Há pouco tempo foi publicado na Visão mais um artigo sobre o Ensino Doméstico em Portugal. Com exceção de dois ou três artigos recentes, ambos escritos por jornalistas, Ana Kotowicz e António Moura dos Santos, a maioria da escrita sobre este tema tende a ser superficial e pouco informada, o que é pena, sobretudo porque quem escreve se apresenta como especialista no tema. Seja o que for que depois concluíram para si, quando o fizeram no espaço público, a Ana e o António, fizeram-no na sequência de uma visita de longa estadia, um Erasmus, investigação etnográfica. Qualquer que seja o desenho de investigação, é importante que se considere que o assunto é muito complexo e que as variáveis são muitas. Se a análise se assume como científica, porém, então é preciso não esquecer que a ciência é um processo que, ao contrário da ideologia, se distingue pela flexibilidade intelectual (que parece faltar nas abordagens especialistas em Portugal), pela a aceitação graciosa, agradecida, embora por vezes relutante, da necessidade de mudar a mentalidade, à medida que nossa compreensão do mundo evolui (porque o mundo, evolui, é certo). A maioria das pessoas não são revolucionárias, nem cientistas. Mas qualquer um que aspire a estar bem informado deve compreender não apenas as descobertas cientificas mais importantes, mas também a sua natureza provisória, e a necessidade de evitar a rigidificação das categorias: saber quando é tempo de abandonar um paradigma e substitui-lo por um novo. Mais, o cientista tem de ver esta transição como progresso, em vez de sinal de fraqueza, o que é mais difícil do que se pode imaginar. Um bom paradigma é uma coisa muito difícil de se perder (Barash, 2015, Paradigms Lost).
É natural que uma forma de educar que pode ser tão diferente do que tem sido a educação (e continuará a ser) da maioria das pessoas possa intrigar. A educação de uma pessoa, enquanto objeto de estudo, não pode ser tratada como um fenómeno linear e causal. Envolve questões ideológicas e económicas e de contexto. E não podemos considerar que determinados métodos e hábitos da escolarização sejam naturais e necessários, só porque em tempos funcionaram bem.
Termino esta primeira parte, trazendo à luz A questão que continuamos a tratar como se fosse uma espécie de alergia. Incomoda às vezes. É sazonal. Todos passam por isso, e ninguém se magoa (supostamente). A escola NÃO é, per se, o melhor contexto de sociabilização. Para algumas pessoas é ou foi. Para outras não é, não foi, nunca será. Quanto maior, mais povoada, de pessoas e conteúdos, menos cumpre essa sua possível função. Outra vez a história da massificação. Há muitos miúdos que não se adaptam. Cada vez mais. Há muitos que não aprendem. Aprender não é uma coisa que se faça à pressa, na confusão indistinta das paisagens sonoras de uma mega-escola.
Respiguemos algumas observações do artigo, na expectativa de que tragam outra possibilidade de entendimento. A intenção não é provocar ou fazer juízos de valor, mas antes trazer outros elementos para um debate saudável. Para que como investigadores, cultos e adultos, possamos analisar graciosa e agradecidamente esta possibilidade maravilhosa: observar a mudança de uma sociedade, dos seus paradigmas que em tempos ocuparam lugares meritórios de ribalta.
1. O 25 de Abril, a alfabetização e a escolaridade obrigatória. Em 45 anos, felizmente, muitas coisas mudaram. A escola pública continua a ser uma conquista extraordinária. E terá sempre o seu lugar. O Ensino Doméstico (ED), tal como o Individual, sempre o foram no âmbito da escola pública. Há países que distinguem educação obrigatória de escolaridade obrigatória. No meu entendimento, uma distinção que é preferível, embora compreenda que dar o livre arbítrio, mesmo, implique que exista (talvez) essa maturidade global para poder escolher. Assim, parece que no caso dos portugueses, isso seria um perigo. Ainda há 45 anos a taxa de analfabetismo era de quase 26%. Acrescentar apenas que a existência de mais opções não significa a negação ou rejeição das opções que já existem.
