É comum, quando se fala em promover o sucesso escolar ou em trabalhar para a construção de uma escola mais inclusiva, levantarem-se algumas vozes que imediatamente acusam qualquer iniciativa dessa natureza de ser, na realidade, promoção de um ensino facilitista.
Vale a pena tentar perceber a origem desse medo, para se averiguar se é real e para se entender se a inclusão corresponde a uma redução da qualidade e se querer mais sucesso é sinónimo de uma redução de expectativas face aos resultados dos sistemas educativos.
O medo dos arautos do facilitismo é simples de entender. Baseia-se na ideia de que a alternativa a reprovar é passar. Isto transforma o ato educativo num ato administrativo. Transforma a passagem de ano num mero exercício estatístico, em que se confunde o resultado com o que deve gerar esse resultado. Parte do princípio de que promover o sucesso é espoletar passagens administrativas independentemente do que os alunos aprendem. A ser assim, estaríamos perante uma fraude em que todos nos enganávamos uns aos outros. Os alunos eram defraudados porque não estariam a aprender. Os professores defraudados por se estar perante uma legitimação de uma perversão do seu trabalho. Costumo dizer que, se Portugal um dia acordar com 0% de insucesso, mas os alunos não tiverem aprendido nada, falhamos duplamente. Porque a sua avaliação foi adulterada e porque não aprenderam.
Então qual é a alternativa a reprovar? Aprender. E se os alunos aprenderem, no final do ano não reprovam. Isto implica um trabalho da parte de todos que é tudo menos fácil e, portanto, é tudo menos facilitista. Sabemos que o insucesso escolar em Portugal – tal como em muitos outros países – está fortemente associado à condição socioeconómica dos alunos. Os ricos passam, os pobres enfrentam muito mais dificuldades. Isto significa que o problema do insucesso é, em primeiro lugar, um problema de justiça social. Não é justo que a escola, que é a única esperança de mobilidade social para muitos, em vez de eliminar as assimetrias sociais à entrada, as reproduza ou, por vezes, as acentue. É conhecida a minha aversão a rankings simplistas que mais do que mostrarem o trabalho de uma escola mostram o contexto socioeconómico dos alunos ou até a capacidade de procurar centros de explicações nos arredores. Esta é a escola facilitista: a que seleciona alunos à entrada e que vive muito do que se passa fora dos seus muros.
Para alguns, a pobreza é uma fatalidade na educação. Não há nada a fazer. Felizmente, sabemos que isto não é verdade. Num estudo de 2016 da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, Desigualdades Socioeconómicas e Resultados Escolares, confirmam-se as assimetrias sociais, mas verifica-se que, comparados alunos que têm o mesmo perfil socioeconómico (apurado de acordo com o escalão de Ação Social Escolar e a habilitação da mãe), é possível concluir que a pobreza não é um destino, constatando-se assimetrias regionais que revelam que a pobreza é um preditor mais forte de insucesso nuns distritos do que noutros. Afinal, a escola pode fazer a diferença, sendo necessárias análises qualitativas sobre o trabalho que fazem as escolas que contrariam o determinismo da condição social.
Este trabalho tem vindo a ser feito. Sabemos hoje mais sobre o trabalho feito em escolas que conseguem levar alunos de minorias étnicas até ao fim da escolaridade obrigatória, sobre o que fazem as escolas TEIP que conseguiram uma evolução positiva dos resultados, sobre as estratégias de envolvimento parental em comunidades particularmente vulneráveis. São escolas que não desistem e sabem que mais do mesmo vai necessariamente não funcionar. A palavra “culpa” é muitas vezes usada nestes debates. Está-se a dizer que são as escolas que têm culpa quando os alunos não aprendem? Não. Simplesmente afirma-se que, perante contextos de enorme dificuldade, importa partilhar experiências e práticas que contrariam o fatalismo. Estas práticas geralmente mostram que a escola sozinha não resolve, mas que sem escola nada se resolve.
A escola que só garante o sucesso dos que têm condições privilegiadas à partida não cumpre a sua missão. A inclusão de todos os alunos, prevista no decreto-lei 54/2018, é apoiada por medidas que visam promover melhores aprendizagens e não atos administrativos. Como instrumentos de trabalho para a inclusão e para o cumprimento do Perfil dos Alunos, o Governo desenvolveu medidas como a flexibilidade curricular, a revisão das Orientações Curriculares para e Educação Pré-escolar, a identificação de Aprendizagens Essenciais para combater o problema da existência de programas demasiado extensos, a intervenção em projetos locais de intervenção precoce no âmbito do Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, um investimento na formação científica e pedagógica dos docentes, a criação do Plano Nacional das Artes, o relançamento do Plano Nacional de Leitura 2027, a promoção de mais ciência experimental nas escolas com a rede de clubes Ciência Viva, a valorização do Ensino Profissional, a diversificação de instrumentos de avaliação mais adequados e formativos, com produção de relatórios qualitativos, avaliação performativa, aferição com dimensão interdisciplinar, avaliação de produção e compreensão oral nas línguas e apoio tutorial específico para o desenvolvimento de competências sociais e emocionais.
Este trabalho integrado é tudo menos fácil.
Afinal, a escola verdadeiramente facilitista não é a que promove sucesso. É aquela que se limita a esperar pelo fim do percurso, a examinar e a verificar quem passou e enviar para outro percurso aquele que não conseguiu. Isso é fácil. Difícil é garantir que também aprendem os que chegam à escola sem motivação, sem relação com o conhecimento, por vezes com fome e a experimentar situações familiares terríveis. Felizmente, temos uma história recheada de escolas, comunidades e muitos professores que fazem a diferença na vida destes alunos e não os transformam num problema administrativo. E isto sabemos que não é fácil.
João Costa
Secretário de Estado da Educação
Fonte: Observador
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