Sempre se soube que desenvolver na escola atual valores e práticas inclusivas é uma tarefa complexa e polémica. A complexidade da tarefa deve-se ao facto de a escola não ter sido criada para ser inclusiva e o processo de a tornar inclusiva para todos os alunos é uma tarefa difícil e que não se pode resolver com uma única medida, ainda que saibamos que se pode influenciar através de um conjunto articulado, persistente e direcionado de ações. É hoje consabido que medidas políticas, medidas de formação e de apoio aos projetos que se desenvolvem nas escolas são medidas que poderão aprofundar a inclusão.
Mas a inclusão também é polémica, apesar de as instituições internacionais com maior compromisso com os Direitos Humanos e com maior representatividade de peritos em Educação apontarem inequivocamente para a necessidade “universal” de desenvolver e aprimorar a Educação Inclusiva. Lembraria a este respeito (e muito sumariamente) cinco destas contribuições: a primeira é oriunda das Nações Unidas que, na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (2006), cita explicitamente (art. 24.º) o direito a uma educação inclusiva para os alunos com deficiência. Outra referência é oriunda da UNESCO que, no recentemente publicado “A Guide for Ensuring Equity and Inclusion in Education” (2017), aponta critérios para contribuir para o aprofundamento da Educação Inclusiva em todas as escolas. Falaríamos ainda da OCDE que, analisando sistemas educativos mundiais, aponta a inclusão como um fator de qualidade nos sistemas educativos (2017). Já neste ano de 2018, a Comunidade Europeia publicou uma recomendação sobre a “Promoção de valores comuns, educação inclusiva e a dimensão europeia de ensino” (Rec. 7/2018). A encerrar esta breve súmula evocaríamos o documento “Social Inclusion of Children and Young People with Disabilities” (2013), do Conselho da Europa, onde se defende a educação inclusiva como meio fundamental para criar uma sociedade inclusiva.
Portugal tem dado passos muito significativos para acompanhar este poderoso e inequívoco movimento mundial a favor da inclusão, como pode ser por exemplo constatado no relatório “Portugal: Education and Training Monitor, 2017”, da Comissão Europeia. Ao longo do nosso regime democrático, foram-se descobrindo e aperfeiçoando modelos, estratégias e recursos que permitiram a Portugal ter uma das taxas mais elevadas de alunos com condições de deficiência a serem educados na escola regular. Por outro lado, e como tem sido abundantemente discutido por académicos, por associações profissionais, sindicatos e “profissionais de terreno” (posição corroborada ainda pelo grupo de peritos das Nações Unidas que visitou Portugal em 2016), temos ainda muito caminho a percorrer ao nível de encontrar respostas suficientes e competentes para abarcar uma tão grande quantidade e diversidade de necessidades. Podemos encontrar projetos e práticas inclusivas de muita valia em escolas portuguesas que coexistem com situações que, sem dúvida, precisamos melhorar. Seria, no entanto, ridículo, que as dificuldades que se encontram quando se quer responder a estas necessidades nos fizessem desistir dos valores que as informam. Seria como, por exemplo, ao constatar que existem ainda hoje no mundo situações de escravatura, argumentar que a sua abolição foi errada, inútil ou precipitada.
Encontra-se ainda em debate público uma proposta de lei sobre o “Regime jurídico da educação inclusiva no âmbito da Educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário”. Esta proposta esteve três meses em discussão pública e tem sido objeto de numerosas opiniões e de pareceres das mais variadas pessoas e entidades. Destes pareceres existem três que, pela colegialidade, idoneidade e pelo profundo conhecimento que estas entidades detêm sobre o funcionamento do sistema educativo, merecem particular atenção: o da Pró-Inclusão (Associação Nacional de Docentes de Educação Especial), o parecer do Conselho das Escolas e o parecer produzido pelo Conselho Nacional de Educação. Estes pareceres (que podem ser consultados nos sites das respetivas organizações) são unânimes em reforçar a correção do rumo, dos princípios e dos valores em que assenta a nova proposta de lei, ainda que apontem recomendações e sugestões sobre algumas matérias mais pragmáticas.
Todo este movimento coerente e persistente em favor de políticas inclusivas ao nível nacional e internacional não é, obviamente, unânime. E falando em posições “contracorrente” cabe referir o texto publicado neste jornal em 15 de abril, por Luís de Miranda Correia. Na verdade, a bem do debate de ideias, seria bom discutir este texto apaixonado e rude. Mas não é possível discutir estas ideias porque... não se encontra lá nenhuma. Nada. Leem-se sim estados de alma apocalíticos e adjetivações biliosas como, por exemplo, apelidar de incompetentes os consultores do projeto do Ministério da Educação (exceto talvez um?), ou classificar o parecer aprovado no Plenário do Conselho Nacional de Educação como de “ignorância confrangedora embebida de uma profunda ideologia anticientífica" (?). Ao ler um texto como este, entende-se bem o que é “ideologia anticientífica” (expressão cujo uso envergonharia um estudante de Ciências Humanas...). Esta “ideologia anticientífica” é aquela que em lugar de procurar evidências, progresso e futuro, anda à pesca triste e ansiosa tanto de “problemas” como de citações de atores “históricos” que possam ser aproveitadas e descontextualizadas para emprestar alguma credibilidade a ideologias próprias. E quando assim é, a contribuição para o debate é solitária, crispada e irrelevante. Há, enfim, pessoas que perderam o comboio, mas, mesmo assim, acham que estão a viajar em primeira classe.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
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