domingo, 2 de junho de 2019

“O meu trabalho não é reparador, é promotor de projetos e com isso do sucesso escolar”: Fátima Matos, assistente social

Estamos perto da mesquita de Lisboa, no Bairro Azul, na escola sede do agrupamento Marquesa de Alorna, distinguida como TEIP, a sigla por que ficaram conhecidos 137 agrupamentos localizados em territórios económica e socialmente desfavorecidos, marcados pela pobreza e exclusão social, onde a violência, indisciplina, abandono e insucesso escolar mais se manifestam. Criados há dez anos, este tipo de escolas foi servido dos habituais serviços de psicologia e orientação, com esse reforço que é ter uma equipa multidisciplinar em que também cabe o assistente social. E, olhando para o percurso da assistente social à nossa frente, os meninos que aquela escola serve não podiam ter tido melhor sorte.

“O que eu faço é muito mais do que um trabalho reparador. O meu trabalho é sobretudo promotor de projetos, que ajudem a prevenir o insucesso escolar e os comportamentos de risco”, explica a mulher à nossa frente, adiantando que é adepta das metodologias ativas, por oposição ao método mais conservador baseado na mera transmissão de conhecimento. “É preciso ocupá-los, pô-los a mexerem-se. É óbvio que há alunos que funcionam bem em modelos expositivos, mas muitos outros não. Sobretudo depois do almoço, é tão contraproducente...”

Fátima Matos, 49 anos, sabe bem do que fala - ela que cresceu numa aldeia pequenina junto a Aveiro, onde as meninas só saíam de casa se fizessem parte de organizações comunitárias e afins. E então inscreveu-se em tudo o que havia ali à mão, sempre movida pelos direitos humanos. No fim do Secundário, ainda hesitou em seguir o curso de direito, até que se cruzou com o de serviço social.

Até chegarmos aqui, àquela sala na escola sede do agrupamento Marquesa de Alorna, foi um longo e variado percurso. Primeiro, esteve integrada no Programa Especial de Realojamento, dando apoio às novas políticas de educação e intervenção prioritária, ajudando a deitar abaixo bairros de barracas como o do Fim do Mundo, em Cascais, e da Pedreira dos Húngaros, em Oeiras.

Seguiu-se uma experiência de intervenção de rua com toxicodependentes e depois desse mundo dos consumos aditivos, a educação e formação, desenhando uma resposta educativa para combater o trabalho infantil.

“Vivia-se num absoluto contrassenso: havia imensas crianças a trabalhar ao mesmo tempo que sobravam adultos sem emprego”, recorda, a propósito de uma época em que ainda reinava esse pensamento do “se não serve para a escola então vai trabalhar...”

Eis que, no fim desses programas, acabou por se candidatar ao trabalho numa escola. E esta é a altura por excelência para preparar o início do ano letivo. É quando começam a propor projetos aos parceiros da comunidade. “Todas as escolas têm muito mais recursos do que imaginam. Por exemplo, aqui ao lado está a mesquita, há bancos e universidades, a fundação Gulbenkian, o IPO, uma avenida cheia de hotéis, o El Corte Inglès...”, revelando ainda que, ao abrigo da responsabilidade social, a generosidade das empresas pode ser muito, muito surpreendente.

Ao mesmo tempo, cada diretor de turma deve, ao abrigo da nova legislação, promover um projeto por turma, para desenvolver ao longo do ano letivo seguinte. É por isso que há quem tome conta das plantações na horta comunitária, quem tenha aderido ao ateliê de cerâmica ou de construção naval – entre uma série de outros que incluem momentos musicais, cozinha ou a criação de percursos pedestres para conhecer Lisboa. Ou ainda, um ateliê de costura, como havemos de confirmar, no corredor do andar de cima.

“Muitos ainda são ateliês de tempos livres, mas o grande desafio é que sejam integrados no currículo, ao abrigo da flexibilidade curricular”, continua a assistente social, a assinalar por vezes o ócio também se revela criativo, mas se mantivermos as pessoas em atividades que gostam – e aqui acrescente-se que não falamos apenas dos alunos – isso torna-as mais felizes e obviamente faz diferença. “É uma oportunidade para fazer intervenção social sem ser pela negativa.”

Ao mesmo tempo, toda esta proximidade permite ter um olhar mais atento aos meninos que lhe passam pela frente – e intervir, sempre que, por exemplo, um aluno vem para a escola com a mesma roupa durante uma semana ou quinze dias, como já aconteceu. Os maiores problemas, esses, são fáceis de enumerar: absentismo, insucesso escolar e negligência familiar, muitas vezes, demasiadas, ligados entre si.

“Chegámos a ter um adolescente que tomava conta da mãe, alcoólica. Começou a baixar as notas, aparecia sempre muito cansado, porque dormia pouco, até que percebemos que era ele que fazia tudo em casa. Outro fazia parte de uma família que tinha sido realojada, mas não tinha qualquer eletrodoméstico em casa. Imagine-se, era uma mãe com quatro crianças. Lá interviemos de forma a angariar, dentro da comunidade, o mínimo para os ajudar.”

Claro que nem todas as histórias dramáticas de uma escola que acolhe meninos de alguns dos bairros mais vulneráveis da cidade têm um final feliz, mas nada disso demove esta assistente social. “Acho sempre que é possível envolver as pessoas para elas mudarem a sua vida e fazerem melhor. É por isso que uma das nossas metas é não só definir as suas fragilidades, para saber que ajuda precisam, mas também as capacidades que têm e podem desenvolver para melhorarem a sua situação.”

Outra vez, em conversa com a mãe de um aluno que estava desempregada, Fátima insistiu para ela lhe apontar uma coisa que soubesse fazer bem. “Uma coisa, diga-me uma coisa que saiba fazer bem.” A mulher respondeu: “Rissóis.” E durante um tempo, até arranjar novamente trabalho a tempo inteiro, fez rissóis para vender informalmente e isso ajudou-a a passar melhor um momento menos bom na sua vida. “E nós não fizemos nada. Apenas reforçámos uma competência positiva que ela tinha,” remata, orgulhosa, a insistir que não tem nenhuma varinha de condão - apenas faz também parte das suas funções identificar encarregados de educação que estejam desempregados e promover a sua empregabilidade.

“Porque é que isto também é função do assistente social numa escola? Porque ao criar condições de estabilidade de uma família, estou a ajudar a criar bem-estar e isso melhora a sua vida e a dos filhos, nossos alunos.”

Fonte: Visão

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