Todos os anos o alerta repete-se: os especialistas consideram que as crianças passam demasiado tempo na escola e que a carga letiva é exagerada. Mas todos os anos permanece tudo no mesma. A premissa parece surgir como uma inevitabilidade, mas há poucas dúvidas sobre a razão para que aconteça: os horários laborais dos pais. "Os pais têm de ter os miúdos em algum sítio e sobretudo nas grandes cidades é preciso que haja um sítio para deixar os miúdos", sublinha a psicóloga Catarina Lucas à CNN Portugal.
Há casos de crianças com passam nove, dez horas na escola, "o que ultrapassa um dia normal de trabalho”, frisa Catarina Lucas. "Há 20 anos não era assim", aponta, recordando que as aulas muitas vezes "acabavam às quatro da tarde". A especialista vinca que os miúdos não deviam passar mais de "seis, sete horas" na escola e não tem dúvidas de que, nos dias que correm, há uma "sobrecarga muito grande" nas crianças "entre as aulas que já ocupam muito tempo e as restantes atividades". Uma dinâmica que tem consequências: "Por isso, temos miúdos mais novos com quadros de ansiedade".
O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, explica que "há um número limite de horas letivas por dia": "no primeiro ciclo são cinco horas, nos seguintes são até sete e oito horas". No entanto, afirma o responsável, os alunos acabam por permanecer nas escolas mais tempo "no âmbito de programas ocupacionais, com outro tipo de atividades que completam o seu dia na escola para além do currículo normal". Mas por que é que isto acontece? Voltamos ao início: "Os alunos podem ficar nas escolas mais tempo e até pode haver prolongamento do seu horário por causa dos horários dos pais", sublinha Filinto Lima. Os horários dos pais muitas vezes ditam os horários dos filhos e as famílias não têm apoios como, por exemplo, existem noutros países, lembra o professor.
"Se estivéssemos na Suécia ou na Finlândia haveria outro tipos de apoios. Aqui não há e é necessário que a escola pública ajude os pais e os filhos para que estejam mais tempo dentro da escola, não em contexto letivo, mas a realizar outras atividades naquele espaço", frisa o responsável dos agrupamentos escolares.
Na mesma linha, a presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), Mariana Carvalho, sublinha que "os pais estão num local de trabalho oito e nove horas por dia e depois ainda têm as deslocações". "Torna-se difícil não tendo uma rede familiar ou de apoio, deixar as crianças entregues a alguém", completa. Por isso, os pais defendem que a escola deve dar uma resposta neste sentido, "mas não para as crianças estarem sempre dentro da sala de aula". "Tem de haver momentos para brincar, para fazer outras coisas", acrescenta. A CONFAP defende, de resto, "estratégias diferenciadoras" no ensino, de modo a que os menores consigam aproveitar o tempo letivo também fora da sala de aula.
Por outro lado, Filinto Lima nota que é em contexto escolar que os alunos oriundos de ambientes socioeconómicos mais vulneráveis conseguem ter acesso a atividades que, de outra forma, não lhes seriam facultadas. "Aquele tempo não letivo que os alunos passam na escola deve ser direcionado para atividades extracurriculares que possam enriquecer o currículo dos nossos alunos", acrescenta.
Questionada sobre esta realidade que visa as famílias mais carenciadas, Catarina Lucas reconhece que é na escola "que muitas lacunas são colmatadas", mas que "não podemos generalizar" e para estes casos têm de existir "medidas especiais".
Para a psicóloga, atualmente ainda há outra agravante: "o perfecionismo e a exigência que é colocada" nos menores - "tem de ter jeito para o futebol, tem de ter jeito para a música", exemplifica - também potencia esses quadros de ansiedade porque "os miúdos vivem sob pressão".
"Já que é uma inevitabilidade os miúdos estarem na escola muitas horas, pelo menos não os sobrecarreguem com atividades todos os dias, parece que há sempre qualquer coisa", sublinha Catarina Lucas.
"É preciso deixar os miúdos brincar e é preciso que os pais e as famílias tenham tempo para os filhos e para o tempo em família", destaca a psicóloga.
