"Equidade? Não somos diplomas, somos pessoas." Li esta frase num cartaz, há dias. Claro que concordei. A Educação é uma área com uma quantidade absurda de ideias pré-concebidas e tomadas de pressuposto. O peso que tem o mensurável, o número, a nota, desvirtuou todo o processo, e é, ao mesmo tempo, mentiroso, ou então falacioso, porque deixa de fora toda uma série de variáveis, a começar logo pela equidade e pela questão emocional.
A febre examinadora dos testes, dos exames, das orais, que quer fazer-se passar por "rigor", por "excelência" e por "exigência", não mais é do que uma pequena ilusão num mundo demasiadamente vasto, repleto de informação e conhecimento. O que fica de fora dessa pequena ilusão é, ou não, material que possa servir a alguém? Por que razão há-de uma pequeníssima parte valer mais do que todo o restante, que daria para completar incontáveis partes?
Tudo não passará de uma sensação de controlo, de uma ilusão de poder e conhecimento de uma parte sobre outra, procurando a reprodução, ad nauseam, dessa mesma base. A Educação dos "diplomas" prepara para o imediatismo e para as respostas em testes e exames, ignorando a imprevisibilidade e a surpresa da vida. A Educação não é uma fórmula: podem ser muitas, mas qualquer uma delas não é, nem poderá nunca ser, à imagem de quem à mesma se aceita submeter, um dado adquirido.
Gosto muito de trocar impressões com os meus alunos. Gosto de saber o que pensam acerca das problemáticas que assolam o mundo. Peço-lhes para que escrevam, muito, e os textos versam sobre assuntos que, creio eu, fazem pensar:
- Quem é a pessoa mais influente na/da tua vida?
- Como te imaginas daqui a dez anos?
- Se pudesses mudar o mundo, de alguma forma, o que farias?
- Qual a importância da música para a tua vida?
- Que tipo de estudante és?
- Exames ou avaliação contínua?
Tornou-se conhecida uma expressão, muitas vezes partilhada, supostamente oriunda da África do Sul, sobre o acto de copiar (cabular). Reza(va) assim: “Para destruir qualquer nação não é necessário usar bombas atómicas ou mísseis de longo alcance. Basta apenas reduzir a qualidade da educação e permitir que os estudantes ‘copiem’ nos exames.”
Concordo com a parte da educação ser importante para uma nação, mas discordo de todo o restante, porque acho, até, que é um contra-senso grosseiro. Primeiro, as bombas atómicas e os mísseis de longo alcance são, também, resultado de um tipo de educação que privilegia a competição e a não compreensão do outro: a negação holística do ser, enquanto um todo; segundo, a qualidade da educação não anda acoplada a haver mais ou menos exames, mais ou menos testes, mais ou menos provas. A febre examinadora não passa de um mito quantificador (e redutor), facilitista.
Terceiro, a parte a que queria chegar: "copiar". Ora bem, o que acontece, na generalidade das provas, testes, exames, é replicar, acriticamente, o que vem nos manuais. É avaliada a capacidade de memorização a curto prazo e, eventualmente, a capacidade de sacrifício, tão ao gosto de uns quantos. Não existem, axiologicamente, grandes diferenças entre copiar e memorizar para um determinado fim. Replicar conteúdo não significa, taxativamente, qualidade, até porque um programa é sempre truncado, deixando imenso de fora. O que destrói as nações é a falta de espírito crítico, a falta de inovação, a falta de prática, a falta de respostas criativas aos problemas e, também, a falta de percepção emocional quando deparados com desafios. E a falta de empatia.
E agora chegamos ao último ponto deste texto: o ministro da Educação prometeu muito, mas é um tiro completamente ao lado: "Governo acredita que valorizar os exames é promover a equidade". Passamos de um cenário em que o fim dos exames foi equacionado, e bem, para uma em que os mesmos ganham um peso-extra. É inacreditável esta inversão de marcha. Equidade? O governo sabe o que é equidade? Famílias sobrecarregadas, mal pagas, com contas sem fim às costas, com responsabilidades acrescidas, com mais do que com o que se preocupar, vão agora levar com a 'equidade' dos exames: trabalhar para resultados mentirosos, profundamente mentirosos, vai abrir uma clivagem ainda maior entre os que podem mais e os que podem remediadamente ou menos. Equidade?
Paulo César Gonçalves
Fonte: Público
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