2. “…a escola é por excelência um espaço de sociabilização e de aprendizagem de competências e valores sociais no âmbito da cidadania ativa.” “Por excelência”, não é. Porque não o é, em si. Dentro da mesma sala de aula, diferentes crianças e jovens têm experiências muito diferentes. Para a maioria é assim assim; e a sociabilização com ou sem contexto escolar, não produz grande impacto nas competências sociais e cidadania ativa destas crianças. Para outras, fará toda a diferença. É escola-casa, lugar de referência para uma existência minimamente saudável, possibilidade para o desenvolvimento de melhores relações com pares e adultos. O código-postal, juntamente com o genético, continuam a ser fatores muito influentes na previsão do futuro de uma pessoa, de acordo com um estudo publicado já este ano pela Harvard Medical School. Com exceção desses casos, para os quais a escola se constitui como lugar quase absoluto de desenvolvimento (mas também para estes) a escola não é muitas vezes pêra-doce. Os miúdos pobres, sem indicadores externos de valor (que possam demonstrar aos seus pares), das aldeias, feios, de minorias linguísticas, à partida com menos skills, incapazes de se ajustarem às expectativas desta sociedade sem tempo, esses ganham menos do que seria necessário.
A aprendizagem social, requer modelos sociais eficazes, capazes. Isso implica a existência de outros mais velhos e habilidosos, disponíveis para observar e regular, ajudando a criança na transição da hetero para a autorregulação. Isto é dificilmente conseguido com os rácios adulto-criança das escolas tradicionais. A começar logo no pré-escolar (ou antes disso). Estou a escrever um artigo que compara a concordância dos educadores e de crianças em idade pré-escolar sobre quem são os seus amigos. Os nossos resultados, como noutros estudos, mostram que é baixa a concordância, menor ainda para as crianças com desenvolvimento atípico, mas que melhora um pouco nas salas onde há menos crianças.
Considerar que a escola, porque está cheia de possibilidades de sociabilização, de pessoas com quem interagir e desenvolver relações é por si só suficiente para que isso aconteça, não só não é sempre verdade, como é perigoso. Para os miúdos a quem esse contexto não serve, que preferem interações em grupos menores, diádicas, ou com pessoas mais velhas, assumir que deviam estar bem adaptados e equipados com competências sociais porque ali estão, pode ser um grande problema. São a fruta-feia. (Que, já sabemos, é tão ou mais saborosa). Só que uma pêra feia não se chateia com isso, já uma criança…
3. “…a legislação nacional permite que as famílias, por razões de natureza estritamente pessoal ou de mobilidade profissional, assumam uma maior responsabilidade na educação dos seus educandos/as, optando por um processo educativo fora do contexto escolar, designado por ensino individual e ensino doméstico.” Ainda bem. Porque estas famílias, em regra, não fazem estas escolhas de ânimo leve. Desengane-se que pensa que é simples, fácil e possível de manter se não estiverem asseguradas, pelos menos, as questões da sociabilização.
4. A portaria e o protocolo escola-família. Da minha experiência com as famílias, não há oposição ao protocolo. Há oposição, sim, ao facto de mais do que seria de esperar, não existir um verdadeiro acordo entre partes, mas antes uma proposta da escola, unilateral, que pressupõe a subordinação da família, e não a sua participação cooperante. A correr bem, há famílias que muito agradecem por finalmente existir uma base comum que facilite procedimentos claros. É positivo que se queira comunicar com estes alunos. Que afinal fazem parte da escola onde é realizada a sua matrícula. O protocolo, por si, no entanto, não garante condições de aprendizagem. Porque a aprendizagem não se desenvolve apenas por critérios desta natureza. As crianças não aprendem só porque são expostas a conteúdos e a professores. É por isso que muitas crianças na escola, apesar dos recursos e especialistas, continuam a não aprender. Supor que um protocolo serve para isso, é arriscado. Era bom que se tivesse o mesmo cuidado com as crianças que estão nas escolas todos os dias.
5. As habilitações. Os estudos disponíveis sobre este assunto (norte-americanos, como habitual) indicam que os alunos em ED obtêm resultados nas provas equivalentes aos exames nacionais em Portugal (osGrade Point Average, ou GPA), superiores aos dos seus pares em “regime” presencial. Neste estudo, de 2016, discute-se que embora os pais não tenham formação académica, são capazes de proporcionar aos seus filhos um ambiente educativo de qualidade, caracterizado pela consistência e resposta eficaz e eficiente às necessidades e interesses, um ambiente feliz onde os estudantes são valorizados e respeitados. Assim, isto também serve para pensar paradigmas.
