Talvez não haja nada tão antagónico como bullying e inclusão. E não parece difícil entender porquê. O bullying é uma prática — que tem sido em particular estudada em ambientes escolares — que consiste na prática de agressões repetidas, físicas ou psicológicas, sobre elementos mais débeis que, por causa destas práticas, experimentam um grande sofrimento, medo e sobretudo a sensação de estarem encurralados dado que todos os dias podem ser expostos a agressões e humilhações. É frequente associar os agressores a pessoas cobardes — porque não procuram um confronto desafiante, mas sim a agressão “segura”, mas também a pessoas elas próprias anteriores vitimas de comportamentos agressivos ou violentos. Na verdade, estima-se que existe uma percentagem apreciável de agressores que foram anteriormente agredidos ou vivem em ambientes violentos.
Na opinião pública, o bullying é frequentemente desvalorizado. Ouve-se dizer: “Antigamente era uma chapada, agora chama-se bullying!”, ou “O bullying sempre existiu, não sabíamos era dar-lhe este nome ‘fino’”. São opiniões desinformadas e quase arrogantes. Na verdade, o bullying não é igual a “uma chapada”: é uma agressão continuada, premeditada sobre alguém que não pode ripostar. Desvalorizar o bullying como “tendo sempre existido” seria como desvalorizar o combate à pobreza porque “sempre vão existir pobres”. A questão é que, se não fizermos nada, a situação atual não vai melhorar e agravar-se-á seja na pobreza, seja no bullying. E o certo é que não temos feito o suficiente para acabar com este estado de coisas. Citaria a propósito a relevância que tem tido o chamado “cyberbullying”, isto é, a pessoa ser agredida, exposta, enxovalhada através das redes sociais. Aqui também aparecem vozes de desculpa: “Não se pode fazer nada, isto já está no ar...” Não se pode? Ou melhor... o que se pode fazer? Conceber estas agressões como “de sempre”, “naturais” ou “inevitáveis” é sem dúvida uma das formas de as incentivar e robustecer.
Por outro lado, temos a inclusão, isto é, uma conceção de escola em que todos tenham o seu lugar de dignidade, de aprendizagem e participação. A inclusão concebe cada aluno como singular e, por esta razão, um elemento enriquecedor para todos os seus colegas na sua forma de aprender, na sua opinião, na sua vivência. A inclusão não é “misturar” alunos, é pelo contrário conhecer cada um deles para que melhor possam partilhar o que são e o que sabem.
Nada, pois, parece ligar o perverso bullying à inclusão, que são, como dissemos acima, antagónicos. Mas levanta-se a questão: porque existe este tipo de agressões em escolas que procuram a inclusão? A resposta é complexa e certamente multifatorial. Por vezes parece que o bullying quer “acertar contas” na escola de problemas sociais. Daria dois exemplos: (1) pequenos gangues na escola que vindo de ambientes desfavorecidos procuram tirar de alunos de classe média alguma desforra do seu “privilégio social”; ou então (2) gangues mais elitistas que exercem violência psicológica ou mesmo física sobre colegas oriundos de meios mais pobres. E aqui o bullying assume-se como uma frontal e radical oposição à “escola para todos”. É como se dissesse: “Podem querer que a escola seja para todos, mas nós encarregamo-nos de restabelecer as relações de dominação que existem lá fora.”
Quando hoje — e muito bem — falamos da centralidade de uma educação com cidadania (prefiro o “com” a “para”), isto significa um comprometimento total e radical de toda a escola com a erradicação destas agressões. Ninguém está dispensado desta vigilância e desta atuação. É preciso que os alunos sejam encorajados a levantarem-se em defesa dos colegas quando presenciam este tipo de situações de agressão; é preciso que os professores sejam intolerantes com qualquer situação de violência com qualquer dos alunos da sua escola. Digo “da sua escola”. Não há muito tempo me reportaram que um professor que passava no recreio foi interpelado por um aluno que tinha sido agredido e respondeu: “Tens que ir falar é com o teu diretor de turma.” Precisamos de todos os alunos, todos os professores, da direção da escola, dos pais, da comunidade, enfim, de todos mobilizados, todos determinados, a dar “cartão vermelho” ao bullying.
Nas escolas se vivem experiências decisivas para o futuro de todas as crianças. O bullying é um assassino de futuros e, como tal, precisa de ser combatido com o seu antídoto, com a inclusão. Combatido com o crescente respeito pela opinião de cada um, pela confiança na capacidade de cada um contribuir para a comunidade educativa e de aprendizagem.
Agora que começa um ano novo, agora que se distribuem votos e desejos, eu gostaria de formular aqui o meu, o meu voto para 2018: que todas escolas se mobilizem para acabar com esta violência e agressão aos mais fracos, ou melhor, aos nossos concidadãos que são (no presente) tornados mais fracos.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
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