Em 2001 foi aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos uma lei designada por “No Child Left Behind” que se poderia traduzir em português por: “Não deixar nenhum aluno para trás.” Não cabe aqui evocar as muitas avaliações que foram feitas desta lei, mas sobretudo evocar o seu propósito maior de organizar o sistema educativo de forma a que pudesse servir – e bem – a qualquer e a todos os alunos. Basicamente, este programa procurou identificar um conjunto de conhecimentos e competências básicas que todos os alunos deveriam desenvolver ainda que eventualmente em graus diferentes.
Este propósito de organizar o sistema educativo de forma a servir todos e cada um dos alunos continua a ser – passados que são 17 anos da publicação desta lei – um objetivo ambicioso e um “estaleiro de obras”. Entende-se bem porquê: existem muitos alunos que não conseguem ter sucesso na escola e, por este motivo, reprovam ou abandonam precocemente a escola e a hipótese de a terminar com sucesso. Tem sido repetidamente demonstrado que a escola serve melhor uns alunos do que outros e não se encontra preparada para servir todos, para conduzir todos, sem que muitos sejam deixados para trás. Por este motivo, continua a ser muito radical e ambiciosa a meta que noutro contexto até poderia parecer óbvia e evidente: uma escola deve ensinar e educar todas as crianças que a ela recorrem. Ninguém ignora – professores, pais, comunidades, políticos – que o desenvolvimento da escola a afastou e afasta muito deste objetivo de educar todos os alunos. A forma unificada de transmissão de conteúdos resulta em benefícios para os alunos que aprendem da forma como a escola ensina e em prejuízo dos que precisariam de outras estratégias e metodologias para aprender. Por outro lado, a complexidade e a extensão dos programas leva a que muitos alunos não sejam capazes de acompanhar o galope implacável da cadência dos programas. E, se algum leitor tiver dúvidas sobre isto, passe algum tempo a ler os manuais que são feitos para os alunos do ensino básico e depois pense como é que uma criança de dez ou 13 anos pode entender e responder ao que é pedido.
Perante esta dificuldade da escola para ensinar programas complexos a populações muito diversas, procurou-se instituir nas escolas um sistema de apoio pedagógico. Este apoio procuraria compensar, recuperar os alunos que só por ação das aulas regulares não seriam capazes de atingir a fasquia – lá em cima – que o sistema instituiu; seria, assim, a forma de diminuir o fosso entre o desempenho dos alunos com mais dificuldades e os ambiciosos objetivos dos programas. Muitas expectativas se geraram sobre estes apoios: seriam eles certamente que poderiam fazer com que “nenhum aluno fosse deixado para trás”. Mas o certo é que estes apoios, se quiserem ser efetivamente úteis, têm de ser concebidos e organizados de forma bem diferente do que são feitos agora. Sinteticamente esta diferença poder-se-ia conceber em três pontos:
Em primeiro lugar, um apoio não deve ser uma pura extensão das aulas regulares. O apoio não é para voltar a dizer e a fazer exatamente o mesmo que se pede na aula regular. O apoio, pelo contrário, tem de explorar a sua potencialidade de personalizar a aprendizagem e identificar formas de aprender que devem que ser respondidas com diferentes estratégias de ensino. Conceber um apoio como “mais do mesmo” só serve, em muitas situações, para aumentar o tédio e a desmotivação para aprender. Depois, é importante que o apoio não seja um recurso que é acionado sem que tenham sido exploradas outras formas de o aluno aprender e estar incluído no ambiente de aprendizagem comum a todos os colegas. A primeira frente para combater o insucesso é a própria aula: o seu interesse, a motivação que implica, as estratégias que usa, os diferentes níveis de participação que implica, as diversas formas de trabalho que podem confluir para a aprendizagem de todos os alunos. Remeter alunos para o apoio sem esgotar todas as possibilidades que são exequíveis na sala de aula não contribui, por certo, para que todos os alunos possam aprender. Uma última questão sobre o apoio prende-se com o facto de todos os alunos precisarem de apoio. Muitos alunos usufruem de um apoio “invisível” (pais, centros de estudos, explicações) e outros têm um apoio “visível”, aquele que está no horário e é proporcionado pela escola. Todos os alunos podem precisar em algum momento da sua vida académica de apoios e isso é parte integrante do seu percurso.
Construir uma escola em que nenhum aluno seja deixado para trás é uma questão de Direitos Humanos. Ninguém ignora as dificuldades que se enfrentam para cumprir este desiderato: as escolas confrontam-se com dificuldades que muitas vezes – e no melhor da sua vontade e competência – não conseguem resolver. Por isso é tão importante insistir na relevância das condições de trabalho, na presença de recursos materiais e humanos, na centralidade do trabalho da escola na aprendizagem e na educação de todos os alunos.
Não deixar ninguém – mas ninguém mesmo – para trás é agora, como há 17 anos, um objetivo desafiante e que precisa de visão e apoios para se poder cumprir.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
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