6. “… os conhecimentos e a formação necessária”. Se por conhecimentos e formação necessária se remete para o Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória, estamos todos mais ou menos de acordo. Se o foco for “programas”, não. Uma das razões que leva as famílias a optar pelo ED é a liberdade pedagógica, metodológica e conceptual. E para algumas, não só é irrelevante que uma criança não aprenda alguns conteúdos, como é pouco natural que o faça. Tão cedo. Veja-se a Matemática. Atualmente as crianças do 2º ano (1º ciclo) são introduzidas às frações. Contudo, as operações formais, a possibilidade para pensar em abstrato, manipulando condições mentalmente, não surge no desenvolvimento antes dos 12 anos, aproximadamente. Isto é preocupante. Não são claras as respostas às questões: Porquê? Com que objetivo? A que custo? Parecem pouco científicas, e muito mais ideológicas e políticas as razões. Não era isto que se queria evitar no ED? E se for no contexto da sala de aula, já pode ser? Os centros de explicações agradecem, bem como as editoras e ainda as farmacêuticas que se ocupam de suplementar os cérebros em desenvolvimento, aquietá-los, ou animá-los, no caso das dificuldades serem tantas, que depois o corpo as denuncia no formato depressão infantil, ansiedade e outras que antes, como a diabetes e a obesidade (esta última a afetar já 30.7 % das crianças Portuguesas), eram problemas dos velhos.
A constatação destes problemas é cada vez mais difícil de ignorar. O relatório Improving the Quality of Childhood in Europe (2016) refere: embora a saúde física das crianças e adolescentes na Europa tenha vindo a melhorar continuamente, a probabilidade de que venham a ter problemas de saúde mental, incluíndo sociais, emocionais e comportamentais, tem aumentado (com certeza, não pelos números do ED, embora fosse interessante estudar como é que estes miúdos se vão saindo). (…) Os problemas mentais nas crianças e adolescente cobrem uma grande diversidade de desordens, incluindo depressivas, ansiedade, disruptivas, e alimentares. Numa meta-análise recente, incluindo 33 estudos, a prevalência foi em média 17.6 %. Isto sim, é um problema. Em Portugal, o número de alunos em ED aumentou, mas nem chega a 0.5 % da população estudantil, longe disso, 0.02 %. Nem nos países onde as percentagens são maiores, vão além dos 3 %. Assim, numa análise mais objetiva, não me parece que este seja território para alarme.
Ainda assim, porque é da divergência que nascem novas possibilidades, pode ser interessante saber como funciona o ED e de que modo é que um contexto social mais pequeno, como menos possibilidades para interagir e relacionar-se, se traduz em competências. E saber também, na realidade, com quantas crianças é que uma criança consegue de facto interagir e desenvolver relações de qualidade. Quer no contexto da escola, quer fora dela. Eu apostaria que os números seriam mais próximos do que se imagina.
7. “Devíamos refletir se a lei não deveria ser mais restritiva na permissão, uma vez que a escola e o contacto com o meio escolar, com outras crianças, com a formação em grupo, tendo em conta a experiência da dinâmica social do espaço escolar, são aprendizagens e experiências muitíssimo importantes no desenvolvimento das crianças.” No geral, esta necessidade parece assegurada. Devíamos sim refletir porque continuamos coletivamente a desvalorizar o direito da criança em participar ativamente nas escolhas sobre o que faz e aprende no seu dia-a-dia durante 12 importantíssimos anos da sua vida. Devíamos refletir porque é que em Portugal não há nenhuma escola really democrática. Até aos 6 anos, os pais ainda encontram abordagens “integrais”, depois já não, perde-se a fibra… Devíamos refletir porque é que noutras áreas as novas tecnologias modificaram e continuam a modificar as possibilidades e os procedimentos, e na escola isso não acontece. O livro até pode ser tablet, mas o processo quase nada se alterou. Devíamos refletir sobre a classificação, corrida às notas, ratings e rankings que pervertem tudo o que seja aprendizagem da boa. Sobre os dias inteirinhos que as crianças passam nas escolas desde muito, muito cedo, tempo esse onde não existe nem brincar nem vida em família. A família, para se manter, precisa de estar. Fins-de-dia e de semana não chegam. Só parece que sim. Devíamos refletir sobre muitas, muitas coisas. Não se trata, porém, de um assunto legal, senão moral e social.
