Presentemente, face à realidade que vivemos no nosso país quanto à qualidade dos serviços de educação especial, coloca-se-nos um desafio: ou perseguimos a excelência; ou nos ajustamos ao marasmo administrativo e educacional que parece ter lançado a educação de crianças e adolescentes com necessidades especiais significativas (NES) na mediocridade, com todas as consequências negativas que daí advêm para elas e para as suas famílias. Na minha ótica, só há uma alternativa: aceitar a responsabilidade de promover a implementação de programas eficazes que se baseiem em factos e não em mitos, que se apoiem na investigação e não em modas, e que tenham como referência a defesa dos direitos das crianças e adolescentes com NES.
Posso afirmar, com uma relativa certeza, que a área da educação especial tem sido alvo, nestes últimos anos, de um folclore educacional que, entre incompreensão e ignorância, levou ao marasmo a que hoje se encontra entregue. A prová-lo, a publicação do DL 54/2018, de 6 de julho, que não passa de um decreto cuja retórica não só pretende vender-nos um conceito de inclusão (inclusão total) que nada tem a ver com a sua génese e interpretação científicas, mas também aproveita a oportunidade para extinguir conceitos como o de educação especial, necessidades educativas especiais e necessidades especiais, entre outros, simplesmente para perseguir a “moda” de que a inclusão total traz consigo benefícios acrescidos para todos os alunos, incluindo os com NES, ou, até, para satisfazer os seus interesses pessoais. Ou seja, estamos perante dois tipos de crenças. Uma, objetiva, que se enquadra na verdade científica, empiricamente confirmada, e a outra, subjetiva, que se apoia num discurso palavroso a pedir emprestado à ciência aquilo que ela não pode assegurar.
É esta segunda crença que parece imperar no nosso país, em que, há mais de trinta anos, muitos dos nossos académicos, técnicos superiores do Ministério da Educação e decisores políticos parecem alheios à realidade experienciada por professores, técnicos de educação e pais de alunos com NES. Mais, aparentam não estar a par da investigação que trata da educação de crianças e adolescentes com NES, defendendo, sem fundamento científico, que todos os alunos, sem exceção, devem receber a sua educação nas classes regulares.
Por que será? Quanto a mim, por ser mais fácil, não exigindo conhecimentos científicos atualizados, mas, sim, um discurso enfeitado, demasiado simplista, fundamentado apenas nos direitos humanos, argumento falso se considerarmos as premissas que esses direitos contemplam.
A título de exemplo, segundo os defensores da inclusão total, quando os alunos com NES são colocados numa classe regular durante a maior parte do dia escolar, eles experimentam um maior sucesso académico. Contudo, a investigação recente diz-nos o contrário, ou seja, para que os alunos com NES obtenham sucesso académico, é necessário que eles sejam expostos a intervenções específicas e intensivas que não são consideradas nas práticas educativas comuns de uma sala de aulas. Mais, a investigação diz-nos que à medida que é maior o número de alunos com NES numa sala de aulas, maior é o seu insucesso académico. E vai mais longe, evidenciando que o progresso académico destes alunos, quando submetidos a intervenções intensivas nas matérias em que eles apresentam mais dificuldades, supera o de seus pares com NES inseridos a tempo inteiro numa classe regular.
Assim, é de salientar que o conceito de inclusão total não beneficia em nada os alunos com NES, pois muitos deles, se não todos, necessitam regularmente de intervenções intensivas prestadas fora das salas de aulas.
Contudo, e tendo por base o que atrás ficou dito, apesar de a investigação e da literatura nos terem dado, continuando a dar, uma ideia muito clara sobre a melhor forma de prestar uma educação de qualidade para os alunos com NES, muitos dos nossos académicos, técnicos superiores do Ministério da Educação e decisores políticos preferem percorrer o caminho mais fácil, teimando em promover uma visão simplista do conceito e, assim, menorizando a eficácia das práticas educativas que lhe estão subjacentes. E por serem considerados líderes no campo da educação, diria que a sua verdade, apoiada na oratória de que o “rei vai nu”, tem confundido e dissuadido muitos daqueles que, porventura, serão céticos em relação às vantagens da inclusão total, quer por estarem a par da investigação e literatura mais recentes, quer por experiência própria, entregando-os ao silêncio ou levando-os a admitir o inadmissível, para não serem considerados párias no seio do sistema educativo.
Concluindo, ao negligenciar a educação dos alunos com NES, que, ao que parece, têm navegado constantemente nas correntes do insucesso, o sistema educativo está continuamente a dar passos em falso cujas consequências lhes são particularmente desastrosas. É tempo de invertermos esta situação, pois, caso contrário, corremos o risco de estar a infligir nestes alunos o que eu designo por “maus-tratos académicos”, condenando-os, logo no início do seu percurso escolar, a um insucesso tal que dificilmente será recuperável.
Luís Miranda Correia
Fonte: Público
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