terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Se pudessem escolher, as crianças iriam a pé para a escola

O trânsito excessivo ou o reduzido número de passeios e passadeiras são alguns dos motivos apontados por crianças dos 6 aos 11 anos para explicar por que não se sentem confortáveis a fazer as suas deslocações entre a casa e a escola a pé. Os resultados são de um estudo da arquiteta paisagista Andreia Ramos, para a sua tese de mestrado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), recentemente completada, e têm por base um trabalho feito num agrupamento de escolas de Gondomar.

De acordo com o trabalho de investigação, menos de um quarto (24%) dos estudantes vai a pé ou de bicicleta para a escola. Os restantes alunos usam meios de transporte motorizados, sendo que 50% do total o fazem no automóvel particular da família ou de amigos.

O cenário poderia ser diferente se as crianças decidissem, concluiu Andreia Ramos. Foi perguntado aos participantes qual o meio de transporte que utilizariam na deslocação casa-escola-casa se pudessem escolher. Oito em cada dez disseram preferir fazer o percurso por meios não motorizados.

As crianças evidenciaram uma “grande vontade de terem uma determinada autonomia” nas deslocações de que atualmente não dispõem, diz Andreia Ramos (...).

Na resposta ao questionário que foi aplicado aos estudantes, estes explicam ainda que não se sentem seguros nas deslocações sem supervisão de adultos, apontando como principais motivos aspetos relacionados com o espaço físico como o trânsito excessivo ou o reduzido número de passeios e passadeiras. Só depois destes aparecem nas respostas dos alunos questões relacionadas com a segurança pessoal, como o medo de serem assaltados ou de se perderem.

“Prioridade ao peão”

Estes dados permitem a Andreia Ramos concluir que o escasso uso de meios de transporte não motorizados nas deslocações entre casa e escola tem esta explicação: as cidades “não são pensadas para as crianças”.

“As cidades são projetadas pensando no transporte motorizado. Têm poucas preocupações com os acessos pedonais e são muitas vezes demasiado dispersas”, explica a arquiteta paisagista.

No estudo de Andreia Ramos foram inquiridos 191 estudantes do Agrupamento de Escolas de Rio Tinto, no concelho de Gondomar, dos 1.º e 2.º ciclos — ou seja, crianças entre os 6 e os 11 anos. De modo a evitar que o cansaço ou a falta de atenção afetassem as respostas dos participantes, a investigadora aplicou o questionário por meio de jogos didáticos e visitas de estudo.

“Quando andávamos com eles na rua, eles ficavam maravilhados. Tinham liberdade e não estavam acostumados”, conta a arquiteta paisagista, que trabalha agora no Instituto A Criança na Cidade, com sede em Vila Nova de Gaia. “As crianças parecem conceber a rua como o espaço do automóvel, e, por isso, considera-se urgente recentrar a rua nos peões e especificamente nas crianças, para os casos dos percursos casa-escola.”

Andreia Ramos recomenda, assim, uma maior atenção ao conceito de zonas de coexistência, o que pressupõe a partilha dos espaços urbanos por diferentes utilizadores e tipos de meios de transporte, passando a ser dada “prioridade ao peão” e a outros modos de deslocação não motorizados nos percursos casa-escola.

Fonte: Público

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