Não faltam reflexões sobre o que se deve entender por “inclusão”. E todas elas são necessárias porque a palavra inclusão presta-se a inúmeros equívocos. Talvez valha a pena começar até por falar do que não é a inclusão. Antes de mais, a inclusão não pode ser colocar alunos com dificuldades em ambientes que não os querem receber. Impor a presença de alunos com dificuldades em estruturas que têm a expectativa de só receberem alunos “homogéneos” e que aprendam “bem e rápido” seria uma violência inútil. Felizmente – e como salienta o relatório de peritos da OCDE recentemente publicado sobre a situação da Educação Inclusiva em Portugal - não é este o caso nas nossas escolas públicas.
A inclusão não deve igualmente ser concebida como uma experiência parcial e circunscrita. Circunscrever a inclusão à responsabilidade exclusiva de “certas pessoas”, à sua validade só “em certos lugares” e ativada só em “certos momentos”, cerca e diminui o âmbito e a abrangência da inclusão.
Por fim, não parece acertado pensar que a inclusão é um remédio, isto é que a inclusão seria indicada só para certas pessoas, mas com conta peso e medida. O que sabemos hoje - e é inequivocamente mostrado na literatura científica e nos relatórios de organizações internacionais - é que a inclusão deve ser um valor transversal da educação e da escola e um aluno com dificuldades deve usufruir tanto de ambientes inclusivos como um aluno que não esteja necessitado de medidas de apoio mais direcionadas. Inclusão sim como valor de toda a escola e toda a comunidade. Pensar na Inclusão só para alguns ou como remédio seria como pensar que o oxigénio se devia vender em farmácias e sob receita médica.
Pensando agora pelo lado mais afirmativo, o que se considera atualmente que é a inclusão? Por limitações de espaço citaremos só duas referências. A primeira está escrita no Global Education Monitoring Report 2020 da UNESCO significativamente intitulado Inclusão e Educação: Todos quer dizer Todos. Inclusão é definida como “um processo, ações e práticas que impliquem a diversidade e criem um sentido de pertença enraizado na crença que todas as pessoas têm valor e potencial que deve ser respeitado” (p.11).
Um outro contributo para explicar o que se entende hoje por inclusão é dado pela OCDE num documento intitulado Promover a Educação Inclusiva para Sociedades Diversas, publicado em novembro do ano passado (2021), no qual se defende “para navegar num contexto de diversidade é necessário adotar uma visão multidimensional e multissetorial que ajudem a educação a promover a equidade e a inclusão na educação e a potenciar o bem-estar e a aprendizagem dos alunos. Esta perspetiva poderia ainda apoiar sistemas educativos na preparação de todos para se poderem implicar em sociedades cada vez mais diversas e complexas”.
Quando pensamos em alunos com dificuldades de aceder ao currículo por dificuldades provenientes de uma condição de deficiência, não podemos deixar de considerar que o seu contato com ambientes diversos origina grandes ganhos na aprendizagem e na socialização. Ganhos que não são automáticos (nenhum é…) mas sim fruto da cuidadosa preparação e gestão de ambientes inclusivos que possam ser propícios para a sua participação, progresso e aprendizagem. A inclusão é, pois, benéfica para todos e em particular para alunos cujas condições particulares de desenvolvimento tornariam mais difícil o seu contato com outros jovens.
Não se deve confundir o caráter transversal da inclusão com “Inclusão Total”. A expressão “Inclusão Total” ignora, até um pouco ingenuamente, que o processo de inclusão é isso mesmo, um processo. E como processo assume valores diferentes em função de circunstâncias concretas. Ignora ainda - e agora dolosamente - que o mandato da imaginada “Inclusão Total” não está escrito na legislação atual sobre Educação Inclusiva (DL 54/2018). Desta forma, Inclusão Total é uma expressão que deveria estar junto com “Adamastor” ou “O Homem do Saco” na galeria dos monstros imaginários.
O processo de participação e aprendizagem implica inevitavelmente que os alunos participem em grupos distintos e obviamente trabalho individual. Para todos. Acenar com o perigo do “inclusivismo” ou da “Inclusão Total” serve só para reforçar velhas ideias clínicas sobre a “deficiência” e sobre a “psicopedagogia” do seu “tratamento”. Associar inclusão a menor competência da educação de alunos com necessidades de apoio é ainda uma enorme desconsideração e desrespeito pelos milhares de professores de Educação Especial, psicólogos, equipas do Centros de Recursos para a Inclusão e numerosos outros técnicos que todos os dias dão o melhor que sabem e podem para proporcionar uma educação de qualidade a todos.
Para levar a Educação Inclusiva mais longe não se deve conduzir a olhar o retrovisor. Se partirmos do que pensamos e não do que a realidade e a investigação nos mostram ficaremos a repetir os “nossos” argumentos sine die. E aqui fica a opinião publicada há menos de seis meses por um grupo de peritos internacionais da OCDE sobre a situação da Educação Inclusiva portuguesa: “Desde 2018 Portugal desenvolveu um conjunto legislativo abrangente sobre Educação Inclusiva (…) Isto incluiu esforços significativos para promover maior flexibilidade e autonomia aos atores locais, incluindo as escolas”. E no seu relatório de 265 páginas, estes peritos internacionais “esqueceram-se” de falar do tal existente e perverso modelo português da “Inclusão Total”.
David Rodrigues
Fonte: Público
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