8. “O interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais.” Exatamente. E caso não se observe que sejam incapazes para tal, o pressuposto, ou principio, é o de que são capazes. Inocente até prova em contrário, certo?
9. “As famílias não podem, alegando a liberdade de escolha, por em causa o superior interesse dos seus filhos e filhas, porque as crianças não são propriedade das famílias.” Seria preciso determinar e verificar em que medida a liberdade e a escolha colocam em causa o superior interesse da criança. Por exemplo, para mim, que não se dê outra opção às famílias que não passe maioritariamente pela creche, põe em causa o superior interesse do bebé. O estabelecimento de uma vinculação segura carece de continuidade e recorrência (e muito colo) da pessoa a quem o bebé se vai vincular. Há estudos que indicam efeitos negativos na qualidade da vinculação, em crianças que passam apenas, em creche, 10 horas por semana (aproximadamente 2 horas por dia). Isso merece reflexão. Assim, o mesmo juízo funciona para os dois lados. Relativamente à propriedade, pode ser, mas também não são (as crianças) propriedade do estado. Pelo menos, de acordo com a nossa Lei.
10. “Todas as crianças que têm condições de frequentar uma escola devem frequentá-la e a lei devia, no meu entender, ir mais longe nesta demanda. Há situações para as quais estas modalidades consagradas na legislação são desejáveis e devem ser implementadas. (…) contudo esta modalidade ser possível apenas e somente porque a família assim o entende como melhor, parece-me no limite daquilo que são os direitos das crianças.” Seria preciso determinar, para cada criança, se a escola que temos lhe serve melhor que outras opções. As condições devem ir além das doenças graves, raras e condicionantes que são “puramente” do domínio da saúde. E é isso que acontece. E ainda bem. Não há nem “apenas” nem “somente”. Quem pensa que escolhe o ED ou o EI e ganha com isso (o quê exatamente?) depressa reconsidere. E se é para levar mesmo a sério os Direitos da Criança, então é preciso trazer aqui os princípios 6º e 7º da Declaração dos Direitos da Criança (ou direitozinhos?). A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe (que interessante). (…) o interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais. A criança deve ter plena oportunidade para brincar e para se dedicar a atividades recreativas, que devem ser orientadas para os mesmos objetivos da educação. Assim de impulso, diria que há por aqui muitos movimentos funâmbulos, no limbo criança enquanto um sujeito de direitos. Infância titubeante.
11. “Sabemos que ao longo dos anos esta possibilidade, muito em particular a do ensino doméstico (…) levava a que fosse utilizada por razões culturais, levando ao isolamento de crianças e à interdição de contacto com um contexto social mais alargado e nalguns casos à inibição de uma aprendizagem curricular regular e efetiva.” Sabemos? Quais são as referências bibliográficas, onde estão os dados? Porque uma ou outra situação, em ciência chamam-se anedóticas e não podem ser base dedutiva, nem Legal.
12. (e final) “O ensino e a educação para todos e todas, universal e tendencialmente gratuito, obrigatório até ao 12º ano, são conquistas de abril, conquistas de uma sociedade desenvolvida. Sim, a educação, sim, para todos. Mas hoje em dia, assumir que há só uma educação, é o mesmo assumir que a única forma de garantir proteína e cálcio na alimentação continua a ser através do consumo de produtos de origem animal. Não serve a este paradigma, não serve a este tempo social, histórico, cultural. Não serve à manutenção deste planeta, se é para manter, o planeta. “É dever do Estado pugnar para que, em nenhuma circunstância, sem razões objetivas que impossibilitem as crianças de frequentar uma escola, alegando por exemplo a liberdade de escolha das famílias, as impeçam de ter um percurso educativo e de aquisição de competências pessoais e sociais.” Mais uma vez, a maioria das famílias, ao fazer esta escolha, fá-lo por considerar que a educação que pode oferecer aos seus filhos é melhor permitindo-lhes crescer de forma mais significativa. Determinar, à partida, que a escola é sempre a melhor opção parece também fundamentalista. Não se trata de impedir, mas de promover aquilo que a escola, para muitas famílias, ou faz mal, ou não faz de todo, porque é outra a sua natureza.
