No passado dia 1 de fevereiro, no Centro de Congressos de Lisboa, decorreu o primeiro Fórum Educação e Mudança (FEM), um encontro que centralizou a análise, o debate e as reflexões em torno das ferramentas tecnológicas e das competências digitais, enquanto fatores de mudança para uma educação de melhor qualidade.
Perante uma plateia de professores, diretores de escolas, autarcas, vereadores, associações de pais, empresários, técnicos municipais, entre outros, o senhor secretário de Estado da Educação, João Costa, encerrou o evento, com um discurso que reconheço bem mais moderado quanto à mudança e ao ritmo a que a mesma deve ocorrer nas escolas.
Dei comigo a pensar que talvez tenha verificado que a sede de mudança rápida leva a que tudo fique na mesma. O sucesso das políticas educativas depende da capacidade de envolver e de mobilizar os seus agentes, que não estão na 5 de Outubro, mas na sala de aula. Está o ministério a revelar bons indicadores de desempenho a este nível? A julgar pela falta de vocações que grassa no país, o envelhecimento da classe docente, os pedidos de reforma antecipada, as manifestações, as greves, o desânimo, a itinerância e a vida em suspenso de milhares de professores todos os anos, as agressões físicas e verbais, os bloqueios à entrada na carreira... a resposta parece clara. Os discursos são bonitos, inflamados e recolhem aplausos, mas, como eu costumo ensinar aos meus alunos, há que atentar nas diferenças entre o que é dito e o que realmente é feito, bem como na validade e na fundamentação dos argumentos aventados para sustentar uma determinada linha de ação.
E é aqui que se percebe que a desmaterialização dos manuais escolares tem feito emergir argumentos vazios e infundados, como o senhor secretário de Estado dizer que a diferenciação pedagógica não é compatível com o manual escolar mas com os recursos digitais.
E por que razões este argumento não faz sentido? Primeiro, porque a diferenciação pedagógica nada tem a ver com o tipo de suporte dos recursos, mas com as estratégias didáticas definidas pelos professores em função dos seus alunos. Segundo, porque revela um total desconhecimento do que é um livro escolar, enquanto projeto pedagógico que abre ao professor um manancial diversificado de caminhos metodológicos para o trabalho com os seus alunos, contribuindo para otimizar as suas opções. Os livros escolares são concebidos e criados por professores e não é por acaso que tal sucede. Se na minha sala de aula tenho necessidade de atender às especificidades dos meus alunos, obviamente que essa experiência é uma mais-valia aquando da criação de materiais pedagógicos. Por isso é que a criação de um projeto pedagógico é um trabalho demorado e complexo. Há muito que se abandonou a premissa “one fits all” e a aposta do livro escolar é na variedade:
- Diferentes tipos de fontes de informação para análise – mapas, documentos escritos, gráficos, pinturas, fotografias, caricaturas, textos literários, notícias, ilustrações;
- Questões de exploração das fontes variadas e com diferentes graus de complexidade, pois há alunos que precisam de atividades mais simples para sentirem que são capazes e, a partir daí, avançarem na conquista de outros patamares de dificuldade, assim como há aqueles que podem logo ser direcionados para as questões mais complexas;
- Diferentes propostas de trabalho, que promovem a pesquisa, a cooperação entre pares e de grupos de trabalho, a construção de recursos, a imaginação, o role-play, o pensamento crítico, a comunicação;
- Fichas de trabalho prático com exercícios que desenvolvem diferentes competências;
- Atividades de interdisciplinaridade e metacognição, que podem ser o arranque para um projeto no âmbito dos Domínios de Autonomia Curricular;
- Recursos digitais em contexto, a que professores e alunos podem aceder e explorar.
Para além de tudo isto, os livros escolares agregam um conjunto de materiais suplementares para o professor usar com os alunos com necessidades adicionais de suporte, sobretudo quando há falta de técnicos especializados para que se faça a escola inclusiva, bem como materiais para alunos com maior facilidade de aprendizagem e que precisam de desafios constantes para se manterem ativos e motivados. Tudo isto existe, em suporte papel e no suporte digital. Por conseguinte, a diabolização de um e o endeusamento do outro não fazem qualquer sentido, quando se percebe que é da sua articulação e complementaridade que se consegue o melhor.
Felizmente, os professores sabem isso e não vale a pena dizer-se que as tecnologias é que são o arauto da pedagogia diferenciada. De uma forma natural, e na medida do exequível, a diferenciação pedagógica faz-se, já que se impôs como resposta à massificação da escola e ao propósito de levar todos os alunos à aquisição e ao desenvolvimento de uma base comum de conhecimentos e de competências. Diferenciar não é individualizar. É ter em consideração o indivíduo, mas com o objetivo de o acompanhar no contexto de um coletivo, porque há um “direito à diferença”, mas também há um “direito à semelhança” (Meirieu, 2012), sendo as duas faces do que todos pretendemos, a inclusão e o sucesso dos alunos.
Os resultados que temos alcançado no PISA e noutros barómetros são um sinal de que a escola trabalha bem, os professores, apesar de todos os obstáculos, trabalham bem. Será que se pode fazer melhor? Claro que sim, desde que haja da parte dos decisores um planeamento estratégico e um maior investimento nos recursos humanos e nos recursos materiais, de forma a promover a equidade e a diminuir as assimetrias sociais, que se espelham na escola. Urge recentrar os discursos e os atos no valor acrescentado dos professores, uma espécie em vias de extinção mas que faz toda a diferença.
Elisabete Jesus
Fonte: Público
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