com utilização do digital. Bem sei que as políticas educativas, os parcos recursos digitais e a falta de visão das direções de muitos agrupamentos de escolas, coordenadores de estabelecimentos e departamentos, também ajudam neste “movimento”.
Contudo, e felizmente, muitos foram também os professores que compreenderam de forma muito rápida, tendo em conta a necessidade e as vantagens, de colocar o “digital” em prática, convocando assim um conjunto de competências, muitas das vezes desprezadas nas centenas de horas de formação de professores sobre a utilização das TIC em contexto educativo, mas que se “covidaram” autonomamente para implementar o ensino através do digital eficientemente.
De uma maneira ou de outra, nunca a colaboração fez tanto sentido, se olharmos para o isolamento presencial, mas para a grande proximidade online de tantos professores que neste momento procuram ajuda para restabelecer aquele que será o próximo período letivo, totalmente online. Torna-se fantástico ver o movimento a crescer, aqui o contágio é o único aconselhável e permitido.
Para tal, há um conjunto de regras que é necessário entender quando falamos de trabalho online e a distância. O que devemos começar por evitar é transpor os mesmos exercícios que fariam de forma presencial para o online, mas também evitar a “digitalização” de modelos pedagógicos, porque o feedback e o apoio são diferentes, os tempos de concentração e empenho nas atividades também, assim como a autonomia dos alunos mais novos.
A acrescentar a isso, e considerando que o digital tem um potencial enorme devido à utilização da multimédia, são de evitar demasiados e extensos textos, muitas das vezes como recursos em exclusivo e apenas alguns exercícios do tipo quizz, que servem de pouco ao propósito de aprendizagem e sistematização de conteúdos.
Muitas vezes perdemos a noção que estar online não quer dizer que os exercícios possam ser em número superior a outros contextos, pelo que deve ser evitada a sobrecarga de exercícios e com pouca variedade, pois apenas resolve o problema hipotético dos professores, por ficarem de consciência tranquila, mesmo que não signifique que o aluno aprenda. Este é um exemplo típico de cumprimentos de currículo por parte do professor, mas não significa que haja apreensão por parte do aluno.
A não esquecer no desenho de trabalho a distância é a presença e a forma como o professor está presente online, porque se o canal de comunicação entre professor e aluno for complexo e houver demasiada ausência online (mais que 24 horas é demais), significa que o aluno pode ficar perdido e sentir-se desapoiado. É neste campo da comunicação que é necessário um grande investimento, pois sabemos que a comunicação não-verbal pode ser malentendida, pelo que esta deve ser objetiva e muito clara, com mensagens e propostas sucintas. A comunicação não deverá ser ambígua, nem se deve utilizar uma escrita com apenas letras maiúsculas, tal como o uso de abreviaturas.
Outra componente fundamental tem que ver com a utilização de recursos, pois deveremos evitar o uso de dezenas de apps e plataformas, que dependem de uma curva de aprendizagem por parte de professores e alunos, que quando se está a distância não facilita, além de obrigar a um conjunto de criação de contas e logins desnecessários, que deixam todo o processo de aprendizagem confuso e incoerente.
Também em relação aos recursos de hardware, é essencial que nos lembremos que nem todos os alunos e professores têm um dispositivo digital em casa ou acesso à Internet, ou mesmo não estão a determinada hora com as pessoas (pais) que podem dar algum apoio na aprendizagem e isso interfere com um fenómeno de equidade que não pode e nem deve ser deixado ao acaso, sobretudo, quando falamos tanto, hoje em dia, de educação inclusiva. Como tal, recomendo que a primeira fase seja de planeamento e diagnóstico, de modo a sabermos quando é que o aluno pode estar online, que recursos tem ao seu dispor, e qual o canal privilegiado de comunicação a usar.
Este diagnóstico fará com que se possa propor um desenho de plano de trabalho, determinando a plataforma de comunicação e interação, os recursos didáticos a utilizar (não selecione mais do que cinco se os alunos não têm esse hábito), devendo estes ser selecionados por diferentes tipologias, mas também tendo em consideração se haverá momentos síncronos ou apenas assíncronos (os momentos mistos seriam os ideais) e, por fim, como se avalia o processo de aprendizagem.