E é sobre essa natureza que agora reflito e com ela encerro esta espécie de carta, contra-argumento (que no imaginário me transporta ao tempo em que se trocavam cartas sobre ideias e se admiravam e respeitavam as diferenças, à volta de um café ou num passeio pelo campo).
Hipótese c: Slow living, slow learning
Há por aí famílias, muitas nos números que ampliam as estatísticas do ED, que acreditam (isto é ideológico, sim) que a adoção de um modo de vida vagaroso, ao estilo clássico alentejano adaptado à educação, é eficaz na redução da pobreza de tempo. Um problema dos dias de hoje muito complicado de resolver. Este princípio, valoriza uma educação humanista por oposição à “comercial” e de consumo.
De acordo com Petrini (2007), no seu Slow Food Nation (obviamente com aplicação para além da alimentação), o assunto não é tanto o da velocidade, mas o da diferença entre atenção e distração; a lentidão não é uma questão de duração, mas uma capacidade para distinguir e avaliar, com propensão para ativar o prazer, o conhecimento e a qualidade.
Noutro, que refere o primeiro, The slow professor can dish out a more nutritious education, Seeber & Berg (2017) referem que o que está em causa é proteger o trabalho que é mesmo importante. Nomeadamente, a vida intelectual e pedagógica, criando condições para pensar e mudar a nossa conceção de tempo. A natureza do processo ensino-aprendizagem, é dissolvida através do aumento da “carga de trabalho”, da “causalisação” desse trabalho (i.e., mais o tempo trabalhar = melhores resultados), da expansão das tecnologias, do modelo de consumo da educação. A educação é cada vez mais um negócio. Ensinar e aprender são cada vez mais estandardizados, salientando-se a transferência de competências e de tempo para aplicar essas competências. Ambos são avaliados de forma quantitativa em vez de qualitativa.
E continuam… A vida contemporânea (Ocidental, sobretudo) caracteriza-se por “distração e fragmentação”. Ao minuto. Nessa corrida, é quase impossível que se aprenda bem, o que quer que seja; que se sociabilize bem, que se interaja bem, que se comunique e discuta bem.
A liberdade para optar por outra educação, sem outras razões clínicas, pode ter por base esta grande motivação ideológica que é também empiricamente sustentada. O que apela a este movimento, com repercussões para além da educação é a sua natureza critica relativamente à cultura contemporânea, em direção a outros valores, por exemplo, o prazer e a co(n)vivência. E a família. E a relação. E a infância.
As famílias querem estar em família. Em comunidade. Querem viver mais demoradamente, com mais significado, e menos lixo. Dos vários tipos de lixo, desde o plástico ao que não se vê, mas que se acumula nos gestos e na arrogância.
Naturalmente que quantos mais se insurgem mais evidentes são as implicações políticas.
Por fim, como referem Seeber & Berg (2017), as duas mulheres, só por curiosidade, não se trata de diminuir os standards. Pelo contrário, trata-se de reduzir as distrações, o ruído, para que nos consigamos focar, concentrar, encantar, demorar. Ouvir. Ao nível da sala de aula, referem, é preciso que os estudantes possam corresponder aos desafios, que se possa promover o prazer pela aprendizagem. Trata-se de (…) resistir à pressão para reduzir o pensamento ao imperativo da utilidade imediata (os testes), preservando a ideia da aprendizagem como uma questão de resposta aberta.
Era mais ou menos isso que tinha para dizer. Talvez mais. Mas agora, 3614 palavras depois, parece-me que já temos palavras e pensamentos suficientes para ficarmos algum tempo em silêncio. A pensar, e a imaginar.
Va-ga-ro-sa-men-te. E, claro, sem respostas simplistas, ou demagógicas.
Inês Peceguina
Fonte: Observador
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