"Os adolescentes têm sono mais tarde e não é porque são mandriões"
“Pedir a um adolescente que esteja acordado e a assimilar informação às 8:30 é o mesmo que pedir a um adulto que acorde às 4:00 e que, de bom humor e com uma boa disposição, comece a aprender de forma eficiente.” As palavras são do especialista do sono norte-americano Matthew Walker, numa entrevista à rádio NPR, e foram amplamente citadas quando, em julho, o Estado da Califórnia proibiu aulas antes das 8:30. Apesar de o contexto português ser diferente do americano - nos Estados Unidos é habitual os jovens começarem as aulas às 7:00 e em Portugal isso não acontece - , para Teresa Rebelo Pinto, psicóloga e especialista na área do sono em Portugal, as declarações "não são um exagero". Em entrevista à CNN Portugal, Teresa Rebelo Pinto refere que os adolescentes "não são tão produtivos nem têm tanta energia" de manhãzinha e há vários fatores que o explicam.
Comecemos pelo primeiro: o ritmo circadiano. A especialista começa por descodificar este conceito, explicando que "tal como de dia está sol e de noite está escuro", no nosso cérebro também temos um período associado ao dia e à noite, "o chamado ritmo circadiano". E é precisamente na adolescência que este ritmo circadiano sofre grandes alterações, o que influencia diretamente o período do sono.
"Com o início da puberdade, existem alterações fisiológicas muito importantes que vão atrasar o sono. Os adolescentes têm sono mais tarde e não é porque são mandriões, mas devido a questões fisiológicas em primeiro lugar. Um adolescente até pode ir para a cama cedo e não conseguir adormecer”, vinca Teresa Rebelo Pinto.
Um fator está explicado, mas há mais. Além das mudanças no ritmo circadiano, todos os estudos apontam para que os menores na adolescência precisem de dormir mais horas do que os adultos. “O que nós sabemos é que os adolescentes têm uma necessidade de horas de sono que é em média entre as oito horas e meia e as nove horas e meia, ou seja, é superior à dos adultos que é, em média, de sete horas e meia”, sublinha.
Ora, se os adolescentes precisam de mais horas de sono, mas deitam-se mais tarde, qual é o resultado desta equação? Uma “dívida de sono”, diz Teresa Rebelo Pinto.
"Os adolescentes vão encurtando o sono durante a semana e depois, ao fim de semana, dormem muito mais numa tentativa de compensarem. O que é mau para a saúde. O que é bom é as pessoas dormirem todos os dias de forma regular.”
A especialista compara as horas de sono diárias à necessidade de nos alimentarmos regularmente: “Também não deixamos de comer durante a semana e depois comemos mais ao fim de semana.”
Atrasar apenas meia hora o início das aulas pode ter benefícios no aproveitamento escolar
As horas de sono influenciam diretamente o aproveitamento escolar das crianças. “Tendo dormido pouco, os menores não estão tão capazes de aprender, ficam mais agressivos e tomam piores decisões”, afirma Teresa Rebelo Pinto. “E fazer um exame às 8:00 ou às 10:00 vai ter resultados diferentes”, completa.
A lei da Califórnia que proíbe aulas antes das 8:30, e que entrou em vigor a 1 de julho, já está a suscitar o interesse de outros Estados norte-americanos, como Nova Iorque e Nova Jérsia, que admitem replicar a medida. E em Portugal, faria sentido?
Teresa Rebelo Pinto começa por notar que em Portugal "faz-se tudo mais tarde" do que nos Estados Unidos - "começa-se a trabalhar mais tarde, janta-se mais tarde", exemplifica. Ainda assim, a especialista não tem dúvidas de que há pequenas mudanças que também poderiam ser aplicadas ao quotidiano português e que poderiam ter importantes benefícios na aproveitamento escolar dos alunos. Teresa Rebelo Pinto diz que, por exemplo, atrasar o início das aulas "apenas meia hora" já poderia ter "um impacto positivo".
Por outro lado, a especialista entende que há uma discrepância que não faz sentido: "As crianças mais novas entram mais tarde na escola e os adolescentes mais cedo e isso é contrário às mudanças que estão a acontecer no corpo.”
Uma ideia que é corroborada pela psicóloga Catarina Lucas. A especialista considera que deveria existir "uma organização diferente da escola pública" e que, mesmo para os mais pequenos, "começar aulas às 8:00 é muito cedo".
Mas Mariana Carvalho da CONFAP lembra que em Portugal "os pais não têm horários flexíveis" no trabalho e que já há crianças que acordam muito mais cedo do que o que seria necessário. "Há crianças que só entram às 8:30 e que se levantam muito cedo porque as famílias vão trabalhar às 6:00", indica. A responsável considera que o ideal seria uma "mudança de política social e não educativa" e até refere o que viveu quando trabalhava fora do país, na Chéquia: "Lá ninguém trabalha a partir das 15:00, as famílias aproveitam o resto do dia. Com os horários em Portugal, isso não é possível."
Fonte: CNN Portugal por indicação de Livresco
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