O Ministério da Educação (ME) garante que, até ao momento, recebeu apenas 50 reclamações a respeito da aplicação da nova lei da educação inclusiva, que este ano substituiu o regime da educação especial. Em resposta (...), o ministério frisa que está em causa “um universo de cerca de 87.500 crianças”, que é o número das que em 2017/2018 foram reportadas como tendo necessidades educativas especiais.
Ainda segundo o ME, as reclamações apresentadas “estão relacionadas na quase totalidade com a falta de funcionários por motivos de baixa”, um problema anterior à entrada em vigor do novo diploma e que se mantém.
O ministério adianta que o acompanhamento destes alunos (e recorde-se que o conceito de necessidades educativas especiais desapareceu da nova legislação, que se destina a todos os jovens, prevendo apoios mais especializados para os que deles precisam) foi definido como "prioritário" para que sejam os primeiros a beneficiar de novos funcionários que estão a ser contratados.
No início do ano letivo foram vários os pais que deram conta que os seus filhos tinham ficado sem os apoios de que necessitavam devido à aplicação da nova lei, que obrigou as escolas a reavaliar as necessidades dos alunos com vista à adopção de novas medidas de apoio.
Como o diploma só entrou em vigor à beira das férias de Verão, esta reavaliação só começou a ser feita no final de setembro, já as aulas tinham começado. E há escolas que ainda não concluíram este processo. Eis um caso apontado no Parlamento numa audição no final de fevereiro pela mãe de uma criança autista de 11 anos: “O meu filho está no 4.º ano e ao longo de todo este tempo já passámos por tudo. Foram várias as vezes que foi mandado para casa porque um funcionário ou um professor tinham faltado. Neste momento o meu filho ainda não tem o seu Relatório Técnico Pedagógico feito porque se considera na escola que o diploma não é claro em relação à aplicação do apoio tutorial”.
Como a elaboração do Relatório Técnico-Pedagógico (RTP) é uma condição necessária para a adoção de apoios mais direcionados para alunos com dificuldades especiais, o filho de Sílvia Antunes continua privado destes. O RTP, que veio substituir o Programa Educativo Individual (PEI) existente no anterior regime, tem de ser elaborado no caso de a escola entender que são necessárias “medidas seletivas ou adicionais” para garantir o sucesso de alunos que necessitam de mais apoios do que os previstos nas “medidas universais”, que se destinam a todos os estudantes.
Sílvia Antunes foi um dos mais de 200 participantes na audição pública promovida no final de fevereiro pelo Parlamento a propósito da nova lei. E não foi a única a deixar alertas. Alexandra Nunes, professora de Educação Especial, avisou que “muitos alunos vão deixar de ter os apoios terapêuticos de que necessitam” porque o novo diploma só prevê que estes sejam disponibilizados a alunos com um RTP. Problema: há muitos que não têm necessidades de aprendizagem específicas mas precisam, por exemplo, de terapia da fala, apontou.
Exames sem categorização
E o que se passa com os alunos com dislexia? Do Departamento de Educação Especial da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti chega a informação de que as escolas estão a seguir vias distintas. Nalgumas, os professores afirmam “ter recebido orientações no sentido de se mobilizar, nestes casos, apenas as medidas universais que não implicam a elaboração do Relatório Técnico-Pedagógico”, o que irá prejudicar estes alunos, uma vez que só poderão beneficiar de adequações nos exames se tiverem um RTP. Estas adequações passam por um formato diferente da prova, pela atribuição de um tempo suplementar para a sua conclusão ou pela possibilidade de leitura assistida dos enunciados.
No regulamento dos exames para 2019 o Ministério da Educação apenas autoriza que, na ausência de um RTP, estas adequações sejam autorizadas em “situações excecionais”, fundamentadas pelas escolas. O regulamento deste ano tem outras novidades. Por exemplo, no caso das provas ou exames elaborados pela própria escola deixa de estar descrito o universo de alunos que têm a possibilidade de as realizar.
Até agora estas estavam indicadas para “alunos com cegueira ou baixa visão, surdez severa a profunda, incapacidades intelectuais, perturbação motora grave ou perturbação do espectro do autismo”. Mas no regulamento de 2019 refere-se apenas que “são destinadas a alunos que não conseguem realizar de todo as provas de avaliação externa elaboradas a nível nacional pelo Instituto de Avaliação Educativa”.
Haverá então mais alunos abrangidos por esta possibilidade? O Ministério da Educação responde assim: afirma que se “mantém as condições de realização de provas e exames que estavam previstas em 2018”, que existem “situações específicas, que as escolas especialmente conhecem”, em que os alunos não conseguem realizar exames nacionais, que esta “situação específica” inclui muitas variáveis além da “categoria clínica” e finalmente que a nova redação obedece ao princípio que subjaz ao diploma da educação inclusiva, que “afasta a conceção de que é necessário categorizar para intervir”.
Fonte: Público
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