«E Agora?». A pergunta surge a todo o momento, quando nos colocamos no papel de alguém que se tem de deslocar numa cadeira de rodas, em Faro. As ruas de sempre parecem, muitas vezes, becos sem saída, embora o objetivo esteja ali à vista, ainda que inacessível para quem tem mobilidade reduzida.
Passeios altos, que obrigam a rolar pela estrada, pisos irregulares, postes e árvores a barrar o caminho, mau planeamento arquitetónico, mesmo em edifícios modernos, e autênticas armadilhas em locais onde parece que tudo foi feito para ajudar quem se desloca em cadeira de rodas, são apenas exemplos das dificuldades que se encontram um pouco por toda a cidade.
No passado domingo, o grupo informal «Faro à Conversa» lançou o desafio de conhecer Faro a pé e perceber as dificuldades que uma boa franja da população tem no seu dia-a-dia, para circular, desde pessoas com mobilidade reduzida a invisuais. Um repto aceite por mais de três dezenas de pessoas, que se dividiram pelos sete percursos pré-definidos, todos eles com partida e chegada ao Mercado Municipal de Faro.
O Sul Informação também se fez à estrada, num percurso guiado por Filipe Nascimento, mais conhecido por Pim Pim, farense que ficou paraplégico há cerca de duas décadas, ainda jovem, e é hoje um ativista pela melhoria das condições de mobilidade na capital algarvia. Os participantes neste passeio foram convidados a acompanhar o guia, sentados numa cadeira de rodas que este providenciou, para perceber as dificuldades que enfrentam as pessoas com mobilidade reduzida, nesta cidade.
Para alguém com mobilidade total, a experiência de andar de cadeira de rodas numa cidade que não está preparada, como Faro demonstrou não estar, pode ser assustadora. Para aqueles com mobilidade reduzida, sair à rua significa enfrentar um dia-a-dia de limitações, que vão muito além das que a sua condição impõe. E se muitos adquirem, como tempo, uma grande agilidade no manuseamento da cadeira de rodas, isso não é garantia de tranquilidade.
«Quando se começa a andar de cadeira de rodas descobre-se uma nova dimensão, na qual nunca tínhamos pensado, e há muitas zonas que começam a ser proibidas. Há sítios a que deixamos de poder ir e outros que nos desenrascamos para lá chegar. Acessíveis, acessíveis, não há nenhuns», ilustrou Pim Pim.
Isto não significa que não haja rampas em passeios e outras zonas adaptadas. O problema é que parecem ser a exceção e não têm continuidade ou uma lógica integrada. Ou seja, em alguns locais é possível ter acesso a um passeio que está rebaixado, para depois não ter meio de descer, de forma segura, no cruzamento seguinte.
«E agora?», pensa-se, quando isto acontece. Voltar para trás, ou arriscar o “salto” para a estrada? Para Pim Pim, com os anos de experiência a dominar uma cadeira de rodas, alguns destes problemas são ultrapassados de forma criativa e com a destreza adquirida. Mas Filipe Nascimento é dono de uma notória boa condição física e de desenvoltura, mantendo uma boa dose de independência, o que nem sempre acontece com pessoas com mobilidade reduzida.
Cláudio Marimgelli é italiano, mas vive em Faro há mais de dois anos, por estar a fazer o Doutoramento em Literatura na Universidade do Algarve. Ao chegar à região, sentiu necessidade de intervir cívica e politicamente – «política, mas não partidária», diz – e encontrou o Faro à Conversa, um grupo informal de cidadãos que tem vindo a promover iniciativas de caráter cívico, sendo esta a terceira dedicada à mobilidade.
Foi na qualidade de membro do grupo informal que se juntou ao passeio guiado por Filipe Nascimento. E depressa percebeu as dificuldades com que as pessoas com mobilidade reduzida se debatem, ao circular por Faro.
«Foi uma experiência nova para mim. Foi muito difícil, mais do que eu esperava. Percebi que esta cidade é terrível, porque não havia, praticamente, nenhum lugar que estivesse preparado para alguém se deslocar em cadeira de rodas», contou Cláudio Marimgelli.
«A primeira vez é até um pouco assustador. Mas com o hábito, acredito que as coisas mudem», acrescentou.
«E Agora?», pensaria alguém que, como Cláudio, tentasse subir uma rampa de um passeio numa cadeira de rodas e ela tombasse para trás, devido à inclinação excessiva do que devia ser uma passagem segura.
O perigo de cair desamparado não é de menosprezar e está presente em locais e equipamentos que, à primeira vista, estão lá para ajudar quem se desloca em cadeira de rodas. Um bom exemplo, dado por Filipe Nascimento, é o do Mercado de Faro.
«Aqui a zona do mercado é um exemplo que eu dou há muito, desde a sua inauguração. Descobri falhas de projeto muito grandes ao nível da organização do espaço, que levam a que não tenha qualquer funcionalidade, ao nível da acessibilidade. Alguém com mobilidade reduzida que entre para a cave (piso -1), não consegue sair [pelo interior do mercado], quando devia ser o caminho mais fácil», revelou Pim Pim.
É que, apesar de existirem lugares para deficientes nos locais certos e casas de banho adaptadas, neste piso, como mandam as regras, não há elevadores no lobby de entrada do piso -1. O que há, é um tapete rolante, que é muito perigoso para quem se desloca em cadeira de rodas. A força da passadeira puxa as rodas da cadeira mal esta entra, tombando-a para trás. «Não é exequível usá-la, só com ajuda de um terceiro», garantiu Filipe Nascimento.
Este é apenas um exemplo, que se repete um pouco por todo o lado. «Esta é uma herança de há longa data, que até agora ninguém teve a preocupação de resolver. Para a Cidade Velha nem tento ir, o piso é proibitivo», ilustrou.
«E Agora?». Agora, há que adaptar as cidades e vilas para facilitar a vida a quem tem mobilidade reduzida, mas também a invisuais e amblíopes e aos que empurram carrinhos de bebé, já que «há legislação que a isso obriga».
Fonte: Sul Informação por indicação de Livresco
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