Neste ano letivo, o número de alunos com necessidades educativas especiais a frequentar o ensino secundário disparou 18%, subindo para 13 mil
Ana Filipa Silva, 19 anos, não é do género de se queixar. Quando lhe perguntamos se o facto de ser uma aluna com necessidades educativas especiais (NEE) lhe dificultou o percurso escolar, garante que a maior parte das barreiras foram autoimpostas: "No início, o problema fui mais eu. Tive de me adaptar, de me aceitar." No 11.º ano, é um dos 13 mil alunos com NEE que neste ano letivo frequentam o secundário. Um número ainda curto, mas que representa uma subida acentuada, de 18% (dois mil alunos), no espaço de um ano. Um sinal de que a deficiência começa a deixar de ser equiparada a uma sentença de baixas expectativas.
Filipa podia ser o modelo desta mentalidade. Tal como a personagem de Dickens, tem grandes esperanças. E não deixa que nada as abale. Nem a paralisia cerebral. Nem as contrariedades associadas, como o ano parcialmente perdido no 10.º devido a uma cirurgia com recuperação prolongada, que a deixou "presa ao gesso" durante longas semanas. Quer estudar Ciências Sociais e Políticas e espera, um dia, poder ser uma oradora, talvez uma deputada na Assembleia da República, a "dar voz aos que enfrentam desafios semelhantes". É praticante de boccia, "num pequeno clube que tem tido bons resultados", e espera um dia representar Portugal nuns jogos paralímpicos: "Em tudo o que meto é para levar a sério."
Se a mentalidade é importante, o enquadramento também é. Ana Filipa lembra que sempre foi muito incentivada pelos pais. E na escola que frequenta, o Agrupamento António Damásio, nos Olivais, explica a vice-diretora, Rosa Carvalho, "existe uma longa tradição de integrar alunos com necessidades educativas especiais, que começou com a criação de uma unidade especializada no espectro do autismo". Hoje, são ativamente procurados pelo enquadramento que dão a alunos com diferentes deficiências. Ali, garante, o segredo não é tanto serem tratados como diferentes - antes como estudantes iguais aos outros: "Sempre procurámos enviar os nossos alunos para o ensino secundário regular, mesmo antes de sair a legislação da escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Outros, nos casos em que era mais indicado, seguiam para o ensino profissional, em instituições que sentíssemos que tinham as condições para lhes dar uma boa formação."
Admite que essa não era a prática generalizada nas escolas do país: "Possivelmente é mais fácil encaminhar os alunos para outros percursos. Muitos alunos, nomeadamente os que têm currículo individual, têm muita dificuldade." Mas as coisas estão a mudar e isso não passa só pelas escolas: "Os pais também ficaram mais despertos para esta situação: afinal, o meu filho já pode ter mais estudos."
Se o número de alunos que chegam cada vez mais longe está claramente a evoluir, a forma como essa subida é conseguida continua a ser tema de discussão. De acordo com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC), no inquérito que dá conta destes dados, o aumento da frequência do secundário e no próprio 3.º ciclo (+8%) está diretamente relacionado com o acréscimo de planos educativos individuais (PEI), que são essencialmente adaptações dos currículos e da avaliação de modo a que a progressão se torne mais acessível.
Ainda que parte dos alunos com NEE precisem destas soluções, David Rodrigues, presidente da Pró-Inclusão - Associação de Professores de Educação Especial, não vê nestas uma fórmula que deva ser aplicada à generalidade destes alunos, cujas limitações e pontos fortes são muito diversificados. "Importante é que as escolas tenham soluções diversificadas para todos", porque "quanto mais diversificado for o ensino, mais hipóteses são dadas, não só aos alunos com NEE mas a todos". No passado, "o ensino secundário era um Adamastor para muitos alunos. Depois, começaram a surgir as vias profissionalizantes e as coisas começaram a mudar".
O Ministério da Educação também não vê neste aumento, em que assume que o alargamento da escolaridade obrigatória "é um fator a ter em conta", como um sinal de que tudo está resolvido: "O trabalho que se está a preparar na área da educação inclusiva centra-se na necessidade de garantir a todos os alunos o acesso ao currículo, de acordo com as suas necessidades e capacidades, visando que a integração que hoje temos se converta gradualmente em verdadeira inclusão, como garantia de que os níveis de qualificação dos jovens com necessidades específicas aumentam", diz.
Uma década depois da revolução da "escola inclusiva", o objetivo de levar para o ensino regular a quase totalidade dos alunos com necessidades especiais está cumprido. Falta assegurar que as escolas dão verdadeiramente as respostas necessárias para todos os alunos.
Fonte: DN
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