As escolas receberam no início da semana uma indicação dos serviços do Ministério da Educação para fazerem o levantamento da situação dos alunos em relação aos meios disponíveis para acompanharem o ensino à distância, quer em equipamentos físicos (computadores, smartphones), quer em acesso à banda larga. A indicação foi passada, na generalidade dos casos, aos directores de turma que, em seguida, pediram aos encarregados de educação essas informações para as compilarem até final da semana.
Este tipo de “inventário digital” é muito importante e só é de estranhar que seja algo que está por fazer, atendendo a tanta informação que o ministério recolhe em tanta plataforma, ou não ter sido a primeira ou segunda medida tomada na situação actual, antes do avanço voluntarioso para o anúncio da passagem para o “ensino à distância” em formato digital. A busca do efeito político rápido sobrepôs-se à avaliação das condições materiais para desenvolver a medida. E agora, depois de se ter decidido o bolo a ser feito é que se está a tentar perceber se existem os ingredientes indispensáveis.
De acordo com números públicos, há cerca de 20-25% de agregados familiares sem condições mínimas para desenvolver o ensino à distância, sendo que esse valor tem forte assimetrias no país, mas de igual modo ao nível local, mesmo de turma para turma. Os entusiastas das vídeo-conferências e das aulas síncronas poderão ter turmas com esse tipo de dispositivos à disposição e sem necessidade de os partilhar com outras pessoas em casa, mas essa não é a realidade geral. E é aqui que as questões da “inclusão” se colocam porque não é novidade que o digital gap ou digital divide é um factor que potencia as desigualdades entre os alunos. Porque a exclusão digital em meio familiar é muito superior à que existe em contexto escolar.
Este tipo de medidas de ensino à distância e a forma como se querem colocar no terreno de forma apressada parece resultar de uma forma de pensamento mágico que desatende as questões tão proclamadas da “inclusão”. Já li declarações absolutamente aterradoras pela forma como menorizam qualquer pretensão de igualdade de oportunidades em prol de uma espécie de excitado projecto de “escola do século XXI” num país com parte substancial da população abaixo do limiar da pobreza e que, com a presente situação económica, irá por certo aumentar.
Onde estão os arautos da “inclusão” quando precisamos deles?
Paulo Guinote
Professor do Ensino Básico, doutorado em História da Educação. Autor do blogue O Meu Quintal
Por decisão do autor, o presente texto não segue o novo Acordo Ortográfico.
Fonte: Educare
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