Outras questões a ter em conta de como proceder para uma boa dinâmica online, é a criação de tarefas curtas e dinâmicas, com mais atividades de projeto e de construção de conteúdos por parte dos alunos, sempre com feedback por parte do professor (é fundamental o feedback num ambiente online). Quando os alunos partilham vários professores, tenha em conta o esforço do aluno, partilhe com os outros professores as tarefas propostas ou integre-as em conjunto num projeto de turma, de forma a evitar o esforço e sobrecarga em tempo e em tarefas, provocando a desmotivação e “desconexão” do aluno.
Quando o professor propuser uma atividade deve ser claro no objetivo que está a pretender atingir com esse exercício, mas também provocar a curiosidade, levando o aluno a usar diversos recursos multimédia (vídeos, apps, infografias, …) de forma diversificar as interações. Ainda no que respeita às tarefas, privilegie modelos ativos, como o flipped learning, que pressupõe a visualização de um pequeno vídeo, autonomamente, sobre um tópico a compreender (aplicações como o TED-ED, Edpuzzle, Escola Virtual, Khan Academy, RTP Ensina, …), depois atividades que visem a aferição e ou reflexão do que foi visualizado ou compreendido (aplicações como quizz, fóruns, …) e num terceiro momento a discussão, que pode ser síncrona com a turma (aplicações como o ZOOM, Teams, Hangout, Skype,…) ou assíncrona, com a criação de fóruns de discussão sobre o tema (aplicações como o Edmodo, Escola Virtual, Google Classroom, Teams,…) em que a dinâmica é moderada pelo professor.
As atividades devem contemplar a função de avaliação da dinâmica de ensino e aprendizagem, podendo ser realizada com a produção de um trabalho multimédia, narrativas digitais, infografias, esquemas mentais, murais interativos, vídeo-aulas explicativas para os colegas ou outras turmas (aplicações como Classflow, apresentações eletrónicas, Goconqr, Popplet, BirdBlue, Toonstatic, Animoto, Powtoon, Padlet, …).
Para que a presença online do professor seja notada, deve tentar dar feedback e acompanhar cada uma das fases com inputs nos trabalhos dos alunos, incentivar o progresso nas tarefas e criar chats ou fóruns de dúvidas para os momentos em que os alunos pretendem colocar dúvidas individuais ou coletivas, estes devem ser momentos formais e informais, para apelar à participação online. Este apelo de participação autónoma e motivadora é conseguida pelo tipo de comunicação, pela linguagem utilizada, devendo esta ser simples e persuasiva, podendo ser com pequenos vídeos orais deixados pelo professor (é sempre bom ver e ouvir o professor, para colmatar a distância) e ajudar com o uso de emotions (conexão emocional).
Se possível atribua tarefas para diferentes momentos de entrega, pequenas tarefas diárias, mas outras que possam ser realizadas com mais tempo, permitindo ao aluno gerir o seu tempo com a ajuda do professor. Neste aspeto é fundamental o professor perceber que o aluno a distância terá sempre menos apoio que teria num sistema presencial, pelo que não deve colocar exigência em demasia, levando à desistência de uma presença online.
O fenómeno da gamificação é algo que pode ser explorado de uma forma muito interessante na aprendizagem a distância, uma vez que se o professor desenhar uma “história” de aprendizagem, ou seja, um bom “argumento” cinematográfico que “prenda” o aluno ao processo, pode ter bastante sucesso na aprendizagem online. Construa uma narrativa, uma viagem, um percurso para a semana ou para o mês de aprendizagem, com pontuações diversas pelas tarefas que vão sendo realizadas, que lhes permitam ter pontos e crachás que lhes poderão dar acesso a ajudas extra, redução de tarefas, aumento de tempos de entrega, conduzindo por níveis de exigência que vão aumentando ao longo do desenrolar das tarefas, de forma a concluírem os seus projetos, como se dentro de um jogo estivessem (aplicações como o Classcraft, Classdojo, ou Google Classroom, …).
Este já era o momento de redefinição do que era ser professor, ser aluno e ser escola. Porém, esta pandemia veio apenas acelerar uma migração que estava a ser feita a espaços. Também é chegado o momento em que cada professor, com as suas condições, melhores, piores ou inexistentes, se vão ter de reinventar e desenhar, com a criatividade que caracteriza o professor português, novas formas de ensinar e aprender. Estão todos os professores “covidados” a reinventar-se!
Marco Bento
Coordenador do projecto SUPERTABi, investigador e consultor pedagógico
Fonte: Público
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